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A essência da liderança

Para aprimorar a liderança, o desenvolvimento de duas habilidades dá a base para todas as outras: discernimento e capacidade de comunicação. E para melhorá-las é preciso investir na inteligência emocional

Marcos Braga

23 de Abril

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Artigo A essência da liderança

Qual é o papel de um líder? Não faltam livros e artigos acadêmicos a esse respeito, com abordagens filosóficas, abstratas e práticas. Minha resposta é simples e objetiva, e vale não apenas para o universo corporativo, mas para qualquer atividade que envolva equipes: líderes devem fazer escolhas e mobilizar pessoas. É com base em escolhas que decisões são tomadas. É graças à mobilização que as coisas acontecem. É assim, em processo contínuo, recorrente e interativo, que líderes exercem sua função na plenitude, e geram valor para suas organizações. 

Ocorre que a maioria dos executivos acaba se dedicando a atividades que pouco têm a ver com a geração efetiva de valor. Tempo e energia frequentemente são gastos em atividades burocráticas e em reuniões improdutivas, algumas inevitáveis, outras por simples hábito ou reflexo da cultura organizacional. Além disso, quantas horas são desperdiçadas em jogos de poder, maquinações políticas, ataques e contra-ataques a rivais internos, brigas por verbas, por vagas, por recursos, pela janela, pela sala do canto, e tantas outras contendas cotidianas do ambiente corporativo? 

Não bastassem essas situações impostas pela própria dinâmica das organizações, há ainda o hábito quase universal de se discutir os outros, normalmente em termos pouco generosos, no cafezinho, na hora do almoço ou no happy hour. Fico pensando que um dos benefícios intangíveis que a pandemia da Covid-19 pode ter trazido às empresas é a redução considerável no tempo dedicado por suas equipes às redes de intrigas, fofocas e jogos de poder, obrigadas que foram a trabalhar em regime de home office ou distanciadas umas das outras. É de se esperar uma redução relevante dos danos que a maledicência corporativa provoca nas organizações, ainda que seja difícil mensurar esse efeito.

Voltando ao tema central, se a resposta sobre qual é o papel do líder parece ser simples, exercer esse papel é tarefa muito mais desafiadora. Para dar sustentação às suas atribuições fundamentais de fazer escolhas e mobilizar pessoas, é necessário o domínio amplo de duas competências essenciais: discernimento e comunicação. Afinal, é o discernimento que sustenta a tomada de boas decisões, e é a comunicação correta, em sentido amplo, que gera relações interpessoais saudáveis, capazes de mobilizar as pessoas. 

Antes de entrar nas questões de discernimento e de comunicação, desmistifiquemos o que é ser líder. Esqueça aquele herói hollywoodiano, icônico, onisciente e onipresente, que vai à frente das tropas brandindo sua espada reluzente, na certeza de vencer qualquer desafio e de derrotar quem ou o que vier pela frente. Isso nada mais é que um estereótipo cultivado ao longo de décadas, que induz muitas pessoas à falsa crença de que existe um perfil ideal de liderança. 

Sim, há duas características que líderes bem-sucedidos costumam ter em comum: determinação e senso de doação (à empresa, à causa, ao propósito). De resto, não há combinação melhor ou pior de estilos de personalidade para se exercer uma liderança efetiva. A história mostra inúmeros exemplos de líderes incontestes e bem-sucedidos com diferentes personalidades (por exemplo, Madre Teresa de Calcutá, Steve Jobs, Nelson Mandela, Winston Churchill – o que pode haver de comum entre eles?). Há diversos estilos de liderança efetivos, alguns democráticos, outros autoritários, e é necessário que saibamos acioná-los de acordo com as circunstâncias. A chave para se alcançar esse ecletismo é o uso equilibrado e sábio de nossos estilos de personalidade e das forças comportamentais que os caracterizam.

Para tomar decisões inteligentes 

Em sua conhecida obra Judgement (Decisão!, na versão em português), Noel Tichy e Warren Bennis escrevem, a respeito de líderes, que “quando há bom discernimento, pouca coisa mais interessa; na falta do bom discernimento, nada mais interessa”.

A base de uma liderança efetiva, que gera valor, é tomar boas decisões. Claro, talvez seja impossível acertar sempre, mas bons líderes acertam muito mais do que erram, especialmente em decisões estratégicas, com impactos mais profundos e duradouros.

