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7 min de leitura

Cinco regras para liderar no mundo digital e incerto

Tempos de mudanças rápidas requerem um novo modelo de liderança

Deborah Ancona

19 de Maio

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Artigo Cinco regras para liderar no mundo digital e incerto

De uns anos para cá, todo mundo vem falando do VUCA, o acrônimo criado pelo exército dos EUA para descrever o mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo em que vivemos. No entanto, hoje temos um VUCA turbinado [o texto foi escrito antes da erupção da Covid-19], à medida que tentamos lidar com as mudanças cada vez mais rápidas que afetam o mundo dos negócios, onde a quantidade de dados gerados dobra a cada dois anos, o que reflete um crescimento de 50 vezes entre 2010 e 2020.

Para prosperar nesse ambiente, as organizações devem dar lugar a uma liderança distribuída, mas muitos líderes temem isso. Preocupam-se com o caos que pode surgir caso afrouxem as rédeas e fogem do desconhecido (conhecem melhor a burocracia do que as novas formas de organização). Só que, se não evoluírem rapidamente, correm o risco de desaparecer em um mundo em rápida transformação. 

Em nossa pesquisa no MIT Leadership Center, meus colegas e eu descobrimos que os gestores que seguem as cinco orientações estão mais bem aparelhados para lidar com o que está por vir que o restante. Vamos examinar cada uma dessas novas regras do modelo emergente de liderança.

1. Divulgue sua marca de liderança. Quando as coisas mudam, as pessoas almejam liderança. Procuram estabilidade com receio da desordem. Querem sentir confiança em quem está no comando, já que navegam em águas traiçoeiras. Mas a noção romântica do líder que toma o controle não as tranquiliza mais. Precisam é da sua marca de liderança: quem você é enquanto líder e como você vê e aborda o trabalho.

Somos, em geral, “líderes incompletos” que se destacam em certas capacidades de liderança, mas têm dificuldades em outras. Isso não deve ser escondido. É preciso entender e divulgar a maneira de liderar baseada em seus próprios valores, suas qualidades, sua experiência e personalidade. Por exemplo, Steve Jobs era um inventor por excelência e incitava a si mesmo e aos outros na Apple, Pixar e NeXT a criar designs inovadores e atraentes que conquistassem os clientes, mesmo que, em busca da perfeição, ferisse algumas pessoas. A designer Eileen Fisher, fundadora da empresa do setor têxtil de mesmo nome, estudou o quimono japonês para tentar entender como fazer roupas femininas confortáveis e elegantes que resistam ao tempo e às modas passageiras. Ela tem paixão pelo trabalho, promove a sustentabilidade do planeta e tenta recrutar funcionários aliados a suas metas para dar propósito a sua organização. Jobs era um líder visível, que se promoveu tanto quanto a seus produtos, enquanto Fisher lidera de modo mais discreto, estipulando metas para então soltar as rédeas. Mas os dois estabeleceram suas marcas.

Como descobrir sua marca de liderança? Primeiramente, pense em seu dia a dia como líder. Seu foco está mais nas tarefas ou nas pessoas? É líder visionário, que olha para o futuro, ou permanece na retaguarda, instruindo e influenciando discretamente? Você incentiva a experimentação e a inovação, ou estimula áreas de crucial importância? Em segundo lugar, pergunte às pessoas que trabalham com você como descreveriam sua liderança e faça uma avaliação 360 graus para reunir os dados. Finalmente, pense no impacto que causa. Está mudando a cultura? Influenciando os resultados? Com uma visão mais clara de sua marca, conte histórias e use imagens para mostrar aos outros quem é você.

2. Seja um criador de sentido. Em um ambiente em mutação, o “sensemaking” nunca foi tão importante. Esse termo, inventado pelo teórico organizacional Karl Weick, refere-se ao processo de fazer sentido em um mundo confuso. Essa atividade é acionada quando algo em nosso ambiente parece ter mudado. Então, tentamos dar sentido ao que acontece juntando dados, aprendendo com os outros e procurando parceiros para fazer um novo mapa do que está ocorrendo. A partir daí, passamos a experimentar novas soluções para descobrir como o sistema responde.

Satya Nadella, CEO da Microsoft, foi sensemaker ao longo de toda a sua carreira na Microsoft. Mudando frequentemente de cargo, ele aprendeu todos os processos gerais e a cultura da empresa. Sua curiosidade em relação aos clientes e às tecnologias lhe permitiu entender a mudança de cenário pela qual a empresa passava. Quando se tornou CEO, fez reuniões com funcionários, clientes e experts para entender quais eram suas preocupações e como alcançar o sucesso da melhor maneira. Num retiro para gestores, reuniu líderes de empresas adquiridas para que todos pudessem se envolver no sensemaking sobre novas tecnologias. Como Nadella, os líderes deveriam pensar em quais sensemakers promover para acompanhar as mudanças do mercado, das tecnologias, dos modelos de negócio e da força de trabalho. 

