
Direto da Review
19 Maio | 2020
Nos últimos anos, estruturas de trabalho ágeis e horizontais têm ganhado espaço em muitas empresas e encontrado um coro de funcionários desanimados diante de hierarquias sufocantes. No entanto, o fim da hierarquia pode causar confusão, disparar queixas de colaboradores e até acelerar pedidos de demissão, como diz Lindred (Lindy) Greer, professora associada de administração de empresas da Ross School of Business e diretora do Sanger Leadership Center, ambos da University of Michigan. Na entrevista abaixo, Frieda Klotz, colaboradora da MIT Sloan Management Review (SMR), conversou com Greer quando ela estava prestes a participar de um curso sobre desenvolvimento de lideranças em uma incubadora de empresas, ao lado de um regente de orquestra:
MIT SMR: Alguns anos atrás, muitos executivos e especialistas em administração diziam que a hierarquia estava com seus dias contados e que o futuro pertencia a empresas horizontais. O que está acontecendo? O pêndulo vem voltando?
GREER: A hierarquia é talvez a forma mais comum de organização do ambiente de trabalho. Não há muitos substitutos bons para a hierarquia, e as empresas precisam ter voz ao gerenciar a mão de obra, principalmente quando esta cresce. Entretanto, a hierarquia também tem muitas desvantagens, e, na última década, eu e meus colegas documentamos as várias maneiras de ela dar errado. Integrantes da equipe brigam por recursos, envolvem-se em lutas pelo poder e batalham por posições. Tudo isso prejudica o desempenho. Uma das questões mais importantes das atuais pesquisas de gestão é justamente: “Quais são as melhores alternativas para a hierarquia?”.
O fato é que a hierarquia nem sempre é ruim ou prejudicial, e sua eficácia pode depender de onde e como é implementada, e ainda de como a pessoa no topo lida com ela. Há um interesse crescente em trabalho remoto e equipes virtuais, não é? Nesse contexto, a hierarquia funciona muito bem.
Por que a hierarquia é uma boa maneira de estruturar equipes virtuais?
GREER: Ela facilita a coordenação do trabalho em conjunto. Assim, para as equipes que mais dependem de estrutura – aquelas que operam sob condições incertas ou com tarefas não muito claras, como costuma acontecer com equipes virtuais ou remotas –, a hierarquia é altamente eficaz. Ainda tem inconvenientes, é claro, mas a necessidade é tão grande que supera qualquer política interna ou burocracia. Você simplesmente precisa de estrutura para manter as pessoas seguindo juntas.
Há uma suposição de que o trabalho remoto dá mais autonomia e liberdade que o feito no escritório. Isso é errado?
GREER: Hierarquia não precisa significar menos autonomia. Por exemplo, quando falo com os líderes de empresas que realmente se dão bem com um modelo de trabalho remoto, eles enfatizam a necessidade de estrutura. Na prática, significa que se esforçam muito mais para coordenar o modo de as pessoas trabalharem juntas do que em outras companhias. Formalizam melhor as descrições das funções e são mais objetivos e específicos no processo de recrutamento e contratação. Por exemplo, eles fazem entrevistas pelo Slack (ferramenta de colaboração para trabalho em equipe) para testar virtualmente a independência e a comunicação dos candidatos. Dizem que isso os torna melhores em explorar o lado pessoal dos negócios, sobretudo porque a mão de obra remota é bastante consciente da maneira como as interações são estruturadas.
Porém, embora os colaboradores prestem contas a alguém, eles ainda podem manter o controle de decisão em suas áreas de especialização, porque a empresa tem valores claros que orientam as tomadas de decisão. É isso: a hierarquia pode caminhar de mãos dadas com a autonomia. Não precisa ser um modelo ou o outro.
O que sua pesquisa concluiu sobre o funcionamento da hierarquia em ambiente de escritório convencional?
GREER: Historicamente, o foco tem sido os benefícios do modelo hierárquico. A principal suposição, extraída do comportamento animal, era a de uma maneira natural de organização – se uma pessoa fosse dominante, as outras seriam mais submissas. A pesquisa clássica pressupõe que as pessoas consideram a hierarquia confortável e a utilizam em tempos de crise.
Meu estudo, por outro lado, desafia a visão de que a hierarquia é sempre boa, ao mostrar que pode levar a desigualdades e conflitos dentro das equipes. Um dos problemas é que a estrutura fornecida nem sempre é a correta, seja na forma ou no contexto em que é aplicada. As pessoas nem sempre estão felizes com o modo como são classificadas, por exemplo, e podem ocorrer disputas pelo poder e turbulências em torno de cargos. Em alguns casos, como o dos brainstormings criativos, a hierarquia é uma pedra no caminho e estimula a competição em vez da colaboração.
