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Brasil

12 min de leitura

Como se preparar para o futuro

Pesquisa mostra que, no Brasil, apenas 16% das empresas são “future-ready”, ou seja, prontas para o futuro, ante 22% na amostra mundial

Peter Weill, Stephanie L. Woerner e Ana Maria Bonomi Barufi

07 de Outubro

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Artigo Como se preparar para o futuro

Além de focar os grandes desafios criados pela covid-19, durante e após a pandemia, todos os líderes brasileiros vão precisar dedicar tempo a criar o melhor futuro possível para seus negócios. A boa notícia? Este é o momento perfeito para começar a criar a empresa com que você sempre sonhou, pois todos esperam disrupções. As oportunidades são muitas.

Numa pesquisa global do MIT Center for Information Systems Research (MIT CISR), realizada em 2019 com 1,3 mil companhias, só 16% das empresas brasileiras estavam prontas para o futuro, quando comparadas a 22% das empresas em geral. Neste artigo, compartilhamos insights obtidos com a pesquisa e comentários de líderes brasileiros. E propomos ações efetivas de preparação para o futuro.

A crise catalisa mudanças

Uma das poucas vantagens da crise da Covid-19 é que as empresas estão provando que o jeito digital de fazer negócios é eficaz. Isso se baseia no interesse crescente de parte dos consumidores brasileiros por compras online. Sumiram muitas das objeções anteriores: “não vai funcionar”, “não estamos preparados”, “os clientes não querem”, “não vai ser bom” ou “não é seguro”.

Como Walkiria Marchetti, CIO do Bradesco, afirma, “o setor financeiro no Brasil se destaca por seu intenso investimento em tecnologia nos últimos anos, promovendo a digitalização de processos e possibilitando a expansão do uso de canais digitais. O desafio agora reside em transformar os modelos de negócio, indo além dos tradicionais produtos e serviços financeiros”. Para ela, há oportunidades de estruturar negócios com parcerias, trocas de informações e plataformas, visando servir os clientes em diferentes momentos de vida, por meio de jornadas cada vez mais fluidas.

Transformação atrasada

Há quase quatro anos, o MIT CISR vem medindo o progresso das empresas em sua preparação para o futuro. Consideramos uma empresa “future-ready” aquela que já mudou de passo em relação a seus concorrentes, tanto na experiência do cliente quanto na eficiência operacional utilizando tecnologia. Essa empresa consegue cortar custos e, simultaneamente, gerar novas fontes de receita, monetizar com ética seus dados e fazer parcerias dinâmicas com pequenas e grandes empresas para agregar valor. Ela recorre a outras empresas digitais para agir rapidamente, fornecendo aos clientes opções mais personalizadas, e pode liderar ou participar de ecossistemas digitais. Mas a maioria das empresas prontas para o futuro inicia sua jornada no estado “silos e spaghetti”, com cenários complexos de processos, sistemas e dados, quando o bom desempenho depende do heroísmo de seus funcionários. Este não é um modelo sustentável. (Veja figura 1, abaixo).

A transformação para o futuro compensa. Empresas future-ready em 2019-20 têm uma margem 19,3% maior do que a média de sua indústria – um prêmio enorme. Porém, das 48 empresas brasileiras da pesquisa, apenas 16% estavam preparadas para o futuro, com 60% das empresas ainda operando como “silos e spaghetti” (veja figura 2, abaixo). Em geral, os resultados líquidos da margem das empresas brasileiras têm o mesmo padrão, mas com altos e baixos menos extremos que na amostra global.

Isso talvez se deva ao fato de o Brasil ainda estar mais nas primeiras etapas da jornada de digitalização do que alguns outros países pesquisados. Por exemplo, as empresas que seguem um modelo omnicanal têm desempenho significativamente melhor no Brasil do que no resto do mundo, pois o omnicanal ainda cresce rapidamente. O que esses resultados significam? Que é hora de os líderes brasileiros dobrarem a aposta em digitalização para se tornarem future-ready antes dos concorrentes. E a boa notícia é que as empresas brasileiras já têm muitas capacidades que as habilitam a fazer isso, pois alcançam eficácia semelhante à da média das companhias globais em várias capacidades (veja figura 3, abaixo).

