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Tecnologia e inovação

10 min de leitura

Blockchain e a tokenização de ativos nos negócios

A tokenização de ativos reconfigura negócios, produtos e serviços, alterando valores simbólicos e financeiros, até mesmo no mercado de commodities; entenda o que são esses ativos e como eles estão sendo geridos em projetos de blockchain

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

25 de Fevereiro

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Artigo Blockchain e a tokenização de ativos nos negócios

Já vimos, nesta coluna, que a solução do gasto duplo pela tecnologia blockchain possibilitou a transferência da propriedade de um ativo em meio digital pela intermediação direta.

No artigo de hoje, veremos alguns pontos de conexão entre blockchains e ativos digitais, partindo de exemplos em que tais institutos se conectam para compreendermos como a tokenização de ativos está transformando o mundo dos negócios.

Conexão blockchain e ativos digitais

Tokens

Tokens são unidades que representam um ativo digital em um blockchain, e podem servir não apenas como troca e pagamento, mas também para retratar um objeto físico ou virtual.

Um token, portanto, pode literalmente representar tudo: a participação numa empresa, o direito de usar um serviço, a propriedade de uma obra de arte, ouro físico, dentre outros.

Como não existe nada melhor para compreender um assunto do que um caso real, vejamos a tokenização que aconteceu com o ouro físico, que impactou profundamente e positivamente o mercado de commodities em 2018.

Tokenização no mercado de commodities

A casa da moeda britânica, The Royal Mint, em parceria com a Chicago Mercantile Exchange, desenvolveu um blockchain privado e tokenizou o ouro físico armazenado pela Royal Mint Gold (RMG). O objetivo da iniciativa consiste em viabilizar negociações em tempo real, de modo seguro e transparente, e a custos mais baixos.

Note como a The Royal Mint praticamente mudou a forma como o ouro era negociado, executado e liquidado até então.

Nesse caso, o interessante é como a tokenização de ativos digitais foi capaz de transcender a natureza ilíquida e segregada de alguns mercados tradicionais como o de commodities, possibilitando que ativos ilíquidos  — no caso aqui,  ouro físico  — se tornem mais acessíveis e  sejam compartilhados em toda a cadeia de valor, sem criar riscos financeiros sistêmicos.

Agora que compreendemos melhor a amplitude de como a tokenização pode revolucionar todo um mercado, e trazer novas maneiras de se fazer negócios, vamos avançar mais um pouco, e entender o que é um “token digital” e um “ativo digital”.

Tokens versus ativos

Tokens não se confundem com o ativo em si. Token é a representação de um ativo; ele serve de instrumento para que seu proprietário faça uma reclamação contra sua emissão.

Já ativos (bens) digitais são tudo o que existe em formato digital e vem com o direito de uso. Os dados que não possuem esse direito não são considerados bens.

Usando a classificação utilizada pela OCDE, podemos dividir os ativos digitais em dois grandes grupos: os de ativos digitais baseados em valor, e os de ativos digitais baseados em utilidade.

Ativos digitais baseados em valor

Neste primeiro grupo, o dos ativos digitais baseados em valor, entram os ativos digitais representativos de qualquer espécie de valor do mundo real (ativos digitalizados) e os ativos nativamente digitais.

Ativos “digitalizados”: são os tokens representativos de commodities, ações, títulos, imóveis, e todas essas coisas que podem vir da digitalização de “coisas e papel” e serem colocadas no mundo digital via blockchain.

Blockchain e tokenização: ativos digitalizados

Ativos “nativamente digitais”: são outros tipos de ativo digital, cujo melhor exemplo é o bitcoin (por não existir no mundo real sob nenhuma outra forma).

Blockchain e tokenização ativos nativamente digitais

Ativos digitais baseados em utilidade

Neste grupo dos ativos digitais baseados em utilidade, que consideram a utilidade dos ativos, entram aqueles representativos de responsabilidade institucional (como as CBDCs), os representativos de outro valor (como as stablecoins) e os criptoativos.

CBDCs: moedas digitais dos bancos centrais que ganharam destaque principalmente após o relatório anual do BIS de 2016/2017. Como o tema é vasto e foge um pouco do nosso propósito aqui, quem quiser se aprofundar mais, escrevi um artigo bem completo sobre o tema, disponível aqui.

