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Marketing e vendas

24 min de leitura

Competindo pelos resultados dos clientes

Três modelos de receita baseados em performance ajudam as empresas a capturar o valor gerado na satisfação

Marco Bertini e Oded Koenigsberg

27 de Junho

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Artigo Competindo pelos resultados dos clientes

Em seu livro de 1969 The marketing mode, o professor da Harvard Business School Theodore Levitt imortalizou um homem chamado Leo McGivena, que teria afirmado: “Ano passado foram vendidas 1 milhão de brocas de um quarto de polegada – não porque as pessoas quisessem brocas de um quarto de polegada, mas porque elas queriam buracos de um quarto de polegada”.

Meio século depois, esse insight é mais forte do que nunca – os clientes ainda querem comprar resultados significativos (uma sensação específica, um benefício tangível ou uma combinação dos dois), não produtos ou serviços. O que está mudando é a capacidade da empresa de se tornar mais responsável por esses resultados ao ajudar os clientes a atravessar três pontos críticos: ter acesso à solução, consumi-la (ou seja, experimentá-la ou usá-la) e fazê-la ter o desempenho esperado ou superar as expectativas.

Mesmo assim, a maioria das empresas não aposta nesses pontos. Na verdade, elas vendem brocas de um quarto de polegada e prometem que os buracos desejados virão. Realmente, um modelo de receita focado em transferir a propriedade do produto ou do serviço ao comprador pode parecer prudente, porque as receitas vêm antes, e qualquer risco associado a acesso, consumo e desempenho são repassados.

Mas isso coloca uma carga desnecessária sobre os clientes e, em última análise, reduz as oportunidades no mercado. Essa contração ocorre quando, por exemplo, clientes acham o valor alto demais ou abandonam a compra porque é inconveniente; quando percebem a propriedade como arriscada e decidem não comprar; e quando resolvem pagar menos pensando que não vão usar o suficiente ou que o desempenho não será como anunciado.

Os avanços tecnológicos estão permitindo às empresas reescrever as regras do comércio. Comunicação móvel, computação na nuvem, internet das coisas, analytics avançado e microtransações oferecem informações mais precisas e oportunas, que podem iluminar quando e como os clientes acessam e consomem seus produtos e serviços, e se e quão bom é seu desempenho. Chamamos essa informação de dados de impacto – o que permite às empresas rastrear e entender o que acontece com suas soluções além do momento da compra.

Do nosso ponto de vista, dados de impacto – e as tecnologias que os analisam – estão transformando a responsabilidade corporativa para resultados dos clientes de um slogan moderno de marketing em imperativo estratégico. Algumas organizações dispensam esse imperativo, esperando que seja mais uma tendência passageira. Outras (em geral intencionalmente) tornam seus preços mais ambíguos e assim menos comparáveis ao dos concorrentes, o que impede decisões de compra informadas pelo cliente.

Essas atitudes não serão vencedoras no longo prazo. Em vez disso, as empresas devem começar a abraçar a responsabilidade pelos resultados e mudar seus modelos de receita na mesma medida, antes que sejam forçadas a isso por concorrentes mais antenados e startups disruptivas.

Neste artigo, descreveremos três tipos de modelos de receita que podem ajudar empresas a ganhar clientes e orientar o crescimento nos mercados cada vez mais transparentes de hoje. A estrutura resulta de insights de nossas áreas acadêmicas de economia comportamental e operações, de nossa pesquisa e de nossas interações constantes com empresas. Também oferecemos uma orientação sobre como desenvolver e implementar o modelo de receita correto para cada empresa, destravando o potencial de mercado intocado de suas soluções e capturando o valor resultante.

Das promessas à prova

Com esses três modelos de receita, as empresas podem progressivamente entregar acesso, consumo e desempenho. O que chamamos de modelo de acesso inclui assinaturas e participação em clubes; ancora pagamentos por períodos de tempo em vez da compra de bens e serviços físicos. Em seguida, vêm os modelos de consumo, que incluem desagregação, medição e compartilhamento; eles não só facilitam o acesso como permitem ao consumidor pagar apenas quando usam um produto ou experimentam um serviço.