3. Crie equipes-flex. Quando indagados sobre o que contribui para o desempenho eficaz das equipes, a maioria dos executivos cita ideias apresentadas nas aulas sobre criação de equipes ou lidas em best-sellers de gestão: estabelecer metas claras, definir papéis, criar confiança, melhorar as relações interpessoais etc. Mas as pesquisas mostram que essas diretrizes são apenas meio caminho andado. Em um mundo veloz em que as organizações tentam eliminar a burocracia, os líderes também precisam construir um novo tipo de equipe, que chamamos de equipe-fleX (ou equipe X), capaz de estimular a velocidade, a inovação e a execução. 

Essas equipes flexíveis não se limitam a colaborar internamente; também estão vinculadas a parceiros externos em termos de conhecimento, recursos e inovação. São necessárias para fazer sensemaking externo, para conectar pessoas tanto dentro quanto fora da empresa, para possibilitar mudanças além da burocracia. As equipes-X servem de embaixadores organizacionais para procurar talentos e recursos, alinhar as atividades das equipes com as metas estratégicas e coordenar atividades. Ao reunir pessoas para determinadas tarefas – e alternar pessoas e tarefas –, elas criam uma estrutura dinâmica que pode responder a novos problemas e oportunidades. 

As organizações têm criado centenas de equipes-X no mundo todo – para levar remédios à África, descobrir novos modos de testar tecnologias e criar uma conexão mais estreita entre as empresas e os consumidores para desenvolver futuros produtos e serviços. 

4. Substitua tendências tóxicas pela liderança movida a desafios. Líderes tóxicos são cada vez mais comuns. Você sabe quem são. Humilham os subordinados e têm fama de hipercríticos. Podem ser agressivos, imorais e insensíveis. Retêm informações, culpam os outros e se promovem. Com o tempo, outras pessoas e equipes começam a adotar comportamentos similares e a confiança e a eficiência são reduzidas.

Com frequência, a liderança tóxica abrange três perfis: líderes narcisistas, que pensam que são melhores e merecem mais que os outros; líderes maquiavélicos, que fazem o possível para ficar no poder, formando alianças e guardando segredos; e líderes que manifestam psicopatia, insensíveis, sem controle dos impulsos. Nem todos os líderes tóxicos possuem os três perfis, mas estou certa de que você sabe quanto estrago eles podem fazer. 

Os líderes tóxicos podem alcançar maior produtividade no curto prazo, mas, com o tempo, quando as pessoas entendem que foram manipuladas, o desempenho piora. Em vez do perfil “Sou ótimo, sigam-me”, precisamos de líderes que reúnam a tropa para enfrentarem juntos os desafios.  

A Nasa reuniu pessoas com a audaciosa meta de levar o homem à Lua. Hoje, os líderes inspiram as organizações a lidar com mudanças climáticas, demência senil e alienação social, para citar alguns dos maiores problemas atuais. Eles devem estruturar o trabalho em função desses desafios, e deixar o ego de fora.

5. Construa sistemas que tornem tudo isso possível. Nestes tempos de mudanças, líderes eficientes precisarão “arquitetar” organizações em que os quatro passos já mencionados possam se realizar. Isso requer que as empresas contratem e formem três tipos de líderes – empreendedores, facilitadores e arquitetos –, e lhes deem espaço para que possam imprimir sua marca enquanto desenvolvem suas funções. 

Os líderes empreendedores são o motor da inovação. Possuem o sensemaking requerido para descobrir novos produtos e processos enquanto criam as equipes-X para torná-los realidade. Os líderes facilitadores têm uma visão mais ampla e conseguem identificar projetos semelhantes dentro da empresa e oportunidades de colaboração externa. Treinam os líderes empreendedores. Os líderes arquitetos desenvolvem os sistemas, as estruturas e a cultura que permitem às pessoas explorar possibilidades e tomar decisões autônomas sem provocar o caos. Esses três tipos de líderes ajudam a ajustar as ideias de inovação que vêm de baixo para cima às prioridades estratégicas, antes de submetê-las aos pitches internos e a um rígido processo de afunilamento. Essa abordagem propicia ideias melhores, com mais tração. 

Muitos líderes podem achar difícil abraçar as cinco regras descritas aqui, mas, ao fazer isso, vão estimular muitos talentos a serviço da inovação estratégica e da resiliência organizacional.

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Autoria

Deborah Ancona

Professora emérita de gestão da MIT Sloan School of Management e fundadora do MIT Leadership Center.

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