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A culpa é do gado

Brasil lança o programa Metano Zero, focado em reduções de emissões no agronegócio, especialmente pelo gado bovino. Sabe-se que o metano é muito mais danoso ao meio ambiente do que o gás carbônico, mas o desafio de mudar hábitos é gigantesco

Colunista Carlos de Mathias Martins

Carlos de Mathias Martins

01 de Abril

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Artigo A culpa é do gado

Rogo aos algoritmos das mídias digitais que não interpretem o título deste artigo como provocação política. Gado bovino é muito diferente de outros gados e este artigo versa sobre emissões de gases de efeito estufa (GEEs) na pecuária.

Em novembro de 2021, na Conferência do Clima da ONU (COP26), mais de 100 países, incluindo o Brasil, assumiram o compromisso coletivo de reduzir as emissões globais de metano em 30% até 2030 (em comparação aos níveis de 2020). Na esteira desse acordo, o governo brasileiro acaba de anunciar o lançamento do Programa Metano Zero, ainda pendente de regulamentação mas focado em reduções de emissões no agronegócio.

O metano é um gás de efeito estufa potente. Embora menos prevalente nas atividades humanas, o impacto climático do metano é 28 vezes maior do que o abundante dióxido de carbono (CO2).

O Global Methane Pledge, firmado no âmbito do Pacto Climático de Glasgow (documento final da COP26), não especifica a responsabilidade individual de cada país. Mas o Brasil terá dificuldades em cumpri-lo se a nossa meta for muito ambiciosa.

Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), 65% das emissões de metano brasileiras são originadas pela fermentação entérica na digestão do gado. O SEEG é uma iniciativa do Observatório do Clima que compila dados obtidos em relatórios governamentais, institutos, centros de pesquisas e ONGs.

Ou seja, o arroto do boi responde por quase dois terços da poluição de metano no País. Gado polui, e muito.

Para que o Brasil, o maior exportador de carne bovina do mundo, possa reduzir de maneira significativa suas emissões de metano, os consumidores de bife ao redor do mundo terão que mudar radicalmente seus hábitos alimentares. Esse é o compromisso global do metano.

Efeito Lindy à mesa

Eu sou um apreciador de carne bovina. Tenho certeza que meu hábito alimentar, em um futuro não muito distante, será considerado atroz.

A dificuldade em assumir mudanças nos hábitos alimentares de grandes populações pode ser em parte explicada pelo chamado Efeito Lindy. Este foi proposto originalmente pelo escritor americano Albert Goldman, que escreveu num artigo que “a expectativa de vida na televisão para um comediante é inversamente proporcional à quantidade total de sua exposição no meio”.

De modo simplificado, o Efeito Lindy, teorizado pelo francês Benoit Mandelbrot e pelo libanês Nassim Taleb, postula que, quanto mais antiga for uma ideia em voga, mais tempo tal ideia irá permanecer em voga. Aí mora o problema.

Nossos hábitos alimentares são combinações de ideias. Macarrão à bolonhesa, bife bourguignon, hambúrguer, estrogonofe ou churrasco são combinações de ingredientes testados e aprovados por gerações de comilões. Considerando o Efeito Lindy, vai ser muito difícil eliminar esses hábitos.

Obviamente, existe a expectativa de que a descarbonização da pecuária ocorra em alguma escala com o avanço tecnológico da indústria de alimentos. Por exemplo, com aditivos na alimentação bovina que controlem a fermentação entérica do rebanho.

Ou, talvez, de maneira mais ambiciosa, a redução de emissões de metano na pecuária resultem da produção de carne sintética em larga escala. Mais arriscado ainda seria apostar que, ainda nessa geração, presenciaremos a abdicação total da carne bovina. É muito Efeito Lindy à mesa.

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Colunista Carlos de Mathias Martins

Carlos de Mathias Martins

Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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