Finalmente, modelos de desempenho abrangem as três necessidades – acesso, consumo e performance – ao permitir que o cliente pague com base nos resultados obtidos. No passado, esse tipo de acordo era usado em ambientes nos quais o desempenho é fácil de quantificar e monitorar. Em anos recentes, porém, ganharam arenas mais complexas, como atenção à saúde, educação, seguros e até entretenimento ao vivo.

Facilitar o acesso

Ineficiências de acesso podem ser associadas a obstáculos físicos e financeiros. Obstáculos físicos incluem, por exemplo, falta de estoque e inconveniências, tais como quando uma compra exige muito tempo ou esforço para se consumar. Serviços de assinatura, como o HP Instant Ink e o Dollar Shave Club, foram criados para reduzir ou remover esses obstáculos, ao eliminar boa parte da dor associada a comprar cartuchos de impressão e lâminas, respectivamente.

Obstáculos físicos menos óbvios são a acumulação indesejada de bens caros ou ociosos e o descarte desses itens. O descarte nem sempre é fácil, especialmente quando os produtos contêm materiais tóxicos ou são relativamente grandes. A Signify, antes Philips Lighting, enfrentou esse desafio ao oferecer “luz como serviço” a clientes corporativos como o Aeroporto Schiphol em Amsterdã e a gigante do aço e da mineração ArcelorMittal.

Sob esses contratos, a Signify mantém a propriedade dos equipamentos e instalações e os clientes pagam pela iluminação que usam. Da mesma forma, a Ikea está testando maneiras de mudar o modelo padrão de propriedade de mobília do tipo monte-você-mesmo para um modelo de locação que atenda às necessidades dos clientes quanto a custo e sustentabilidade.

Obstáculos financeiros de acesso surgem quando clientes não têm o capital para comprar um produto na hora, tais como veículos ou móveis. Assinaturas de mobilidade – como a Care da Volvo, que inclui um pagamento pelo carro, cobertura de seguro, manutenção abrangente e serviços digitais adicionais por um fee mensal – são cada vez mais populares porque minimizam essa restrição.

Outro obstáculo financeiro surge quando os clientes querem vários itens que juntos são caros, como música, filmes ou roupas de grife. Spotify e Netflix são exemplos. Na moda, a bem-sucedida Rent the Runway oferece locação de roupas e acessórios de estilistas em planos trimestrais que permitem decidir quantos itens os clientes querem por vez.

O denominador comum desses e de outros modelos é que a receita aumenta em função do tempo. À primeira vista, parecem modelos familiares e bem estabelecidos de locação e leasing, mas uma série de avanços tecnológicos recentes ligados a monitoramento, predição, logística e pagamento ampliaram sua aplicabilidade à maioria dos setores da economia. Hoje, empresas podem reduzir as barreiras de entrada em um mercado ao transformar quase qualquer produto em serviço com uma conveniência maior. De fato, XaaS (qualquer coisa como serviço) se tornou um modelo de receita prevalente nas indústrias de software e tecnologia, tornando obsoleto o CD de software licenciado.

Consuma e pague

As ineficiências de consumo podem ser frustrantes de várias maneiras. Elas ocorrem quando um bem – um carro, um apartamento ou um equipamento médico, por exemplo – fica parado por boa parte de sua vida útil ou nem chega a ser adquirido porque não se justifica comprá-los. Automóveis, por exemplo, ficam parados 95% do tempo – um nível assustadoramente baixo de uso para um produto tão caro. Ineficiências de consumo também surgem quando clientes precisam comprar um item muito grande ou muito pequeno para suas necessidades.

Finalmente, ocorrem quando alguma barreira, como um risco associado ou o preço de um bem complementar impede o cliente de usar um produto ou serviço que já possui. As empresas têm três opções para lidar com esses problemas: desagregação, medição e compartilhamento.

No passado, as restrições físicas faziam a venda de vários itens juntos se tornar uma opção econômica (músicas num único CD, matérias no jornal etc.), mas as tecnologias digitais alteraram a economia: hoje, é possível digitalizar certas ofertas e fornecê-las segundo o padrão de consumo dos clientes.

