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Sustentabilidade

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Custo-benefício das energias renováveis deve impulsionar transição energética

Aumento crescente da demanda energética tensiona os movimentos globais de sustentabilidade, dando origem a uma matriz mais sustentável

Roberta Fofonka

03 de Junho

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Artigo Custo-benefício das energias renováveis deve impulsionar transição energética

O Brasil esteve à beira de um colapso energético em 2021. Devido à seca, os reservatórios hidrelétricos secaram. Em julho, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) chegou a dizer que a geração de energia seria insuficiente para a demanda do país a partir de outubro daquele ano. Diante da ameaça, optou-se pela importação de energia do Uruguai e da Argentina. E também pelo acionamento de termelétricas, que geram energia mais cara e poluente. À época, levantamento da Engenho Consultoria mostrava que o preço médio do megawatt-hora (MWh) de termelétricas a carvão, gás natural e diesel variava entre R$ 348 e R$ 495. Para efeitos de comparação, a fonte hidrelétrica, que representa mais da metade da matriz energética do país, tinha o MWh a R$ 183.

E quem banca esse adicional? O consumidor, é claro. Em abril deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que a população brasileira teria um acréscimo de 3,39% na conta de luz. A taxa se deve aos R$ 32 bilhões da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo criado para custear políticas públicas do setor. A despesa foi diretamente afetada pela alta do preço do petróleo, uma vez que as usinas termelétricas geram energia a partir de gás natural ou diesel.

Mas nem tudo é terra arrasada. Apesar do contexto desfavorável, a matriz energética brasileira é um benchmark global. Isso porque 82,9% da energia elétrica produzida no país vem de fontes renováveis, segundo a Aneel. A maior parcela é oriunda das hidrelétricas, que produzem 74,4% da energia que abastece o sistema interligado nacional, aponta a ONS.

As usinas hidrelétricas são uma ótima maneira de gerar energia. O problema é que, com o avanço das mudanças climáticas, o modelo fica cada vez mais vulnerável para atender a demanda – que só tende a aumentar. De acordo com a 1ª Revisão Quadrimestral das Previsões de Carga para o Planejamento Anual da Operação Energética 2022-2026, documento divulgado pela ONS, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a carga no sistema interligado nacional deve ser de 70.739 MWmédio no ano de 2022. Para 2026, a estimativa é de 80.818 MWmédio.

Se as hidrelétricas são vulneráveis, e as termelétricas são demasiadamente poluentes, qual é o caminho do Brasil? Existem várias opções (confira ao final da reportagem), mas nenhuma delas supera a energia solar fotovoltaica e a energia eólica. “O país é rico em recursos renováveis, e pode ser um protagonista da transição energética no mundo, passando por esse processo com facilidade de crescimento econômico”, pondera Elbia Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).

A oportunidade não é boa só porque o país é “rico” em sol e vento. Mas também porque o custo-benefício da energia solar e eólica está muito mais em conta. Desde 2017, o preço médio do MWh eólico no leilão de energia está na casa dos R$ 113, mais barato que hidrelétrica. E tão competitiva quanto a energia eólica é a solar fotovoltaica. Desde 2019, o MWh gira em torno dos R$ 115 – em alguns leilões, saiu mais barato do que isso. O valor é cinco vezes menor do que era pago em 2013.

Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), três razões justificam a queda no preço: avanço tecnológico, melhoria do processo produtivo e crescimento do mercado. Por causa desses três fatores, o custo dos módulos fotovoltaicos caiu 86% na última década. Um tombo e tanto.

Além disso, um fator adicional que favorece a expansão solar é a autogeração. As placas fotovoltaicas em telhados e jardins geram a própria energia e poderão até vender o excedente para as distribuidoras. Recentemente, a Absolar fez um estudo em Minas Gerais com base em uma família de quatro pessoas. Ela consome em média 230 KWh por mês, o que resulta em R$ 284 na conta de luz. O estudo mostrou que se essa família fizer um investimento de R$ 11.200, em 9 metros quadrados de módulos fotovoltaicos, seria possível reduzir a conta mensal de energia para R$ 54 – queda de 81%. E esse investimento se paga em quatro anos. Sendo que o sistema fotovoltaico dura em média 25 anos, com garantia do fabricante.

