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Estratégia

13 min de leitura

Desenvolva seu ecossistema digital

Para que sua estratégia de ecossistema gere valor, é crucial cultivar a capacidade de estabelecer parcerias online

Ina M. Sebastian, Stephanie L. Woerner e Peter Weill

27 de Junho

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Artigo Desenvolva seu ecossistema digital

Empresas que crescem depressa não avançam sozinhas. Cada vez mais, conseguem resultados criando e orquestrando ecossistemas digitais – redes coordenadas de empresas, equipamentos e clientes – que geram valor para todos os participantes.

Empresas cujo principal modelo de negócios é liderar um ecossistema – tanto na arena B2B como na B2C, o que inclui gestão de energia, crédito imobiliário e serviços financeiros – viram o faturamento subir cerca de 27 pontos percentuais acima da média de seu setor, segundo nosso estudo; no caso da margem de lucro, o crescimento foi de 20 pontos percentuais acima da média.

A pesquisa, feita em 2019 com 1.311 executivos de todo o mundo, revelou ainda que líderes de ecossistemas conseguem resultados extraordinários ao atrair parceiros – e concorrentes – capazes de oferecer produtos e serviços complementares que tornam o ecossistema um destino completo e integrado – o “tudo em um só lugar” – para o cliente.

A oferta de produtos e serviços que se complementam torna mais fácil para o cliente achar uma solução completa para seu problema. Um exemplo: quando a maior seguradora da China, a Ping An, viu que a clientela queria não só seguros, mas também um meio de satisfazer suas necessidades médicas e de bem-estar, a empresa criou a plataforma Good Doctor.

A Good Doctor reúne uma rede de farmácias, hospitais e cerca de 10 mil médicos para prestar serviços de saúde 24 horas por dia, 7 dias por semana. Segundo dados de setembro de 2019, a plataforma atendia mais de 62 milhões de clientes por mês. E mais: quase 37% dos clientes da Ping An usaram mais de um dos serviços da plataforma em 2019, um importante indicador do sucesso do ecossistema.

Liderar bem um ecossistema também significa dar mais opções ao cliente – ainda que isso signifique oferecer um produto ou serviço da concorrência. Na Austrália, a plataforma imobiliária liderada pela Domain trabalha com cerca de 35 instituições de crédito imobiliário para dar ao usuário mais opções na hora de financiar a compra do imóvel. No segundo semestre de 2019, a receita do segmento de soluções ao cliente da plataforma, que reúne as unidades de crédito, seguros e serviços básicos, registrou um salto de 72%.

Como tudo isso sugere, para que um ecossistema digital prospere é preciso ter recursos para a criação de parcerias. Esses recursos devem ser projetados para dar suporte a parcerias digitais, o que é diferente da tradicional parceria sob medida do mundo físico. Em geral, a parceria tradicional inclui relacionamentos exclusivos, contratos de longo prazo e uma integração profunda – algo que leva tempo para conseguir e exige um comprometimento estratégico.

Na parceria digital, o crescimento vem com o acréscimo de produtos e clientes por meio da conexão digital com outras empresas, o que permite uma resposta rápida às necessidades dos clientes. Requer a capacidade de determinar e definir com parceiros quem criará valor, como a receita será repartida e que dados serão compartilhados; exige, também, a capacidade de rapidamente adicionar produtos e serviços de parceiros por meio de conexões plug-and-play que permitam o imediato processamento de pedidos e pagamentos – e, às vezes, a entrega também.

Embora essa capacidade varie muito de um setor para o outro (veja o gráfico no fim desta página), em vários dos segmentos incluídos em nosso estudo a participação de mercado média de ecossistemas crescia quando havia recursos de parceria digital. No setor manufatureiro, a participação média de mercado subiu de 50% para 62%. Em serviços, foi de 21% para 35%, e em varejo, viagens e hospitalidade, passou de 10% para 75%. Além disso, descobrimos que empresas com resultados acima da média em alcance (novos clientes) e escopo (novos produtos e serviços), graças a parcerias digitais, viram seu faturamento crescer 9,8 pontos percentuais acima da média do setor, ao passo que empresas sem parcerias cresceram 7,7 pontos percentuais abaixo da média do setor.

Para entender melhor a parceria digital em ecossistemas, estudamos práticas e resultados de líderes de ecossistemas. Descobrimos que as de maior sucesso davam especial atenção a dois importantes recursos de parceria: prontidão digital e curadoria. Ecossistemas digitais no quartil superior no quesito prontidão digital tinham uma participação de mercado média 110% maior do que a participação de mercado média do quartil inferior. Ecossistemas no quartil superior no quesito curadoria tinham participação de mercado média 128% maior do que a participação média do quartil inferior.