Como esse tipo de conflito afeta o desempenho da equipe?
GREER: No artigo que publicamos no Journal of Applied Psychology, “Why and when hierarchy impacts team effectiveness”, mostramos que em geral a hierarquia provoca disputas de poder e conflitos pessoais, e pode prejudicar o desempenho da equipe. Um estudo mostra que, em 70% das vezes, as disputas entre colegas se transformam em conflitos pessoais e por poder. Isso é muito ruim, seja para a produtividade dos grupos ou para a felicidade dos funcionários.
Diante desses potenciais problemas, o que as empresas podem fazer?
GREER: Os gestores precisam ser mais inteligentes quanto ao uso da hierarquia. Bons líderes sabem como flexibilizá-la – usando o modelo para conseguir que as coisas sejam feitas e horizontalizando a estrutura quando necessitam que os funcionários sejam criativos. Os Seals (grupos de elite da Marinha norte-americana) têm uma excelente abordagem: durante uma ação, há uma cadeia clara de comando. Se o comandante disser “Saiam agora”, ninguém discute a ordem. Você obedece e segue a hierarquia. Mas, quando todos retornam à base e se sentam para avaliar a ação, literalmente deixam suas insígnias na porta. Todos são iguais e têm voz. Isso é importante porque um membro da equipe pode ter notado algo realmente crucial, que ninguém mais viu e que poderia impactar os planos para a próxima missão. Nesse momento, eles horizontalizam; compartilham ideias entre pares. Quando saem de novo, reassumem suas patentes.
Eu passei o último semestre estudando startups para saber se tinham maneiras eficazes de flexibilizar sua estrutura. Eram empresas de tecnologia em estágio inicial, representantes dos modelos de negócio B2B e B2C. Muitas simplesmente aceitaram a hierarquia; outras se resignaram a permanecer horizontalizadas e caóticas. Algumas, mais bem geridas, conseguiram flexibilizar a hierarquia com fluidez, de modo a horizontalizar o modelo sempre que necessário. Acho que compreender como administrar essa dualidade – e permitir a autonomia – é crucial. No fim do dia, é preciso haver um líder, mas isso não significa que toda interação seja hierarquizada.
Existem habilidades especiais que os gestores devem aprender?
GREER: As empresas estão percebendo que realmente precisam investir no desenvolvimento da liderança. Até as startups percebem que a liderança é um conjunto de ferramentas comportamentais que podem ser dominadas. Muitas companhias também experimentam diferentes tipos de estruturas, nas quais as equipes de projeto são horizontalizadas, mas se reportam regularmente a consultores internos. O problema é que muitas dessas iniciativas não são orientadas por coletas de dados, o que não contribui para a análise dos resultados.
Um experimento que tem recebido bastante atenção é conhecido como holacracia. Foi introduzido em 2013 na varejista de calçados online Zappos, para reduzir a hierarquia em favor de grupos multifuncionais. No decorrer da implantação, a empresa descobriu que precisava de um guia de regras para orientar as pessoas a adotar o método holacrático. Isso acabou se revelando muito mais complicado do que o modelo organizacional anterior. Quando o CEO Tony Hsieh deu aos funcionários a opção de aceitar o novo sistema ou deixar a empresa, um terço deles saiu. Desde então, foram feitas várias alterações, mas alguns aspectos do sistema permaneceram. Embora eu reconheça o valor de ideias como a holacracia, sou da opinião de que impor esquemas rígidos é um caminho errado a seguir.
Quanto a outras abordagens, há aspectos do método ágil que se mostraram promissores. Mas as empresas ainda têm de descobrir como e quando permitir situações de hierarquia. As equipes ágeis precisam se coordenar e encontrar maneiras de resolver conflitos. Mesmo que não haja hierarquia, sempre haverá necessidade da função de tomada de decisão. A questão é: como conciliar trabalho em conjunto e coordenação de um jeito simples e elegante?
Então, o que resta a fazer aos gestores? Continuar procurando substitutos para a hierarquia ou se concentrar na horizontalização flexível que você descreveu?
GREER: Até que haja um modelo alternativo bem-sucedido, a abordagem mais simples e segura para a empresa é manter a hierarquia e treinar líderes para empregá-la bem: com capacidade de flexibilizar e ajustar o modo como a usam. Significa selecionar chefes com habilidades para empoderar equipes horizontalizadas, treinando-os para lidar com as demandas no modelo hierárquico.
Frieda Klotz é jornalista e colabora com a MIT Sloan Management Review.
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