Stablecoins: outro tipo de ativos digitais baseados em utilidade, são ativos “utilitários representativos de outro valor”, porque representam obrigações financeiras emitidas em um blockchain, que são garantidos por depósitos em moeda fiduciária em um banco ou por títulos do governo de curto prazo, mantidos em um custodiante. Algumas stablecoins emitidas no blockchain Ethereum são: DAI, tether, busd, USD coin, gemini dollar, terra, paxos standard, dentre outras.

Criptoativos: são uma classe de ativos utilitários, que muito se assemelha à classe dos “ativos nativamente digitais”, mas que, todavia, possuem como princinpal característica uma utilidade, que não só a monetária (facilitar o cálculo de aplicativos decentralizados, atuar como combustível para transações, etc.).

Outros ativos digitais

Neste terceiro grupo, entra tudo o que não se encaixa nas classificações anteriores, como os “digital twins” (gêmeos digitais), identidades digitais, credenciais e copyrights (direitos autorais).

Digital twins: tem sido muito usado no mercado de commodities. E não só no mercado do ouro, já citado acima, mas principalmente em cadeias de suprimentos. Imagine um barril de petróleo em que seu gêmeo digital o espelhe em uma plataforma blockchain, conforme ele se move na cadeia de abastecimento. A representação digital deste barril ("digital twin") o acompanha desde a hora em que o petróleo é extraído, passando por toda a refinaria e demais etapas da cadeia, até finalmente seu efetivo uso.

Identidade digital e credenciais: vão desempenhar um papel de enorme relevância no metaverso. Para se ter uma ideia, o Fórum Econômico Digital considera identidades digitais em blockchain um pré-requisito para a economia digital.

Nessa linha, vale destacar a equipe de identidade descentralizada da Microsoft que lançou em março de 2021 "a rede de identificadores descentralizados ION na rede principal bitcoin”. Esta rede é uma tecnologia de camada dois semelhante à Lightning, que, em vez de se concentrar em pagamentos, usa o blockchain bitcoin para criar Identificadores digitais para autenticação de identidade online descentralizada e verificável.

O ION usa a mesma lógica das camadas de transação do bitcoin para assinar a identidade. Uma chave pública e sua chave privada associada são usadas para verificar se um usuário possui um ID.

E no Brasil já existe um projeto de identidade “financeira” digital chamado FinID em desenvolvimento no Laboratório de Inovação do Banco Central do Brasil (LIFT).

Pois bem, compreendido o que são tokens e ativos digitais, bem como suas várias classes e espécies, vamos prosseguir e averiguar como a integração de blockchain no espaço de negociação de ativos e commodities muda totalmente seu ritmo e dimensão.

O que é tokenização afinal?

Tokenização é o processo de transformação dos direitos de propriedade de um ativo em um token digital. Por exemplo, você pode transformar um imóvel (uma casa, um apartamento) no valor de US$ 100 mil em um total de 100 mil tokens, sendo que cada token representa quase 0,0005% do valor deste imóvel.

Basicamente, você pode usar tokens em blockchain para representar a propriedade de “qualquer” ativo em meio digital. Conquanto as aplicações mais comuns de tokens em blockchain sejam em pagamentos e liquidação de transações entre os participantes.

Entretanto, os tokens também podem representar a propriedade para bens não fungíveis (únicos, que não podem ser trocados por outro, sem perder sua essência ou qualidade), como uma fotografia, um vídeo, uma música, ou um terreno virtual no metaverso — o que também é conhecido NFTs. Nesta hipótese, os tokens facilitam a transferência da propriedade de ativos indivisíveis por meio de uma rede blockchain.

Logo, a tokenização de ativos em blockchain pode trazer novas perspectivas para a otimização dos processos negociais, possibilitando, inclusive, o alcance de novos mercados.

Note que, embora as oportunidades promissoras proporcionadas pela tokenização de ativos tenham adquirido fama com a tecnologia blockchain, o conceito de tokens é antigo.

De fato, os tokens têm servido como um mecanismo de segurança de dados nos serviços financeiros já há algum tempo, sendo utilizados para preservar informações confidenciais como números de cartão de crédito, informações pessoalmente identificáveis e demonstrações financeiras.

Um exemplo tradicional de tokenização nos serviços financeiros implica a transformação de informações sensíveis dos usuários em token. E o token, neste caso, inclui uma sequência de números e letras não sensíveis.

As aplicações da tokenização que antecedem o surgimento do blockchain, no entanto, não se limitavam apenas ao setor de serviços financeiros. Os hospitais implementam tokens para registros de pacientes, enquanto o governo pode usar tokens para registro de eleitores.