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Prontidão digital

Para a parceria em ecossistemas digitais, líderes de ecossistemas e parceiros devem estar totalmente preparados para gerar e extrair valor. A gigante de serviços financeiros Fidelity Investments começou a desenvolver recursos para viabilizar parcerias digitais em 2017 e hoje conta com um marketplace na divisão de investimentos para pessoas físicas; uma plataforma de bem-estar na divisão de serviços para empresas; e, no braço institucional, um “storefront”, o Wealthscape Integration Xchange. Sua experiência mostra que, para produzir parcerias digitais de sucesso a prontidão digital deve ter três características essenciais: diferenciação, organização digital e abertura.

Diferenciação

Para atrair parceiros, um ecossistema digital precisa oferecer um valor diferenciado que lhe permita se destacar da concorrência. Esse valor pode assumir várias formas, incluindo uma marca confiável, produtos e serviços interessantes, preços baixos ou uma experiência espetacular para o cliente.

Por ser uma empresa bem estabelecida, a Fidelity foi capaz de usar toda a sua linha de produtos e serviços, sua escala e a confiança de milhões de clientes, para promover o novo ecossistema. Todos esses fatores de diferenciação foram usados para atrair parceiros capazes de oferecer serviços adicionais e valor singular para os clientes da Fidelity. Dependendo da fase da vida em que se encontra, por exemplo, um investidor pessoa física pode facilmente ter acesso a produtos distintos como refinanciamento de crédito estudantil ou assessoria jurídica e serviços de mediação por meio de parceiros digitais do grupo. Já gestoras de recursos podem ter acesso a soluções da Fidelity e a mais de 175 tecnologias de terceiros em áreas como gestão do relacionamento com clientes, planejamento financeiro e gestão de carteiras no Wealthscape Integration Xchange.

Organização digital

Líderes de um ecossistema e seus parceiros precisam de um modelo operacional otimizado para ecossistemas digitais. Em geral, isso exige reformular processos adotados em parcerias tradicionais – como compras, controle de qualidade e jurídico – e torná-los mais digitais e conectados. Além disso, líderes de destaque eliminam silos internos, usam metodologias ágeis e recorrem à análise de dados para incorporar rapidez e agilidade ao trabalho com parceiros digitais.

Na Fidelity, um grupo de altos executivos comandou equipes multidisciplinares na execução de onze iniciativas aceleradas para reforçar capacidades organizacionais, incluindo marketplaces digitais e uma estratégia para permitir acesso, via APIs, a recursos essenciais da empresa. A Fidelity também promove uma mudança cultural interna para estimular parcerias, times ágeis e a democratização de dados.

Abertura

É fácil se conectar com bons líderes e parceiros de um ecossistema, pois são empresas capazes de compartilhar recursos cruciais e escalar rapidamente parcerias digitais por meio de APIs. Descobrimos que conexões digitais entre empresas via APIs tiveram um crescimento expressivo nos últimos dois anos. Em 2017, empresas compartilhavam, em média, 24% de seus principais recursos externamente via APIs; em 2019, essa média tinha subido para 37%, um salto de 54%.

Com a migração das operações de corretagem da Fidelity de um ambiente de mainframe para um ambiente na nuvem, a empresa desenvolveu recursos internos que promovem a abertura, o que incluiu criar uma loja de APIs e adotar, por toda a empresa, padrões que permitam a fácil utilização de APIs tanto interna como externamente. Na loja Wealthscape Integration Xchange, por exemplo, clientes B2B podem criar plataformas customizadas que incluam serviços da Fidelity e viabilizem recursos como logon único, abertura de conta e transferência de fundos com muitos dos parceiros digitais da empresa.

O TRABALHO DE CURADORIA

Para crescer por meio de parcerias, líderes de ecossistemas devem fazer uma meticulosa curadoria dos produtos e serviços que querem oferecer. Essa curadoria permite ao líder uma boa coordenação com parceiros digitais na hora de criar e de expandir o ecossistema. Nosso estudo revelou que ecossistemas com maior participação de mercado tinham um desenho mais aberto (ou seja, o convite para participar do ecossistema era estendido a um universo maior de empresas, o que ampliava a seleção de produtos oferecidos aos clientes).

Além disso, abarcavam diversas áreas do ecossistema. O ecossistema da Amazon, por exemplo, inclui áreas de varejo, vendas, compras e operações; já o Healthineers, da Siemens, abarca as áreas de saúde, finanças, vida cotidiana e educação. Na China, o WeChat é o ecossistema preferido para uma série de atividades do dia a dia de seus usuários.

