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Dados e analytics

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A democratização de dados em Hollywood - parte 2

Kartik Hosanagar fala sobre como a inteligência artificial pode ajudar o setor de entretenimento a descobrir novos talentos e produtos

Sam Ransbotham e Shervin Khodabandeh

06 de Julho

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Artigo A democratização de dados em Hollywood - parte 2

Na continuação da entrevista concedida por Kartik Hosanagar aos apresentadores do podcast Me, Myself, and AI, da MIT Sloan Management Review, o professor da Wharton School e fundador da Jumpcut explica como a inteligência artificial pode ajudar o setor de entretenimento, que tem alta aversão ao risco, a descobrir novos talentos e produtos.

Me, Myself, and AI: Você citou que sua grande sacada no setor de entretenimento foi que a propriedade intelectual não é a única maneira de minimizar o risco e que há três outras maneiras. Quais seriam as outras formas?

Kartik Hosanagar: Em primeiro lugar é preciso saber como descobrir histórias e storytellers. O modelo tradicional de Hollywood é que os estúdios recebem roteiros de agentes que representam pessoas que estão fora do sistema e que não têm um padrinho que os conecte. Então, a primeira coisa que tínhamos de solucionar era como achar histórias e autores que estejam fora do sistema.

Nesse caso, uma das coisas que fazemos é colocar nossos algoritmos para avaliar conteúdo e criadores em várias plataformas, como YouTube ou Reddit, ou até em aplicativos de storytelling, como a Wattpad. Vou usar o YouTube como exemplo. Se um roteirista ou um diretor fizer curtas-metragens e subir esse material, ele já está repercutindo com o público. A partir daí tentamos descobrir quem é, independente do país ou da plataforma utilizada.

E os algoritmos e o analytics estão tentando analisar o conteúdo para identificar o que é bem produzido, algo que dá para inferir com base em quadros e imagens de vídeos, por exemplo. A ideia é buscar uma boa narrativa e bom retorno do público, o que dá para inferir com base nos comentários que são feitos em resposta a esses vídeos ou até mesmo de tech stories. Não é a IA que toma a decisão, mas ela torna as pessoas mais eficientes. Se minha área criativa tivesse de vasculhar o YouTube para achar a agulha no palheiro, eu precisaria de uma equipe enorme e vários anos para analisar 250 mil curtidas no YouTube.

E qual seria a segunda maneira de minimizar os riscos?

É exatamente como fazer para reduzir o risco. Ao encontrar alguém perguntamos se tem alguma ideia para mostrar. Geralmente a pessoa não tem uma, tem 15. A partir daí avaliamos e procuramos descobrir como trazer alguma objetividade para essas ideias. Aí entram os dados.

Isso significa, em parte, olhar para trás, que é uma abordagem clássica do machine learning, de analisar os dados para saber o que está dando certo. E isso pode ser, por exemplo, que tipo de filme está tendo sucesso ou quais histórias estão em alta. E buscamos entender quais das ideias que temos são histórias que terão boa resposta com o público. Mas isso não é tudo, pois eu acho que enquanto estivermos olhando para trás, para aquilo que já deu certo, a abordagem é basicamente conservadora, pois iremos fazer mais e mais daquilo que já funcionou antes. É o problema da continuação que falamos antes.

A terceira questão que tentamos resolver é como apostar em algo que até hoje nunca foi feito e que, portanto, não tem um histórico de sucesso. É neste momento que pegamos a ideia e a testamos. Interagimos com muitos públicos online, apresentamos a ideia, colocamos várias delas para competir umas com as outras e vemos para quais histórias as pessoas estão gravitando. Combinamos o machine learning clássico, com base em dados prévios, com a experimentação digital.

E isso acaba produzindo saltos muito interessantes. Por exemplo, um dos programas em que estamos trabalhando — e, nesse caso, com um roteirista bem tarimbado — é uma história de ficção científica interessante cuja produção tem um orçamento bem alto. Ao testá-la os resultados foram muito bons. As gerações Z, X e os millennials a aprovaram, mas ainda faltava cativar as mulheres.

Mas por que o programa não está repercutindo com esse público? No roteiro há três personagens principais, uma mulher e dois homens. E percebemos que a mulher não tinha motivação, ficava à mercê da motivação dos homens. O personagem feminino foi repensado e ganhou poderes especiais. Ao testar essa nova versão, foi aprovada pelas mulheres. Agora, a ideia melhorou. Ou seja, estamos falando de hipóteses e de perguntar “o que está faltando na minha história?” e de melhorar de verdade decisões criativas que são tomadas basicamente por seres humanos, mas embasadas em dados.