Como a tokenização de ativos transforma negócios

Projeção do mercado global de tokenização até 2027

O potencial de crescimento dos ativos digitais foi o tema principal de uma pesquisa, patrocinada pelo Fórum Econômico Mundial, pela Deloitte e pela McKinsey, segundo a qual o mercado global de tokenização em blockchain deve atingir 24 trilhões de dólares em 2027.

O fascinante aqui é a percepção de como a integração de blockchain, no espaço de negociação de ativos, muda totalmente seu ritmo e dimensão. Na projeção para o ano de 2027, por exemplo, o relatório aponta o surgimento de mais classes de ativos digitais, representando uma realidade onde pode ser que a maior classe de ativos na esfera digital ainda nem exista.

Projeção de tokenização

Vamos ver, agora, como estão sendo gerenciamentos esses ativos e como ocorre a tokenização atualmente, na prática.

Gerenciamento de ativos no mundo real

Os protocolos e empresas que se enquadram na categoria de gerenciamento de ativos e fornecem aplicativos que realizam tarefas como, por exemplo, rebalanceamento automático de ativos (com base em estratégias de negociação específicas) ou obtenção do melhor desempenho fornecido por protocolos.

Tal gerenciamento de ativos pode ser subdividido em carteiras e navegadores. Vejamos então alguns exemplos de protocolos e empresas de gerenciamento de ativos que se utilizam do blockchain Ethereum.

Outlet finance: é uma conta poupança que gera juros de protocolos de empréstimo.

Enjin: é uma plataforma de desenvolvimento de jogos e carteira de blockchain Torus Labs: é um navegador web3.0 e uma carteira para ativos digitais com gerenciamento de chaves sem custódia durante o uso de dApps.

Metamask: é uma “extensão” que permite aos usuários acessar aplicativos Ethereum com seu navegador (no Google Chrome). Uso Metamask, pex, para acessar os meus tokens e poder votar nas decisões da Government Blockchain Association.

InstaDapp: é uma “carteira” de contrato inteligente que permite aos usuários gerenciar seus ativos em dApps.

Exemplos de tokenização de ativos nos negócios

Projetos de tokenização no blockchain Tezos

Tezos é um blockchain com contratos inteligentes semelhantes ao Ethereum. O grande caso de uso da Tezos é sua tecnologia de contratos inteligentes que permitem uma verificação formal e é muito usados em aplicações financeiras voltadas para negócios. Atualmente, em expansão no ecossistema de Tezos há mais de 180 projetos de empresas em 18 áreas diferentes.

Especificamente quanto à tokenização, podemos citar projetos de empresas como a Aspen Digital Inc, que emitiu o token “aspen coin”, representativo de parte da propriedade imobiliária de um resort de esqui. A seguir, uma lista de outros projetos de tokenização:

ROI Group: empresa de desenvolvimento imobiliário global que pretende tokenizar de ações preferenciais de um hotel de luxo localizado em Dubai, equivalente ao montante de até US$ 50 milhões.

Société Générale: multinacional francesa e banco de investimentos e serviços financeiros com sede em Paris, emitiu um produto estruturado como um token de valor mobiliário equivalente a € 5 milhões no blockchain Tezos.

ERX: corretora de tokens de títulos mobiliários, que foi aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários da Tailândia e permite que os investidores comprem e vendam tokens de valores mobiliários.

Taurus: fintech com sede na Suíça que fornece uma plataforma para tokenização de ativos digitais que inclui serviços de negociação, investimento e custódia para instituições financeiras.

UAE Smartcrowd Group: plataforma de investimento imobiliário com sede em Dubai que utilizará o blockchain Tezos para oferecer propriedade fracionada por meio de tokenização de títulos mobiliários.

Tokenização de tudo

Com um entendimento detalhado do que significa realmente a tokenização e como ela funciona, as possibilidades no mundo dos negócios são praticamente infinitas. A chave para entender o verdadeiro potencial dos ativos tokenizados começa sempre com uma visão detalhada do próprio conceito.

Nosso objetivo, com este artigo, não é esgotar o assunto, mas trazer algumas informações para despertar seu interesse pelos tokens em blockchain. Você acha que o mundo será tokenizado? Reflita sobre isto até nosso próximo encontro. Nos vemos em breve.

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Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo é LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Professora do curso Blockchain para negócios no Insper. Autora de três livros “Blockchain- Tudo o Que Você Precisa Saber”, “Bitcoin, CBDC, Stablecoins e DeFi”, e “Cryptocurrencies in the International Scenario”.

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