Nos modelos de medição, uma empresa fornece o produto, mas cobra o consumidor somente pelo uso. Uma empresa alemã chamada Winterhalter, especializada em máquinas de lavar louça comerciais, detergentes, prateleiras para a máquina, produtos para tratamento da água e serviços adotou um modelo assim com um programa chamado Pay Per Wash (pague por lavagem). Em vez de vender ou alugar seus produtos, a empresa cobra seus clientes pelo ciclo completo de lavagem.

Da mesma forma, os sistemas de análise genética de última geração da Thermo Fisher Scientific apresentam sequenciamento de DNA “pay per lane” (pague por reagente). A plataforma é a primeira a permitir que os laboratórios executem apenas uma, algumas ou todas as sequências e paguem apenas pelos reagentes usados nas sequências que escolherem.

Nos modelos de receita de compartilhamento, os vendedores gerenciam ou se associam a uma plataforma para distribuir um produto ou serviço para muitos interessados. Os negócios de consumo colaborativo estão crescendo a uma taxa impressionante, porque não apenas reduzem o desperdício para os clientes, mas também melhoram a utilização dos bens – e, portanto, o retorno sobre o investimento – para os donos dos produtos.

Uber e Airbnb são exemplos óbvios disso, assim como a startup de logística Flexe, que indica para varejistas os depósitos que possuem espaço disponível, e a SpotHero, que ajuda os motoristas a encontrar vagas de estacionamento em cidades lotadas ao identificar vagas disponíveis em seus parceiros.

Porém, talvez o maior impacto dos modelos de compartilhamento seja sentido em economias mais rurais e menos desenvolvidas, nas quais a tecnologia da informação possibilita o compartilhamento de bens essenciais, como equipamentos agrícolas, em escala muito maior do que era possível antes. Um exemplo é a Hello Tractor, cuja plataforma permite que fazendeiros na Nigéria tenham acesso a maquinário pagando pelo uso, ao mesmo tempo em que fornece a segurança que os proprietários das máquinas exigem por meio de rastreamento remoto.

Da mesma forma, a Trringo, um serviço de aluguel de tratores e equipamentos agrícolas da Índia, se esforça para tornar esses recursos escassos acessíveis e baratos para os agricultores de todo o país. Esses exemplos ressaltam a relação inerente entre as iniciativas que lidam com os desperdícios de consumo e aquelas que lidam com os desperdícios de acesso. Por mais que o acesso a equipamentos agrícolas não garanta o consumo, não há consumo sem acesso.

Cada um desses modelos auxilia os clientes ao remover o que os impede de usar as soluções existentes e ao ativar capacidades que estavam inativas ou eram subutilizadas. Mas os modelos de consumo não garantem resultados: eles podem ou não produzir o desempenho que os clientes buscam num produto ou serviço.

Desempenho garantido

O valor entregue para o cliente é o resultado definitivo. Em mercados B2B, entregar valor implica oferecer uma solução que melhore a rentabilidade do cliente, mas assinar um contrato com base no lucro pode ser uma tarefa desafiadora. Muitas vezes, é difícil isolar a influência de um único fator quando uma mescla complexa de fatores está envolvida.

Em mercados B2C, o valor une impressões ou sensações a benefício tangíveis, e a tecnologia de pesquisa ainda não progrediu a ponto de permitir identificar e medir as mudanças na atividade cerebral que sinalizam a satisfação geral que um indivíduo obtém de produtos e serviços. Mesmo se isso pudesse ser calculado, normas sociais impedem que a coleta e o uso de impressões tão íntimas sejam feitas. Em ambos os contextos, a alternativa prática é utilizar um proxy que represente o valor, e que possa ser quantificado pela empresa e também verificado pelo cliente. Vamos considerar três exemplos.

Em vez de vender explosivos, a empresa multinacional australiana Orica implementou um modelo de receita baseado na qualidade das explosões que ela fornece a seus clientes. Seus contratos “rocha-no-chão” são possíveis porque o tamanho da rocha que quebra como resultado de uma explosão tem um impacto significativo no custo operacional de uma mina (mais fragmentação barateia o manuseio e o descarte de detritos indesejados) e, portanto, na rentabilidade da mina. Esses contratos se tornaram uma característica que define a Orica, tanto internamente, na inovação e no desenvolvimento de produtos, quanto externamente, em sua relação com os clientes e em sua posição no mercado.