Chegar a um nível future-ready não lhes é um salto tão grande quanto para empresas de países como a Austrália, por exemplo. Eis o que descobrimos – e que explica, em parte, por que as empresas brasileiras estão atrasadas em sua preparação para o futuro:

  • As empresas brasileiras têm adotado uma abordagem mais agressiva para se preparar para o futuro que os pares globais. Em vez de seguir rumo à experiência industrializada ou integrada, quase metade delas (ante 26%, globalmente) vem subindo diagonalmente em direção ao future-ready. Este é o caminho mais arriscado de todos os que estudamos (com as maiores taxas de fracasso), pois requer uma governança muito sofisticada para garantir que a eficiência operacional e o aumento da experiência do cliente aconteçam ao mesmo tempo. Ou seja, um número maior de empresas brasileiras pode falhar ou ter resultados frustrantes a partir da transformação digital.

  • Embora as empresas brasileiras sejam semelhantes a empresas globais no que se refere a alguns atributos-chave, na liderança necessária para a transformação digital vemos importantes gaps entre elas e a amostra mundial. Comparando-as tanto com empresas médias globais como com os 25% de empresas top em todo o mundo, os gaps são significativos (veja a figura 3). As empresas brasileiras são menos eficientes em passar da orientação “comando e controle” para a de “coaching e comunicação”, por exemplo. Na economia digital, as empresas estão diminuindo o peso da autoridade porque o trabalho está mudando – tornando-se mais iterativo, orientado por dados, focado no cliente –, e os funcionários precisam poder tomar decisões nesse ambiente mais veloz. Se isso não acontecer, o progresso vai estagnar. Os líderes necessitam adaptar seu estilo de liderança e também devem passar responsabilidades aos funcionários – mas, nesse quesito, a liderança das empresas brasileiras segue os líderes globais.

  • As empresas brasileiras conseguem só 24% das receitas com vendas cruzadas, em comparação com os 32% das empresas médias e com os 58% dentre os 25% de empresas do topo. Esta é uma oportunidade importante, mas requer uma análise de dados eficaz e ofertas digitalizadas e personalizadas para os clientes, a fim de ajudar a atender a um conjunto mais amplo de suas necessidades. Os benefícios são grandes, pois as companhias com percentual maior de receitas provenientes de vendas cruzadas têm, além de maior crescimento, maiores margens do que as concorrentes.

Construir essas capacidades é o que tornará uma organização future-ready, mais ágil para lidar com futuros incertos. Alexandre Conceição, diretor da Banco do Brasil Tecnologia e Serviços (BBTS), explica: “Uma mudança importante é um foco mais forte em ‘agilidade empresarial’. Os líderes estão percebendo como podem reduzir os riscos ao entregar valor incremental aos clientes, que agora são ainda mais digitais e exigem serviços e produtos mais rápidos e baratos. Assim, a entrega de serviços digitais vem se tornando o mantra para o pipeline de produtos – com base no que aprendemos com os clientes e as necessidades deles”.

Aproveitando a oportunidade

Descobrimos que os executivos C-level começaram a adotar uma de duas atitudes. A primeira, descrevemos como “meu cabelo está pegando fogo”, na qual as empresas fazem cortes drásticos nos orçamentos, muitas vezes de maneira relativamente igual na empresa toda. A segunda atitude é “sim, os tempos são difíceis, mas esta é uma oportunidade única para criarmos a empresa dos nossos sonhos”. Para realizar tais sonhos, as organizações precisam vincular seus cortes de custos a seu projeto de preparação para o futuro.