Discernimento tem um significado amplo. É a capacidade de distinguir certo e errado, a destreza para entender algo, a lucidez para decidir usando o raciocínio. É uma combinação de bom senso, perspicácia, capacidade de compreensão, de reconhecimento de padrões e de apreciação. Desenvolver discernimento é um aprendizado de longo prazo, mas há alguns pontos de atenção que poderão levar o leitor a fazer escolhas e tomar decisões de forma mais efetiva e, ao mesmo tempo, indicar caminhos para seu processo de desenvolvimento. 

Razão e emoção no processo decisório

No exercício da liderança, tomar uma decisão é um ato solitário. Mesmo em situações em que ela é fruto de extensas discussões, análises, debates ou até mesmo resultado de uma votação na equipe, se há a figura do líder no processo, a responsabilidade final pela decisão sempre recai sobre ele.

O discernimento resulta da combinação de fatores objetivos e tangíveis – e da disciplina de levá-los em consideração – com outros bem mais complexos, relacionados a como funciona nossa mente. 

Dentre os fatores objetivos estão, por exemplo, clareza de propósito, visão, valores, padrões éticos, processos de planejamento e de controle, indicadores de performance, coleta e análise de informações, opiniões de terceiros, as notícias do dia, as projeções econômicas, e assim por diante. 

Na dinâmica do discernimento, esses fatores são processados pela zona de nosso cérebro responsável por razão, consciência e raciocínio lógico, que é o neocórtex. Isso vale para decisões que demandam uma análise detalhada, por exemplo um investimento em uma nova planta industrial (tipicamente baseado em estudos detalhados, análises de viabilidade econômica, fontes de capital disponíveis, avaliações de impactos ambientais, qualificação da mão de obra local, e assim por diante), e para decisões cotidianas simples e rápidas, como escolher uma vaga para estacionar o carro no shopping center (avaliando em poucos segundos a largura do espaço disponível, o risco de ser atingido por uma manobra do carro ao lado, a iluminação no local e a distância da entrada). Portanto, o grande pilar de sustentação do discernimento é a razão, que processa todas as informações disponíveis para a formação de uma convicção, e o principal cuidado a ser observado a respeito é a disciplina de buscar e analisar informações necessárias e suficientes de forma consistente.

A grande complexidade do processo decisório resulta, entretanto, daquilo que ocorre em outras duas regiões do nosso cérebro, que são o sistema límbico, responsável pelas emoções, e o sistema reptiliano, associado principalmente ao instinto de sobrevivência. Cerca de 90% de todas as decisões simples que tomamos todos os dias são automáticas e determinadas por essas zonas do cérebro. Seria ótimo se essa divisão entre o que é o pensamento racional e o que é instintivo fosse sempre clara em nossa mente. Mas não é o que acontece. 

As armadilhas da mente

A mente pode armar inúmeras armadilhas para nós, que podem nos levar a péssimas decisões. É impossível apontar e discutir detalhadamente todas neste artigo, mas alguns exemplos clássicos servem para ilustrar como elas podem nos afetar: 

  • Armadilha do apego a crenças – experiências reais ou imaginárias do passado instalam em nossa mente percepções muitas vezes limitadas ou distorcidas da realidade, que afetam nosso julgamento. Exemplo: resistir a fazer negócios com pessoas de determinada nacionalidade ou etnia, pela crença de que não são confiáveis, ainda que fatos objetivos indiquem o contrário.

  • Armadilha da ancoragem – nossa mente tende a dar um peso desproporcional à primeira informação que recebemos sobre determinada situação, minimizando ou até ignorando a importância de informações adicionais. Exemplos: a cifra inicial em uma negociação, uma manchete ou foto no jornal, uma afirmação de um colega sobre outro antes do início de uma reunião, números do passado recém-revisitados.

  • Armadilha do status quo – ocorre quando, inconscientemente, damos peso maior à preservação da situação existente, já que a mudança implica em ingressar em terreno desconhecido e em riscos (à imagem, ao ego, à performance, ao sucesso).

  • Armadilha da negação – quando nos recusamos a aceitar que uma situação adversa é irreversível, ficando com a esperança de uma volta à situação anterior. Exemplo: não se desfazer de uma ação cujo valor despencou, insistir em um modelo de negócio superado por novas tecnologias etc.

