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O que blockchain tem a ver com modelos de negócio em rede

Até agora, o foco do mundo corporativo foi nas tecnologias em si, e não no potencial delas de transformar os modelos de negócio. Com o blockchain, isso começa a mudar

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

10 de Março

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Artigo O que blockchain tem a ver com modelos de negócio em rede

Cada vez mais a tecnologia blockchain ganha espaço em grandes jornais, programas de televisão, congressos, universidades, dentre outras esferas.

Mas o que é apenas entusiasmo e o que de fato já é realidade? Quais os casos de uso estão tomando corpo ou são sucesso no mundo dos negócios? Qual a estrutura de valor do blockchain? Quais os benefícios desta tecnologia no mundo dos negócios? São essas perguntas que procuraremos responder todos os meses nesta coluna.

Neste artigo de estreia, vamos mostrar por que a tecnologia blockchain é tão importante e por que ela vai impactar diversos setores e a economia global como um todo. No entanto, para isso é preciso dar dois passos para trás e falar da digitalização da sociedade.

Economia da web: informação e tecnologia como facilitadores

Desde o surgimento da internet, a informação em todas as suas formas tem se tornado digital. Isso provoca o surgimento de um novo modo de se fazer negócios, que se utiliza da informação e tecnologia como facilitadores da comunicação, transferência de dados e transações comerciais.

A cada dia, temos assistido a digitalização da sociedade e o surgimento de uma nova economia, a economia da web.

Cuida-se de uma economia do conhecimento, baseada na aplicação do know-how humano a tudo o que produzimos e como produzimos. Cada vez mais valor agregado será criado pelo cérebro (e não pela força), de modo que a incorporação de ideias será a base da geração de riquezas nessa era de interligação em rede, não apenas da tecnologia, mas também de seres humanos, organizações e sociedade.

Em breves palavras, essa nova economia,que também conhecida por economia digital, economia da internet ou economia da web, é um novo modo de se fazer negócios. Mas o curioso, aqui, é que na economia da web, os modelos de negócio são em “rede”, como podemos perceber se olharmos para Amazon, eBay, Uber, Apple e Mercado Livre.

Essência da economia digital

Quem é do mundo empresarial já sabe: um modelo de negócio descreve como uma empresa cria valor por meio da combinação de recursos externos e internos e o entrega de forma diferenciada a seus clientes.

Os primeiros estudos sobre modelos de negócio digitais surgiram entre os acadêmicos e na mídia despecializada, num primeiro momento, no início da década de 1990, em função da internet e do rápido crescimento dos novos mercados.

Num segundo momento, vieram os aplicativos colocados nos smartphones os quais mudaram significativamente os serviços oferecidos aos clientes.

Agora, vivemos uma terceira fase. O mundo corporativo, que se concentrava nas tecnologias em si, e não na transformação de modelos de negócio que elas possibilitam, agora começa a alterar suas formas tradicionais de criar e entregar valor, por meio de novos desenhos organizacionais “adaptados” às inovações tecnológicas.

É importante notar que as inovações tecnológicas (cloud, analytics, mobile e social) são a camada mais básica dessa jornada em direção à transformação dos negócios. As empresas que desejam sobreviver na era digital (acelerada pela pandemia) terão de começar a pensar de maneira digital e criar modelos de negócio que reflitam tal pensamento. É onde o blockchain pode ajudar – e muito.

Potencial de transformação

A imensa maioria das empresas baseia seus modelos de negócio nos conceitos da sociedade industrial: as que fabricam produtos (a maioria das empresas) e as que fornecem serviços. Esses dois modelos compõem cerca de 90% das 1.500 maiores empresas do mundo.

Os outros 10% restantes, compreendem as empresas criadoras de tecnologia (cerca de 9% das 1500 maiores empresas) e as agregadoras ou orquestradoras de redes, estas últimas abrangendo apenas 1% das maiores empresas do mundo.

Como exemplo de agregadora ou orquestradora, podemos citar a Apple, uma vez que criou uma rede de apps em torno de seus smartphones, que a valorizam exponencialmente. Sem a comunidade de aplicativos, a Apple valeria muitíssimo menos que hoje e, ressalte-se, não é a Apple quem produz os aplicativos.

Perceba que o modelo de negócio em rede, agregador, pode ser adotado por empresas de todos e quaisquer setores de atividade. Por isso, temos visto a indústria automotiva se aliando ao Google, formando uma rede para investir em automóveis inteligentes e plataformas de mobilidade pessoal. O modelo em rede não substitui o modelo existente, e sim o complementa.

Essa movimentação das organizações era esperada, se considerarmos que, desde o ano 2000, 52% das empresas da lista da Fortune 500 foram adquiridas, perderam relevância ou faliram em decorrência da evolução e do crescimento exponencial das tecnologias.

Exatamente por isso, 53% dos CEOs apontam que nos próximos anos, os novos modelos de negócis, com fundamento em novas tecnologias, serão seu maior risco estratégico.