Na área de saúde, a Roche, multinacional farmacêutica suíça, está desenvolvendo modelos de reembolso pessoal, uma ruptura clara com a cobrança por comprimido ou por tratamento – como é o modelo tradicional da indústria. Em seu novo modelo, a Roche reconhece que os efeitos dos medicamentos podem variar segundo a prescrição (ou seja, a condição específica do paciente) e a interação com outros medicamentos, então os clientes são cobrados de forma personalizada.

Por último, Teatreneu, teatro de comédia famoso em Barcelona, na Espanha, criou um modelo de receita baseado em performance para o entretenimento ao vivo, cobrando dos clientes conforme a apreciação da apresentação. Os clientes entram no teatro gratuitamente, e um sistema de reconhecimento facial montado no encosto à sua frente registra cada vez que riem durante o espetáculo. Cada risada custa 30 centavos de euro, com um custo máximo de 24 euros por apresentação, ou 80 risadas, para que “ninguém precise chorar porque riu mais do que podia pagar”.

Os modelos baseados em desempenho representam o que há de mais inovador quanto à responsabilização por resultados. Esses modelos cobram de forma direta e tão precisa quanto possível pelo valor ou utilidade que os clientes obtêm de uma compra. Não há necessidade de medidas intermediárias, os resultados são monetizados e as ineficiências de acesso, consumo e desempenho são reduzidas.

Faça o que eu digo e o que eu faço

A pergunta existencial para os líderes que demonstram hesitação perante tecnologias novas e uma concorrência disruptiva que podem ameaçar sua receita é: estamos pedindo aos clientes que paguem pelo quê? A verdade nua e crua sobre como uma empresa garante uma boa receita está na resposta dos líderes a essa pergunta, não nas promessas feitas pelo marketing. A evolução do modelo de receita requer uma mentalidade diferente e competências novas. Há cinco perguntas fundamentais a serem respondidas:

1. O que significa “resultado”?

A organização precisa partir dessa definição. Para dar uma base adequada para um modelo de receita, o resultado deve ser:

  • Significativo para os clientes. Isso pode parecer óbvio, mas empresas ainda caem na armadilha de olhar para o próprio umbigo e focar produtos ou serviços nos quais elas têm um interesse inerente ou vantagem tecnológica, mesmo quando essas características não importam para os clientes. (Confira box no fim desta página)

  • Mensurável. A organização e seus clientes devem concordar quanto aos parâmetros que melhor refletem os resultados, além de quando e como eles serão obtidos.

  • Independente. Nem a empresa, nem seus clientes, nem terceiros, podem alterar a medição do resultado em seu favor.

Além disso, os líderes devem considerar o número de resultados que querem que a organização entregue e o nível de controle que têm sobre cada resultado, já que esses fatores podem forçar um trade-off entre complexidade e retorno financeiro. O número correto de resultados está relacionado à heterogeneidade das necessidades e dos desejos dos clientes em seu mercado.

Isso determina se você pode atender ao mercado com um único resultado ou deve apresentar vários. É claro que a empresa que oferece vários resultados provavelmente precisará de mais coordenação e enfrentará desafios maiores em muitas dimensões, desde o desenvolvimento de produtos e operações até marketing e comunicação, mas em contrapartida ela costuma atender – e monetizar – mais clientes.

Em paralelo, resultados costumam ser menos complexos quando podem ser entregues dependendo apenas da organização que faz a venda, ou quando podem ser divididos num conjunto de etapas claras e gerenciáveis. Porém, os resultados tendem a ser mais complexos quando envolvem intermediários e os próprios clientes, ou quando o processo subjacente não é claro ou é difícil de controlar.

Afinal, a complexidade aqui é uma questão de quantos passos a empresa precisa acompanhar e coordenar para implementar e manter um modelo baseado em resultados. Por exemplo, o número de envolvidos é importante, porque se um mercado evolui a ponto de os clientes pagarem segundo uma medida de desempenho, então a equipe responsável por entregar esse desempenho precisa compartilhar a receita resultante dele.