  • Armadilha de evidência e confirmação – é o viés de buscar as informações que amparam nossa intuição, desejo inicial ou ponto de vista, ao mesmo tempo ignorando aquelas que vão contra. É uma das armadilhas mais comuns, pois frequentemente desenvolvemos já de início a preferência por determinada alternativa, e nossa mente nos direciona a filtrar as informações e reter apenas as que nos deem o conforto para sustentar essa preferência.

  • Armadilha do enquadramento – o primeiro passo para se tomar uma decisão é formular a questão. É também o mais perigoso, já que a maneira como a questão é formulada pode direcionar o processo decisório. Pense em como seria influenciada a resposta à seguinte questão, formulada de duas maneiras parecidas: a) “Temos adiante um ano muito difícil. Devemos adotar uma postura agressiva ou conservadora?”; b) “Temos adiante um ano desafiador. Devemos adotar uma postura agressiva ou conservadora?”. Não é difícil perceber que o percentual de respostas optando pela postura conservadora provavelmente será maior ante a primeira pergunta, que já na formulação enquadra o ano como “difícil”.

  • Armadilha do vazio de informação – ocorre quando uma informação que deveria estar presente não está visível, e nossa mente interpreta esse vazio como a inexistência do problema, da informação etc. Exemplo: no trânsito, um retrovisor quebrado pode induzir nossa mente a acreditar que não há veículos se aproximando na faixa ao lado, se não estivermos concentrados e com o neocórtex ativado.

Autores como Daniel Kahneman e Dan Ariely, entre muitos especialistas em neurociência, têm obras muito interessantes sobre as peças que nossa mente nos prega, caso o leitor queira se aprofundar a respeito. O importante aqui é que se tenha a consciência de que as armadilhas existem, fazem parte de nosso cotidiano, e com frequência alarmante podem nos levar a fazer escolhas precipitadas, ou decidir sob forte influência das emoções, ou ainda optar pela procrastinação, muitas vezes a ponto de o tempo tomar a decisão por nós, com todos os riscos que isso traz.

Inteligência emocional versus más decisões

A importância da inteligência emocional para o sucesso pessoal e profissional é tão grande que não canso de insistir com executivos jovens e nem tão jovens com quem interajo que busquem desenvolvê-la, de forma prioritária e constante. Pesquisas mostram que a probabilidade de sucesso de quem tem a inteligência emocional destacada é significativamente maior do que a dos que não têm essa característica. 

Para Daniel Goleman, no ambiente corporativo seu peso é pelo menos o dobro em relação à experiência (incluindo o conhecimento técnico) e o QI, que são as duas outras variáveis importantes normalmente levadas em consideração. Desenvolver a inteligência emocional é um processo de ajuste de nossa personalidade, que exige disciplina e persistência, porque depende de mudanças no sistema límbico, movido pelas emoções e não pela razão, mas compensa. E é possível começar a qualquer tempo.

O ponto de partida é o autoconhecimento, primeiro pilar da inteligência emocional para Goleman. Pense em o quanto você se conhece de fato. Quais são suas características mais marcantes, quais são seus comportamentos naturais, quais estão fora de sua zona de conforto? Há gatilhos que podem fazer você se desestabilizar emocionalmente? Quais? Você é uma pessoa racional ou impulsiva? É mais sociável ou mais introspectiva?

Somos todos o resultado de uma combinação única de estilos de personalidade, que pode passar por transformações à medida incorporamos novas experiências de vida ao nosso acervo pessoal. Mas há aspectos relacionados às diferentes personalidades e alguns cuidados que, se observados por qualquer pessoa, podem ter grande impacto não apenas sobre o discernimento, mas sobre a própria qualidade da interação com os outros. 

Há estilos de personalidade marcados pela ação, outros pela razão, há aqueles que valorizam a criatividade e a harmonia, e há os que priorizam a excelência e o idealismo. Alguns têm um caráter mais individualista, outros mais voltados às pessoas. Alguns respondem a estímulos mais rapidamente, outros preferem tomar seu tempo para reagir. Na maioria dos casos, mais de um desses estilos são adotados preferencialmente pelas pessoas, com os comportamentos naturais que os caracterizam, e é essa combinação que determina a sua personalidade. 