Segundo projeção da Empresa Pública de Energia (EPE), a autogeração deve alcançar entre 28 GW e 50 GW de potência instalada no país em 2050.

Demanda estimula sustentabilidade

Para o diretor de operações da 2W Energia, Claudy Marcondes, a produção de energia renovável pode alavancar o Brasil inclusive em exportação de tecnologia. “O país tem um potencial gigante de ser um hub de modernidade na produção de criptomoedas e hidrogênio verde, por exemplo, que exigem alto consumo de energia. Na China, você faz isso causando poluição. No Brasil, usando energia renovável. Seria uma forma de transmitir a energia verde do Brasil para o mundo”, explica o executivo.

O aumento progressivo da demanda energética tensiona os movimentos globais de sustentabilidade. Para alcançar emissões líquidas de carbono zero até 2050, é preciso implantar ainda nesta década tecnologias que inibam (ou não tenham) emissão de gases nocivos. É o que afirma o relatório The New Energy Outlook 2021 (NEO) da BloombergNEF, análise anual que mede a progressão dos cenários de longo prazo em termos de economia energética.

Para as empresas, a adoção de energias renováveis também representa ganhos financeiros tanto quanto em capital social. Para Marcondes, da 2W Energia, é hora do empresariado entender que as tecnologias que poupam o planeta estão ao alcance e geram valor. “Se você falasse de sustentabilidade cinco anos atrás, o assunto era visto como um bicho complexo, não se entendia direito o impacto. Hoje, significa valor agregado para marcas, produtos e o próprio dia a dia das pessoas. O uso da energia renovável tem muito valor na decisão do cliente e do consumidor final”, diz.

Confira os principais tipos de energias renováveis

Energia solar – A luz do sol transformada em energia elétrica. Quando partículas de luz solar (fótons) colidem com os átomos de silício presentes nos painéis fotovoltaicos, o consequente deslocamento dos elétrons cria uma corrente elétrica contínua, que é a energia solar fotovoltaica.

Energia eólica onshore – Os moinhos de vento, amplamente utilizados desde o século 11 para bombear água, agora giram engrenagens em uma turbina. O movimento das pás aciona um gerador que converte a energia eólica em eletricidade – transferida por cabos subterrâneos até a rede de energia.

Energia eólica offshore – Diferente da onshore, instalada em terra, a eólica offshore é gerada por turbinas fixas e flutuantes instaladas em alto mar. Presente na Europa e na China, a tecnologia pode chegar em breve no Brasil. O decreto nº 10.946, que entra em vigor em julho de 2022, regulou critérios técnicos, exigências e obrigatoriedades de cada projeto.

Pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) – Como o nome sugere, são menores e sem grandes reservatórios. Seu impacto econômico, social e ambiental é mais baixo, pois não desalojam a população no entorno nem exigem o desmatamento de grandes áreas.

Hidrogênio verde – Obtido pela eletrólise, onde uma corrente elétrica de origem renovável divide a água em hidrogênio e oxigênio. O hidrogênio é uma fonte de energia poderosa, três vezes maior do que a gasolina.

Usina Nuclear – O urânio é um insumo relativamente barato e não emite gases de efeito estufa. O problema é o seguinte: a construção de usinas nucleares é dispendiosa e demorada. E até hoje não há descarte adequado para o lixo nuclear, que precisa ser guardado com extrema segurança – sem expor as pessoas à radiação.

Biomassa – As termelétricas movidas a biomassa são aquelas cuja energia é produzida através do bagaço da cana de açúcar. Além de limpa, ela tem caráter complementar às hidrelétricas.

Infográfico Sistema Integrado Nacional

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Autoria

Roberta Fofonka

Roberta Fofonka é colaboradora da MIT Sloan Review Brasil

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