2. O que acontece depois que nossos produtos e serviços chegam aos clientes?

“Qual a quilometragem?” é uma das primeiras perguntas que um mecânico fará quando alguém levar um veículo para manutenção. Essa também é uma das perguntas mais importantes que um comprador de carros usados fará. Esse único número define as expectativas quanto ao desgaste do veículo, a necessidade de reparos, os custos com seguro, valor residual e muito mais.

A quilometragem não conta tudo sobre o uso ou o desempenho do carro. Uma vez que o veículo sai do estacionamento da concessionária, o resto vira uma espécie de mistério. Hodômetros não conseguem nos dizer quem sentou no carro para dirigi-lo, em que condições esses quilômetros foram percorridos e como foi o desempenho do veículo para cada um dos quilômetros. Hodômetros também não têm informação sobre quilômetros que não foram percorridos por conta de algum problema mecânico ou técnico do carro.

O elemento que faltava para entender o valor que os clientes acabam obtendo de suas compras são os dados de impacto. Ao longo das últimas décadas, as organizações com foco no cliente fizeram progressos importantes na compreensão das necessidades e desejos dos clientes, assim como no mapeamento de suas compras e experiências. (Confira o box Além de necessidades e jornadas, no fim desta página). Contudo, antes da ampla disponibilidade de tecnologias da informação, uma empresa não podia observar diretamente, com eficiência e em tempo real, o comportamento pós-compra de seus clientes.

Esse não é mais o caso. Dados de impacto possibilitam que as empresas utilizem esse foco do consumidor e criem modelos de receita efetivos. Sem os dados de impacto (junto com as informações tradicionais sobre necessidades, desejos e jornadas), as empresas não teriam como identificar as ineficiências de acesso, consumo e performance que podem prejudicar os modelos tradicionais de receita baseados em propriedade. Consequentemente, elas não teriam meios confiáveis para se responsabilizarem pelo valor que podem oferecer aos clientes.

Uma grande consideração a se fazer é até que ponto clientes querem compartilhar seus dados de impacto. Embora a coleta de informações sobre necessidades, desejos e jornadas de decisão dos clientes não costume ser invasiva, coletar dados de impacto é. Eles podem revelar fatos, padrões, tendências e comportamentos que clientes preferem guardar para si. Qualquer busca por um modelo de receita melhor, orientada por dados, pode parecer roubo para os clientes, a menos que as empresas protejam a privacidade deles e promovam a confiança. Construir confiança envolve garantir para os clientes que a empresa coleta e usa os dados de impacto para fins que são do interesse deles.

3. Nossos produtos e serviços são otimizados para causar impacto?

Uma questão surpreendente derivada da resposta das duas perguntas acima é que, de repente, os líderes têm uma métrica precisa para avaliar a inovação. Inovação nem sempre serve ao consumidor. Às vezes, mesmo as empresas mais obcecadas por seus clientes mudam o foco para si mesmas em busca de inspiração, por meio de uma solução mais rentável, promovendo recursos desejados pelas equipes internas, ou mesmo estabelecendo compromissos que proporcionam um retorno sobre o investimento inicialmente maior.

Para responder a essa pergunta, os líderes podem revisar e ajustar o portfólio atual de produtos e serviços. Isso possibilita que alinhem melhor seus esforços de inovação com a forma como os clientes obtêm valor, e isso os motiva ou guia para que se livrem de distrações internas e foquem o (re)design em busca de impacto.

4. Como nos engajamos com clientes que participam da criação de valor?

Empresas que adotam um modelo de receita baseado em performance estão assumindo o risco associado à entrega de valor aos clientes. Assumir esse risco não é uma questão de a empresa estar confiante de que consegue criar, de forma consistente, resultados de qualidade por conta própria. Mas o que acontece quando os clientes são participantes ativos na criação de valor? Por exemplo, um remédio novo pode proporcionar um alívio maior, mas só se o paciente cumprir a prescrição médica. Da mesma forma, um curso ou plataforma bem elaborado pode fornecer um aprendizado superior, mas o resultado depende do esforço do aluno.

Quando os clientes participam da criação de valor, o risco inerente pode ser excessivo para a companhia, a menos que ela ofereça os incentivos corretos para garantir que os clientes contribuam da melhor forma. A maneira mais simples de motivá-los a colaborar é recompensá-los proporcionalmente por agirem de forma a melhorar a qualidade subjacente do resultado. Em outras palavras, conforme a pizza do valor aumenta na troca entre empresa e cliente, este deve se beneficiar de uma fatia cada vez maior.