Forças, fraquezas e pontos-cegos comportamentais

Como os estilos de personalidade afetam o discernimento? Para responder a essa questão, é importante antes conceituar o que são forças, o que são fraquezas e o que são pontos-cegos comportamentais. As forças comportamentais são justamente aqueles comportamentos que caracterizam nossos estilos de personalidade preferidos. Por exemplo, se sou uma pessoa que privilegia a razão, provavelmente terei como forças a precaução, a capacidade analítica, a valorização de métodos e processos, a busca pelo caminho testado e seguro, e assim por diante. Se, em contrapartida, eu for uma pessoa de ação, minhas forças serão a iniciativa, o senso de urgência, a busca por resultados, o estímulo à mobilização. Portanto, forças comportamentais são aqueles comportamentos associados aos nossos estilos de personalidade, que fluem naturalmente porque fazem parte de nossa essência. 

Ocorre que são essas mesmas forças comportamentais que podem se converter em fraquezas, quando usadas em excesso. É fácil perceber isso. Partindo desses mesmos exemplos, o uso excessivo da razão poderá gerar paralisia em lugar da precaução, apego a detalhes e falta de capacidade analítica, excesso de julgamento e crítica e ceticismo, no limite podendo chegar a passar aos outros uma imagem de impessoalidade, teimosia, soberba e frieza. Já comportamentos voltados à ação, no excesso, poderão gerar precipitação, impaciência, falta de planejamento e imprudência, transmitindo uma imagem autoritária, arrogante, impulsiva e agressiva. Portanto, para evitar que nossas forças se tornem fraquezas, é fundamental que saibamos usá-las na dose certa. 

Pontos-cegos comportamentais, por sua vez, representam a ausência de comportamentos, quando eles seriam esperados. Por exemplo, se meus estilos da diplomacia e da integração forem pouco desenvolvidos, talvez deixe de prestar atenção a comportamentos a eles associados, mesmo em contextos em que deveriam aflorar naturalmente. Sorrir para as pessoas ao chegar ao trabalho, celebrar uma conquista de um colega, ou perguntar como está a saúde de seu pai hospitalizado, por exemplo.

Tanto fraquezas como pontos-cegos comportamentais têm o potencial de arranhar relações. A diferença é que no primeiro caso isso acontece por uma ação, pela presença de um comportamento excessivo, e, no segundo por omissão, pela ausência de um comportamento esperado. 

Além dos impactos que exercem sobre as relações interpessoais, as fraquezas e os pontos-cegos comportamentais fazem com que nosso discernimento seja afetado pelas armadilhas que nossa mente nos lança, ao permitir que o sistema límbico gere respostas instintivas e automáticas, sob a influência de emoções como medo, raiva, tristeza e alegria. Essas emoções, e sentimentos que delas derivam, são naturais e importantes, e podem nos ajudar na tomada de decisões, mas apenas se forem trabalhados em nosso neocórtex, ou seja, dentro de um processo racional. Se, ao contrário, as respostas automáticas do sistema límbico ditarem nossa reação, as mesmas emoções têm o potencial de nos levar a tomar péssimas decisões. É o caso do jogador de futebol que revida uma falta com um pontapé. A decisão impensada de revidar é gerada pela raiva no sistema límbico, e ele muito provavelmente será expulso pelo juiz, sendo o principal prejudicado pela má decisão tomada. 

Portanto, é fundamental que saibamos gerenciar nossos comportamentos, tirando proveito de nossas forças, moderando excessos e preenchendo pontos-cegos. Pessoas emocionalmente inteligentes têm elevado grau de autoconhecimento, entendem sua própria personalidade, têm uma autoavaliação realista, reconhecem suas habilidades e seus limites do momento, e a partir daí desenvolvem sua autoconfiança. Além disso, também têm capacidade de autogestão, o segundo pilar da inteligência emocional segundo Goleman, a começar pela consciência de como seus comportamentos podem ser afetados em determinadas situações, sabendo reconhecer e evitar as armadilhas emocionais que a mente lança.

Mobilização da equipe

A tomada de decisões e a comunicação estão intimamente ligadas. Note que todo ato singular de comunicação resulta de uma decisão que tomamos imediatamente antes de nos expressar, seja por um processo analítico e consciente, seja estimulado por emoções e inconsciente (que é o que ocorre na maior parte das interações que mantemos cotidianamente). A base para mobilizar pessoas de forma contínua e efetiva é o domínio de diferentes estilos de liderança, para diferentes circunstâncias, e esses estilos são definidos pela forma como tomamos decisões e por nossa capacidade de comunicação. 