Em paralelo, o cenário hiperconectado e globalizado, para o qual cada vez mais o mundo caminha, exige uma solução que dê uma velocidade eficiente às transações comerciais na Internet. Em outras palavras, é preciso que haja uma redução dos altos custos envolvidos para formalizar uma relação entre pessoas, instituições e ativos, e que restabeleça a “confiança” nos processos.

Blockchain como guardião da confiança

Muitos se perguntam por qual motivo blockchain tem sido assunto nos quatro cantos do mundo e, a palavra-chave aqui é essa que acabei de citar: “confiança”. Há muito tempo a sociedade vem sofrendo uma crise de confiança em instituições, governos e corporações, provocada pelo aumento crescente dos casos de corrupção.

Esta crise de confiança (muito bem retratada no documentário americano em formato de minissérie, “Na Rota do Dinheiro Sujo”, que conta histórias de corrupção corporativa nos EUA) vem crescendo silenciosamente há décadas, e se infiltrando pouco a pouco na sociedade, a ponto de minar seriamente reputação de empresas e governos, e provocar a atual desconfiança da democracia.

Neste contexto, é que surgiu o primeiro blockchain em 2008, o blockchain bitcoin e, com ele, um novo mundo de possibilidades.

A tecnologia blockchain transforma a forma como ativos de “valor” são transacionados em meio digital, e amplia as possibilidades modelos de negócios em rede, que necessariamente precisam das potencialidades que novas tecnologias como blockchain podem proporcionar.

Não à toa que no programa chamado “diálogo”, no canal da televisão estatal chinesa CCTV, foi afirmado que blockchain possui “10x o valor da internet”.

Fator de diferenciação

O blockchain se diferencia das outras tecnologias e é inovador porque solucionou o problema do “gasto duplo”, conferindo mais eficiência à transações de internet.

Na internet, as informações são enviadas do seguinte modo: se eu envio uma foto para você pelo meu WhatsApp, uma cópia desta foto permanece no meu dispositivo (gasto duplo). Da mesma maneira, quando enviamos um e-mail a alguém, fica uma cópia na pasta de e-mails enviados (gasto duplo).

Justamente por causa dessas cópias que permanecem em nossos dispositivos quando fazemos transações na internet, o talgasto duplo, era necessário um intermediário. Era necessário que um validador conferisse confiança às transações econômicas na Internet, entre partes que não se conheciam ou não confiavam entre si.

Em qualquer transação de valor minha, um intermediário analisava se eu Tatiana realmente tenho crédito de R$ 100,00 em minha conta, e validando que realmente esses R$ 100,00 foram enviados e recebidos por você, debitando esse valor da minha conta.

O que o blockchain fez foi tornar único um ativo de valor transacionado no meio digital, eliminando (ou reduzindo muito) a necessidade de intermediários para validar transações de valor. A tecnologia blockchain possibilita transações digitais garantidas por algoritmos, pela matemática.

Uma definição que gosto de usar, que apesar da longa é clara, é esta: o blockchain é um protocolo, rede ou plataforma descentralizada onde as transações são gravadas de maneira compartilhada, em intervalos regulares com carimbo de data e hora, em vários dispositivos espalhados pelo mundo.

O blockchaim é uma maneira segura (de partes que não se conhecem ou não confiam uma na outra) transacionarem valor, sem ou com número reduzido de intermediários. Seu surgimento só foi possível devido à maturidade que tecnologias já existentes atingiram:

  • Criptografia: codifica as transações antes de registradas na blockchain.

  • Redes distribuídas: a internet nasceu como um sistema distribuída para compartilhar recursos entre computadores dentro dos EUA.

  • Mecanismo de consenso ou teoria dos jogos ou sistema de incentivo: ramo da matemática (1944) que garante comportamento dos participantes em favor da segurança e do perfeito funcionamento em um sistema distribuído.

Um takeaway para encerrar

Blockchain é uma “general purpose tecnology”, ou uma tecnologia de núcleo, assim como o motor a combustão, a energia elétrica, a própria internet, inteligência artificial. Quando uma tecnologia de propósito geral surge, demora em média 30 anos para manifestar seu alcance e abrangência, potencializa o alcance de outras tecnologias, bem como impacta relação entre cidadãos e governos, entre governos e corporações, nas indústrias e entre todas elas e na economia global como um todo.

Quando Thomas Edison inventou a lâmpada, primeira manifestação da energia elétrica na forma que usamos hoje, era possível imaginarmos que sua descoberta viabilizaria a televisão, computadores, celulares, carros elétricos, a própria internet? Mantenham a curiosidade em alta. Vamos descobrir juntos a evolução e o impacto do Blockchain nos negócios. Até breve.

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Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo é LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Professora do curso Blockchain para negócios no Insper. Autora de três livros “Blockchain- Tudo o Que Você Precisa Saber”, “Bitcoin, CBDC, Stablecoins e DeFi”, e “Cryptocurrencies in the International Scenario”.

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