Além das recompensas financeiras, as empresas têm três opções para mitigar o risco dos clientes que assumiram. Primeiro, elas podem formalizar contratos para que ambas as partes reconheçam seus direitos e obrigações numa relação de pagamento por desempenho. Segundo, podem usar a gamificação – competição, sistema de pontos ou outro mecanismo motivacional – para dar um empurrãozinho em seus clientes rumo ao comportamento esperado.

Por fim, as empresas podem estender suas operações e assumir responsabilidades que costumam ser dos clientes. Essa opção faz sentido sempre que os clientes têm conhecimento, habilidades ou recursos suficientes para garantir um resultado equivalente ao que a empresa poderia fornecer – algo que se vê com frequência em mercados industriais, nos quais muitos fornecedores líderes se reinventam como provedores de soluções.

5. Qual é o plano de transição?

Mudar a forma como sua empresa ganha dinheiro não é fácil. A natureza de seu produto (física ou digital), o ritmo das mudanças tecnológicas em seu mercado e as crenças sobre quanto tempo seus clientes levarão para mudar de hábitos provavelmente são fatores importantes para se decidir quando agir. Quando a hora chegar, você precisará escolher entre a abordagem radical de lançar o novo modelo enquanto desativa o antigo, ou entrar em uma realidade nova com vários modelos de receita em paralelo por certo período de tempo. Nenhuma das abordagens é tranquila, e ambas dependem de sua capacidade de gerenciar as expectativas dentro e fora da empresa.

A primeira abordagem é arriscada, já que você coloca todos os ovos na mesma cesta, e é quase certo que isso trará perdas no curto prazo, pois os custos de transição se acumulam rapidamente e a receita é adiada do ponto de venda para algum ponto no futuro – periodicamente em termos de acesso, de consumo ou de desempenho, dependendo do modelo selecionado. Para uma empresa de capital aberto, esses efeitos podem afastar os investidores, a menos que eles entendam (e concordem com) a estratégia e reconheçam a natureza temporária da crise.

A segunda abordagem parece mais segura, mas não é isenta de riscos. Quando podem escolher, os clientes provavelmente trocam para o modelo de receita que os beneficia mais. Como isso resulta em canibalização, o impacto no curto prazo nas vendas para clientes existentes será negativo, o que pode criar atrito em uma organização que for pega de surpresa. Assim, é importante definir expectativas e estabelecer regras básicas claras se os modelos de receita atuais forem liderados por equipes diferentes, para evitar a competição interna pelos mesmos clientes. Os preços também devem ser ajustados cuidadosamente para minimizar a canibalização.

Independentemente de qual abordagem for adotada, a organização logo precisará se perguntar como o negócio seria se ela lidasse com os clientes com base num modelo de receita diferente.

Imaginar esse cenário requer criatividade e perspectiva. Qual é a referência certa quando uma empresa julga um curso de ação futuro? O ponto de comparação (grupo de controle, por assim dizer) não deve ser o status quo – que é demonstrado pelo desempenho atual dos principais indicadores comerciais e financeiros. Isso dá uma falsa segurança.

Em vez disso, a organização deve fazer uma comparação entre vários futuros, contrastando a provável consequência da mudança planejada no modelo de receita com a provável consequência projetada da inação (ou seja, a decisão de manter o modelo de receita existente). Além disso, o período ideal para essa comparação é o curto prazo, e qualquer queda antecipada em métricas sensíveis, como número de clientes, receita ou rentabilidade, deve ser vista como investimento num futuro mais sustentável.

As empresas que ganham a vida vendendo produtos e serviços tendem a supor que existe uma ligação forte e direta entre quanto os clientes gastam numa oferta específica e quanto obtêm os resultados que desejam. Esse nem sempre é o caso. Propriedade por si só não é igual a acesso, consumo ou desempenho. E quando não é, a consequência da desconexão cai nas costas do cliente.