Estilos de liderança

Há inúmeros estudos mapeando formas de liderar e seus impactos. Um dos que mais respeito é apresentado por Daniel Goleman, para quem há seis diferentes estilos de liderança:

  • Coercitivo: tem um modus operandi que exige obediência imediata e se caracteriza pela frase “faça o que estou mandando”. É um estilo autoritário, que limita a criatividade e a iniciativa da equipe. Embora negativo para o clima, pode seu útil e necessário em situações de crise, turnarounds ou com algum colaborador mais problemático.

  • Direcionador: buscando estabelecer altos padrões de performance, esse estilo é norteado pela frase “faça como eu”, em que o próprio líder está à frente da atividade. Como também limita a autonomia da equipe, tende a ser negativo para o clima, mas pode ser usado em situações de urgência em que respostas rápidas são necessárias, por uma equipe capaz e focada no resultado.

  • Agregador: busca criar harmonia e vínculos emocionais com a equipe, focando pessoas em primeiro lugar. Com bastante diálogo, sua adoção favorece o clima da equipe, e pode ser adotado em momentos em que motivar as pessoas e curar feridas da equipe seja mais importante do que uma resposta rápida.

  • Democrático: busca criar consenso por participação da equipe, é favorável ao clima e útil em situações em que ter a adesão de todos ou receber contribuições de colaboradores seja importante para a execução das atividades.

  • Coach: voltado a desenvolver as pessoas para o futuro, também favorece o clima e é importante para buscar a melhora de performance e o desenvolvimento de forças da equipe no longo prazo.

  • Visionário: busca mobilizar as pessoas em torno de uma visão, tem como frase símbolo “venha comigo”. É o estilo que mais gera impacto positivo sobre o clima da equipe, e favorece a mobilização e o engajamento de todos para seguir na mesma direção. Particularmente importante em situações em que uma mudança de direção é necessária, nada impede que seja adotado sempre. Não parece tão complicado, mas, na prática, a grande maioria dos líderes empresariais no Brasil está longe disso. Betania Tanure, uma das mais competentes e reconhecidas autoridades em liderança e cultura organizacional de nosso país, coordenou uma pesquisa com as 500 maiores empresas brasileiras, divulgada em 2020, que mostra que apenas 7% delas têm à frente o que ela define como “líder estadista”, aquele que combina integridade, grande habilidade de gestão e sólidas competências emocionais, além de ter o bem-comum como foco na condução dos negócios da empresa. São características muito alinhadas com as que definem o líder visionário descrito neste artigo.

É muito importante um líder dominar vários desses estilos e saber qual adotar em função das circunstâncias. Estilos mais autoritários tendem a gerar respostas mais rápidas, portanto podem ser necessários em emergências, mas comprovadamente criam danos ao clima e limitam o processo de desenvolvimento das pessoas. Estilos mais democráticos favorecem o clima e o desenvolvimento, a motivação e a harmonia da equipe, trazendo benefícios duradouros, mas podem comprometer a busca de resultados de curto prazo. Já o estilo visionário é particularmente interessante porque, apesar de ter uma característica quase autoritária (“venha comigo”), tem o poder de motivar, unir e mobilizar a equipe em busca de um ideal. Portanto, alia a possibilidade de obtenção de resultados mais rápidos com a construção de um clima favorável e um maior engajamento das pessoas. É por essa razão que defendo que seja o estilo prevalente. Porém, é o mais desafiador e o que mais exige habilidades de liderança.

Mobilização e engajamento

Engajamento da equipe é o estado desejado por qualquer líder e por qualquer organização. Que empresário não gostaria que cada colaborador, em qualquer posição na hierarquia, tivesse o “espírito de dono”, disposto a dar 110% de si para os negócios da empresa? Com frequência me deparo com clientes que acreditam realmente que suas equipes têm essa característica. Mas dificilmente é o que acontece na prática, e isso é percebido principalmente nos momentos difíceis nos negócios, quando é comum que haja uma frustração generalizada da parte tanto de colaboradores, porque se ressentem de medidas mais duras que a empresa precisa adotar, como de empregadores, que não entendem o porquê da resistência de suas equipes em dar sua cota de sacrifício pela empresa.

Uma pesquisa da ADP Research, publicada em 2019, mostra que menos de 16% dos colaboradores de empresas, em âmbito global, são altamente engajados, sendo que no Brasil esse percentual é ainda mais baixo, da ordem de 14%. Mesmo no nível de alta gestão, esse número sobe para apenas 24%. O que esses dados indicam é que, no Brasil e no mundo, a grande maioria das pessoas está apenas “indo trabalhar”, ou seja, cumprindo uma rotina diária que visa atender às suas necessidades de emprego e de crescimento na carreira, mas sem que haja para elas um senso de apego e de fidelidade à organização. 