Paulo Caffarelli, CEO da Cielo, destaca as oportunidades existentes para sua empresa: “O mercado brasileiro de pagamentos está passando por rápidas mudanças tecnológicas e competitivas, o que exige que a Cielo seja flexível e ágil na adaptação de sua estratégia de negócios e na implementação de soluções inovadoras. Isso nos obriga a ajustar nossos processos internos e também a trabalhar em estreita colaboração com parceiros, para desenvolvermos novos produtos”. (Cielo e Facebook chegaram a anunciar parceria para um serviço de pagamentos pelo WhatsApp; o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a suspendeu, mas continuava a haver a expectativa de que o serviço fosse liberado após melhor entendimento das autoridades). As oportunidades e os desafios da Cielo são parecidos com os da maioria das empresas que se esforçam para ser future-ready no Brasil.

Organizações que aproveitarem o momento terão o melhor retorno na próxima década. Mas, para isso, é necessária uma abordagem “explosiva”.

Quatro explosões organizacionais

Sim, as empresas future-ready que estudamos precisaram gerir quatro “explosões” organizacionais. Usamos o termo “explosão” porque esta é a sensação que dá a quem olha de fora: as empresas estão explodindo o modo costumeiro de fazer as coisas, a fim de remover obstáculos, ganhar agilidade e aumentar a eficiência:

1. Explosão nos direitos de decisão. Significa redefinir quem tem direito e accountability pelas decisões-chave. Por exemplo, um problema comum ocorre quando as mesmas linhas de negócios decidem não só o que vão fazer, mas também como vão fazê-lo. Isso resulta em esforços replicados, gastos excessivos, arquiteturas técnicas complexas que não se conectam e otimização local, sem mencionar a questão política. Outra decisão-chave é quem tem o direito de autorizar uma nova oferta ou produto para o cliente. As empresas são ótimas em oferecer novos produtos de uma linha de negócios específica, mas não são muito boas em integrar essas novas ofertas de modo que a empresa aumente as vendas cruzadas.

Métricas a observar: tempo para decidir, tempo para avaliar, percentual de receitas que vêm de vendas cruzadas.

2. Explosão nas formas de trabalho. Significa mudar a cultura com abordagens novas, como metodologias ágeis, produtos mínimos viáveis (MVPs), cocriação com os clientes, criação de capacidades, trabalho remoto e mapeamento da jornada. As empresas prontas para o futuro estão sempre desenvolvendo capacidades digitais coletivas e individuais, aproveitando-as para aprender a trabalhar de maneira mais eficiente. O Magazine Luiza (Magalu) é uma das empresas brasileiras de maior sucesso na jornada de transformação digital. Uma de suas estratégias para derrubar silos foi estabelecer o Luizalabs, em 2012, um laboratório de inovação que conta hoje com mais de 900 funcionários. “A ideia era tentar quebrar todo o sistema, para mostrar que é possível ter a TI tecnologia da informação perto dos gestores”, disse o CTO do Magalu e líder do Luizalabs, Andre Fatala. “Antes, havia processos muito pesados. Levavam-se dois meses para obter todas as informações.” Técnicas de desenvolvimento ágil ajudaram o Magalu a acelerar drasticamente seu ritmo de inovação: novos produtos e experiências digitais podem ser lançados em apenas semanas ou dias, em vez de levar meses ou anos.

Métricas a observar: percentual de funcionários com credenciais digitais, tempo decorrido do surgimento da ideia aos testes com os clientes.

3. Explosão na mentalidade dominante – rumo à plataforma. Significa identificar as “joias da coroa” da empresa e convertê-las em serviços digitais reutilizáveis que conectem silos organizacionais, para permitir transações em tempo real, inovação rápida e parceria fácil. O grupo de serviços financeiros DBS, com sede em Singapura, inseriu tecnologia em seu negócio reorganizando-se em 33 plataformas com 350 APIs. As equipes de negócios e de tecnologia são cocondutoras, com métricas de responsabilidades e alocação de orçamento, e com um backlog único para priorizar o que fazer.

Marcelo Nakagawa, professor de inovação e empreendedorismo do Insper, observa que as empresas que adotaram previamente um modelo de plataforma conseguem mudar seu modelo de negócio rapidamente para responder a um novo ambiente – como o da crise da Covid-19 –, integrando novas soluções.