Quando uma empresa oferece um produto ou serviço superior, especialmente quando tem os recursos para inovar e manter uma vantagem técnica, ela pode prestar a si mesma e a seus clientes um péssimo serviço ao manter o modelo de receita baseado em propriedade. Essa empresa não está avaliando sua vantagem competitiva de maneira adequada. Na verdade, afirmações sobre um valor superior para o cliente são conversa fiada. A não ser que as empresas consigam embasá-las adotando um modelo de receita alinhado com o sucesso dos clientes. Isso deveria ser intuitivo para as empresas – especialmente as que se dizem customer-centric.

Nós encorajamos você a agir conforme essa intuição. Nem toda empresa deve correr para implementar um modelo de receita baseado em performance, é claro. Esse não tem de ser obrigatoriamente o próximo passo. Mas deve ser a meta final. Fazer a transição para alternativas melhores, baseadas no tempo ou no uso, é possível para a maioria das empresas.

O PARADOXO DA QUALIDADE

Por que as empresas não voam para agarrar a oportunidade de monetizar resultados quando, afinal, é isso que os clientes querem? Muitas vezes, descobrimos que é porque elas estão cegas pela qualidade do que ofertam, e assim não imaginam que podem ganhar dinheiro com qualquer coisa que não aquilo que já apresentam ao mercado.

Chamamos esse fenômeno de paradoxo da qualidade, e ele tem pelo menos dois gatilhos. Primeiro, as empresas que investem intensa e continuamente em pesquisa e desenvolvimento são as mais suscetíveis a criar uma verdadeira adoração pelo que produzem. Tal devoção reforça atitudes e comportamentos voltados somente para dentro. Quanto mais a cultura da companhia for enraizada em tecnologias proprietárias, na experiência em engenharia ou no conhecimento que elas têm dos processos, por exemplo, mais difícil é para elas abraçar a responsabilidade sobre o resultado de suas ofertas.

Em segundo lugar, os investimentos altos para o desenvolvimento de produtos e serviços de alta qualidade tendem a tornar os líderes das empresas mais conservadores em qualquer decisão que envolva receita. Isso leva diretamente ao modelo de propriedade tradicional como padrão, porque esse costuma ser o caminho mais simples e seguro para cobrir custos e medir o retorno sobre o investimento, mesmo quando não o maximiza.



ALÉM DE NECESSIDADES E JORNADAS

No fim das contas, as empresas precisam de três tipos de dados para se considerarem verdadeiramente focadas no cliente. O primeiro são os dados relativos às necessidades e desejos do cliente, o que ajuda as empresas a entender as soluções que os clientes comprarão. Esse tipo de dados tem sido a força vital dos departamentos de P&D e marketing há décadas.

O segundo tipo é mais recente e compreende informações sobre as diferentes etapas que os clientes realizam ao buscar e selecionar soluções para satisfazer suas necessidades e desejos. As representações originais dessas jornadas de tomada de decisão eram lineares, com os clientes seguindo um caminho bastante previsível desde o conhecimento e o interesse até a compra real. No entanto, as jornadas de decisão dos clientes de hoje são tudo menos lineares, e seguem aleatoriamente para vários pontos de contato físicos e virtuais, com organizações tentando usar essas informações para criar experiências mais ricas e estabelecer relacionamentos mais fortes com seus públicos-alvo.

O mais novo tipo de dados do cliente são os dados de impacto, que fecham o ciclo na jornada de qualquer empresa para se tornar um negócio focado no cliente. Ele substitui suposições e histórias familiares, possibilitando que as empresas aprimorem seus produtos e serviços para gerar mais valor para elas e para seus clientes. Realmente, os clientes cada vez mais exigem que as empresas usem dados de impacto para atender melhor aos seus interesses – e estão migrando rumo a vendedores que lucram apenas quando seus clientes estão satisfeitos. Os dados de impacto permitem que os clientes paguem exatamente pelo que recebem, nem mais nem menos.



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Autoria

Marco Bertini e Oded Koenigsberg

Marco Bertini é professor de marketing na Esade – Ramon Llull University e cofundador do Institute for Data-Driven Decisions. Oded Koenigsberg é professor de marketing e vice-reitor da London Business School. Eles são os autores de The Ends Game: How Smart Companies Stop Selling Products and Start Delivering Value, em cujos highlights este artigo se baseia.

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