Mas a pesquisa também traz algumas boas notícias, que são corroboradas por outros estudos. Ela mostra que os principais fatores geradores de engajamento de um colaborador são a possibilidade de trabalhar em uma equipe, saber o que a empresa espera dele e ter a oportunidade de usar suas forças e conhecimentos para isso. E tem peso decisivo a confiança que ele tem no seu líder. Quando todos esses fatores estão presentes, o percentual de pessoas com alto engajamento tende a subir muito e se aproximar dos 60%.

O que faz com que um colaborador confie em seu líder? Há diversos fatores, a começar pelo conhecimento técnico, pela ética profissional e por valores sólidos. São condições necessárias, mas não suficientes. Mais importante é sua forma de liderar, e defendo enfaticamente que seja predominantemente o estilo visionário apontado por Goleman. Como fazer para adotá-lo?

O líder visionário

Comece por propósito e visão. Definir propósito e visão são atividades que podem envolver diversas pessoas, para enriquecer a discussão. O propósito pode ser o da organização, ou pode ser da própria equipe (desde que não conflite com o da empresa, claro). Como mostra Simon Sinek em seu livro Comece pelo porquê, de 2009, o propósito responde à pergunta “por que ou para quê existimos?”, e a resposta deve ser inspiradora, tocando a emoção das pessoas. Qual é o propósito da equipe? Qual é a razão de sua existência? Que valor ela entrega para a organização, para a sociedade, para o cliente, para qualquer pessoa ou entidade que seja impactada por suas ações? 

A partir de um propósito claro é possível estabelecer uma visão. É um estado desejado de futuro, um ideal a ser alcançado, um objetivo a ser atingido, com os benefícios que isso trará (que não seja o dinheiro, o bônus etc., porque isso é apenas consequência de um feito maior). Uma vez definida a visão, ela deve ser compartilhada com todos, e reiterada cotidianamente, para que seja compreendida e incorporada pela equipe. 

É chegado o estágio mais desafiador para o líder. O de estabelecer na equipe uma cultura de êxito, de atingimento de objetivos, o que só poderá ocorrer se houver mobilização efetiva. Para isso, o primeiro passo é ter claro o que realmente deve ser feito para que se chegar ao estado desejado, expresso pela visão compartilhada, e estabelecer metas desafiadoras, mas atingíveis, que levem todos na direção correta. Prioridades claras devem ser definidas, as forças e competências da equipe devem ser exploradas, atividades precisam ser delegadas e acompanhadas, e controles e ajustes devem ser feitos de forma recorrente. 

Comunicação e a liderança visionária

Para que seja possível exercer uma liderança visionária são necessárias habilidades diferenciadas de comunicação. De nada adiantarão um propósito bem identificado, uma visão consistente e boas práticas de execução se a comunicação do líder não for adequada. Para isso, são fundamentais sua consciência social e suas habilidades sociais, os dois demais pilares fundamentais da inteligência emocional, segundo Daniel Goleman.

A consciência social elevada é reflexo de habilidades como empatia, consciência organizacional e uma orientação a servir (que na posição de liderança pode ser traduzida como o senso de doação, mencionado anteriormente). Já as habilidades sociais são traduzidas por boa gestão de conflitos, capacidade de criar vínculos, influência positiva, e muita capacidade de se comunicar. 

Como aprimorar a comunicação, então? Comunicar-se bem é uma arte, e resultado de um processo longo de desenvolvimento, mas há dois conceitos fundamentais que, se bem compreendidos e adotados, podem trazer resultados surpreendentes rapidamente:  

1. Comunicação integral

Estudos mostram que a expressão corporal (e facial) responde por mais de 50% da mensagem que transmitimos, consciente ou inconscientemente. Na escala de importância, o que vem a seguir é a expressão verbal, com quase 40%, seguida pela palavra escrita, com menos de 10%. Em que medida esses percentuais são de fato precisos pouco vem ao caso. O importante é que essa diferença de peso de fato existe entre esses componentes, e eles têm grande influência sobre a mensagem transmitida e seu impacto nas pessoas.