Se pensarmos em 20 anos atrás, no funcionário do banco decidindo quem conseguiria um empréstimo, e aí avançarmos para dez anos atrás, quando é o lojista que decide que preço deveria cobrar, ou que produtos colocar na prateleira, todos esses setores foram totalmente revolucionados com dados e analytics, e estão tomando decisões realmente embasadas em dados, estão testando, aprendendo e corrigindo a rota. E já vemos muito disso no entretenimento, apesar de muitas produtoras ainda apostarem no critério individual.

Fico muito animado de aplicar dados em uma seara na qual as pessoas são bastante céticas em relação a isso. Embora estejamos vendo o valor dos dados, também é preciso dizer que em Hollywood tem muita gente que questiona o papel deles e até mesmo têm uma ideia errada sobre o que são dados.

Minha esperança é que em cinco, dez anos, já tenhamos provado o que eles podem fazer. E isso pode mudar a mentalidade no setor como um todo. Da mesma forma que já ouvi pessoas dizendo que não há espaço para dados em uma atividade criativa, ouvi também que isso é inevitável e a Netflix já está começando a usá-los.

Como você está fazendo para que esse pessoal, que até aqui não fez isso, passe a dar atenção a dados e algoritmos? Não é só vender uma narrativa. Você precisa vender uma abordagem...

No livro A Human’s Guide to Machine Intelligence mostrei várias maneiras pelas quais a IA está determinando nossas vidas e inclui exemplos do mundo do cinema. Falo, por exemplo, sobre como na Netflix os algoritmos estão determinando boa parte do nosso consumo. Há um artigo de cientistas de dados da empresa que diz que cerca de 80% do tempo que alguém passa na Netflix é assistindo programas recomendados pelo algoritmo.

Embora isso esteja determinando nossas vidas — na questão de como consumimos conteúdo —, a visão de negócios sobre como o conteúdo é criado ainda não evoluiu. Portanto, o lado da oferta continua igual, ainda que a demanda tenha sido completamente reformulada pelo mercado.

Há muita analogia entre o que você está fazendo e a evolução da tomada de decisões com base em dados — não para substituir o ser humano, mas basicamente para criar uma pessoa mais inteligente, mais eficaz ou eficiente. E há exatamente a mesma coisa no varejo, na personalização e no marketing. Em outro livro você fez alusão ao problema do ovo e da galinha: se não tiver dados sobre talentos, como tomar decisões sem algum grau de experimentação e de dados? E aí, é claro, há disruptores como a Netflix que estão obrigando todos a se apoiar mais em dados para sobreviver. Minha dúvida é se os estúdios cinematográficos sobreviverão dez anos mais sem um grande avanço nesse sentido.

Sim. Acho que o momento chegou. Aliás, talvez até já tenha passado da hora para algo assim — e é por isso que resolvi criar a Jumpcut. É inevitável, pois sabemos que a análise humana tem sua grande parcela de problemas. Obviamente, isso é espetacular sob muitos aspectos, mas temos nossos vieses; somos influenciados por eles de um jeito que nem percebemos. Ter uma ferramenta que possa nos libertar disso, a meu ver, é óbvio que é algo que devemos adotar. E, sim, chegou a hora de fazer isso em áreas que ninguém esperava. De novo, eu não podia imaginar que o esporte seria um pioneiro nisso, mas claramente foi, e ficou provado que uma abordagem como a de Moneyball funciona.

O que é realmente necessário é incorporar dados à tomada de decisões ao longo do caminho. Tem de entender muito bem os dados para saber quando se apoiar neles e também quando questioná-los, além de ter um ponto de vista criativo forte. É preciso quase que criar isso do zero, e é por isso que dissemos que nosso negócio não é vender insights com base em dados. Somos uma empresa que está criando uma nova modalidade de negócio que reúne dados e criação.

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Autoria

Sam Ransbotham e Shervin Khodabandeh

Sam Ransbotham é professor de sistemas da informação da Boston College e editor convidado do programa AI and Business Strategy Big Ideas, da MIT Sloan Management Review. Shervin Khodabandeh é sócio sênior do BCG.

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