“Graças a essa agilidade, da corporação e do seu modelo de negócio, as empresas conseguem se adaptar e aproveitar as novas oportunidades antes, bem antes, de seus concorrentes”, afirmou ele.

Métricas a observar: o percentual das competências essenciais da empresa habilitada pela API para uso interno, para inovação, e para uso externo, pelos parceiros.

4. Cirurgia (explosiva) organizacional. Significa cortar a complexidade enquanto se busca uma melhor e mais acessível experiência do cliente multiproduto e multicanal. Em algum momento da transformação, as empresas veem que suas estruturas organizacionais não estão prontas para o futuro. Por exemplo, nos serviços financeiros, vemos bancos combinando departamentos de produtos, de TI e de operações em um grupo único, que recebe um nome semelhante a “serviços bancários”, porque, na economia digital, esses três departamentos não são diferentes entre si, são os mesmos, e alinhá-los é muito lento e ineficiente.

Métricas a observar: experiência do cliente ao longo do tempo, custo do serviço aos clientes.

As empresas brasileiras estão em pé de igualdade com nossa amostra global no que se refere à gestão eficaz das explosões, como mostra a figura 4 (na página abaixo), mas ainda não têm o desempenho das empresas de melhor performance. E essa eficácia superior é necessária a quem quer se tornar future-ready. A questão de por onde começar é fácil: não importa o caminho que você siga para tornar sua empresa future-ready, a primeira explosão a ser enfrentada é a dos direitos de decisão.

Há competências específicas que as empresas brasileiras podem melhorar à medida que se preparam para o futuro. A liderança precisa ser mais consultiva e voltada ao coaching de pessoas, ao mesmo tempo em que delega responsabilidades aos colegas.

Muitas companhias brasileiras deram um bom primeiro passo ao cultivar a mentalidade de plataforma, mas estão atrasadas quando se trata de alavancar essa plataforma para se tornarem mais abertas e ágeis. Elas precisam usar agora as APIs que já criaram, para desenvolver soluções mais atraentes e integradas e para se tornarem mais abertas aos parceiros – além de aumentarem a eficácia nas vendas cruzadas.

Por fim, este é o momento de encorajar a inovação, em especial a inovação focada em três ou quatro oportunidades específicas e nas necessidades dos clientes. Quando a pandemia de Covid-19 acabar, todas as empresas estarão focadas num modelo de negócio e num crescimento sustentáveis. Os gestores dedicados agora à preparação para o futuro farão com que fique mais rápido e barato alcançar estabilidade e crescimento. Como você ajudará sua empresa a estar pronta para o futuro?

Sobre a pesquisa

Em 2019, aplicamos uma pesquisa sobre questões relativas à transformação de negócios digitais (N=1311). O MIT Center for Information Systems Research (MIT CISR) teve a colaboração da MIT Sloan Review Brasil em 2020 para obter dados adicionais de empresas brasileiras, utilizando o mesmo instrumento de pesquisa. No total, 48 empresas brasileiras participaram. Pedimos aos entrevistados que estimassem a margem de lucro líquido de suas empresas. Em seguida, coletamos, na Compustat, dados reais de desempenho das empresas de capital aberto que se identificaram na pesquisa. A margem de lucro líquida autorrelatada pelas empresas correlacionou-se significativamente com a margem de lucro real no nível p.01. Em nossas análises, usamos a métrica de desempenho autorrelatada pela empresa, em comparação com a indústria. Empresas top são as do quartil superior das empresas com margem líquida, ajustada para a indústria.



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Autoria

Peter Weill, Stephanie L. Woerner e Ana Maria Bonomi Barufi

Peter Weill é diretor do MIT Center for Information Systems Research (CISR) e seu pesquisador sênior. Stephanie L. Woerner é pesquisadora do MIT CISR e Ana Maria Bonomi Barufi atua no departamento de pesquisa e inovação do Bradesco e no departamento de economia da Universidade Federal de São Paulo.

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