Ocupando uma posição de liderança, é natural que sejamos observados constantemente pela equipe. Sendo assim, a forma como nos comportamos diariamente, desde o instante da chegada ao ambiente de trabalho, tem um peso muito grande no impacto gerado sobre as pessoas. Prestar atenção às mensagens que nossa expressão corporal, que reflete emoções e é resultado de nosso sistema límbico, portanto inconsciente, pode estar transmitindo, é muito importante. Se, ao chegar pela manhã, ou após uma reunião de diretoria, atravessamos o ambiente e entramos na nossa sala com um ar carrancudo, ombros curvados e sem falar com ninguém, por exemplo, isso pode transmitir uma mensagem forte de que não é um bom dia para conversas, sem falar nas possíveis fantasias em relação ao andamento dos negócios, à situação da equipe, da empresa, dos empregos, e outras do gênero, dependendo do contexto vivido. Fazer com que nossa postura transmita mensagens positivas e que energizem a equipe constantemente é uma arte, mas dominá-la pode fazer uma grande diferença sobre o clima, motivação e performance do time. 

Já na fala, o tom de voz e as palavras escolhidas são decisivos para a efetividade da mensagem. Quando a conversa não é presencial, a importância da entonação da voz é ainda maior, e quando for presencial é importante lembrar sempre que a mensagem transmitida é resultado da combinação entre a fala e a expressão corporal.

Resta a palavra escrita. Por tudo o que já foi apresentado acima, é fácil concluir que, em caso de mensagens importantes, sensíveis ou que demandem alta atenção por parte da equipe, não é recomendável que elas sejam transmitidas por escrito. Além da menor efetividade da mensagem em si, não é raro que haja interpretações diferentes para uma mesma frase ou expressão, que quando acompanhada da fala e da linguagem corporal não tem margem para ocorrer. Portanto, sempre que possível, a comunicação com a equipe deve ser presencial ou, pelo menos, por videoconferência, para garantir que as mensagens trocadas sejam da melhor qualidade.

2. Assertividade

Derivada de asserção, sinônimo de “afirmação”, a palavra vem sendo impiedosamente torturada no corporativês do Brasil, pois nada tem a ver com acerto ou erro. Assertividade diz respeito à capacidade que uma pessoa tem de se expressar de forma clara, completa e apropriada. Há duas ótimas definições que ilustram bem o conceito: a) “Assertividade é o ponto ótimo entre a passividade e a agressão”; b) “Ser assertivo ou assertiva é se respeitar, se fazer respeitar, sem desrespeitar o outro”. 

Como ser assertivo? A melhor maneira é sempre ter em mente quatro quadrantes da comunicação. 

O conceito é muito simples, mas poderoso: toda comunicação ocorre em dois eixos: o da mentira – verdade, e o da raiva – amor. Quando você adota o quadrante da mentira com raiva, o que está provocando na relação? Destruição. E verdade com raiva? Agressão. A mentira com amor? Ilusão. Mas quando a comunicação corre no quadrante da verdade com amor ocorre crescimento, aprimoramento da relação. Portanto, a melhor maneira de se alcançar a assertividade é nunca deixar de dizer o que queremos dizer (respeitando a nós mesmos), mas fazê-lo com base na nossa verdade (nos fazendo respeitar) e de maneira educada e empática (respeitando o outro).

Há várias outras habilidades de comunicação importantes, como saber falar em público, escrever bem e saber debater e argumentar em situações polêmicas ou conflituosas, que merecem atenção e devem ser desenvolvidas. Além disso, é fundamental que estejamos sempre atualizados em relação aos conhecimentos técnicos e Àqueles inerentes à operação da organização, em tempos de mudanças aceleradas e constantes, em que o conhecimento é cada vez mais efêmero.  Aprender passou a ser necessidade permanente.

FAZER ESCOLHAS E MOBILIZAR PESSOAS É A ESSÊNCIA DE UMA LIDERANÇA EFETIVA. Com base em tudo o que foi apresentado, fica ao leitor a recomendação de que busque aprimorar sua inteligência emocional como recurso importante para um discernimento sempre apurado e para sua capacidade de comunicação. É um processo de desenvolvimento contínuo e gradual, mas observando os pontos apresentados aqui já é possível começar a desenvolver uma liderança visionária, cujos resultados podem ser surpreendentes.

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Autoria

Marcos Braga

Ex-presidente da HSM do Brasil e ex-diretor da Deloitte Educação, Marcos Braga é administrador de empresas, consultor em gestão, conselheiro de administração certificado pelo IBGC e palestrante, especializado em desenvolvimento de líderes.

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