Em 2015, os planos pagos da plataforma de agricultura digital FieldView – de uma subsidiária da Bayer, a The Climate Corp. – cobriam pouco mais de 2 milhões de hectares; em 2019, já eram mais de 38 milhões de hectares. Isso foi possível graças à curadoria de cerca de 65 parceiros cujos serviços – como imagens de satélite, avaliação do solo e mapeamento por drones – são integrados a relatórios, recomendações e programas de plantio que ajudam o agricultor a otimizar a safra. O FieldView mostra que uma boa curadoria possui três grandes características: metas comuns, divisão de benefícios e partilha de informações.

Metas comuns. Líderes de ecossistemas de sucesso criam uma visão comum que serve de base para criação de valor e governança no ecossistema.

A Climate faz a curadoria de um ecossistema diversificado de serviços – incluindo análise de dados, prescrições de plantio que podem ser baixadas para equipamentos agrícolas e seguros – fornecidos por parceiros que são complementares e concorrentes. A empresa busca parceiros que compartilhem sua visão: “Um ecossistema de agricultura digital no qual agricultores de todo o mundo possam acessar com facilidade um acervo vasto e interconectado de ferramentas, serviços e dados para otimizar todas as suas decisões no campo”.

O agricultor pode optar por serviços de parceiros distintos na plataforma e determinar quais deles terão acesso a seus dados. A Climate garante uma experiência uniforme para o produtor rural e reúne dados em um só lugar, utilizando estatísticas do ecossistema para melhorar recomendações agronômicas.

Divisão de benefícios. Um bom líder de ecossistema deixa claro quem captura esse ou aquele valor e estabelece relacionamentos mutuamente benéficos com parceiros. Além de receita, esses benefícios costumam incluir fidelidade dos clientes, engajamento e visibilidade. Muitas das empresas que estudamos testaram parcerias digitais para complementar aquilo que ofereciam com uma curadoria meticulosa de produtos de interesse para sua clientela.

Isso foi importante para satisfazer o desejo dos clientes de ter mais opções, de acordo com executivos que entrevistamos – que observaram ainda que melhorar a experiência do cliente não trouxe, necessariamente, grandes ganhos de receita.

O que fez, isso sim, foi aumentar o engajamento e a fidelidade do cliente. Parceiros, por sua vez, podem se beneficiar da associação com o líder do ecossistema e ganhar visibilidade na base de clientes e em seu setor.

A Climate criou um ecossistema aberto para gerar mais valor para os clientes e promover a inovação no setor agrícola. A empresa facilita a adesão de parceiros ao ecossistema graças a APIs na plataforma para desenvolvedores, embora o processo de aprovação seja rigoroso. Um incentivo comum para o ingresso de parceiros que competem entre si na plataforma FieldView é a oportunidade de aumentar a receita graças à visibilidade e ao acesso à base global de agricultores que são clientes da Climate. Em certos casos, empresas entram na plataforma porque parceiros no varejo e clientes agricultores pedem essa integração.

Partilha de informações. Em ecossistemas digitais, dados são uma moeda valiosa que pode levar a questões potencialmente controversas, como o acesso à identidade de clientes e suas atividades. Um bom líder de ecossistemas define qual informação cada parceiro vai receber e estabelece diretrizes para seu compartilhamento – tanto digital quanto eticamente.

No ecossistema FieldView, todos os parceiros – de start-ups a grandes empresas – devem aceitar que o agricultor terá controle de seus dados e decidirá com quais parceiros vai compartilhar essa informação. A Climate desfez há pouco uma parceria com a Tillable, plataforma de gestão de arrendamento de terra para a agricultura, devido à suspeita de que a empresa teria usado dados do FieldView sem o consentimento de agricultores. Com isso, a Climate enfatizou a privacidade dos dados e o princípio que a norteia, que é tornar mais fácil e seguro para o agricultor compartilhar seus dados com parceiros digitais de sua escolha.

Parcerias digitais para vantagem competitiva Não é facil cumprir, e tampouco sustentar, os seis requisitos da prontidão digital e da curadoria, o que pode explicar boa parte da variação no desempenho de ecossistemas. Nosso estudo mostrou que ecossistemas no quartil superior tinham uma participação de mercado média de 72%, enquanto no quartil inferior a participação de mercado média era de apenas 3%.

Ao menos por ora, ecossistemas digitais obedecem à lei “o vencedor leva quase tudo”. Boas parcerias ajudam a promover essa ideia. Tanto líderes quanto participantes de ecossistemas digitais colheriam o máximo em termos de benefícios ao colocar em ordem sua “casa” digital para que sua singular proposta de valor seja facilmente integrada a produtos e serviços complementares e também ao incorporar parceiros com metas comuns a ecossistemas que permitam a partilha de benefícios e informação entre participantes.

3 PERGUNTAS A FAZER ANTES DE BUSCAR PARCERIAS DIGITAIS

1. COMO PREPARAR A EMPRESA PARA PARCERIAS DIGITAIS? Para começar, identifique serviços únicos, diferenciados, que sua empresa pode disponibilizar por meio de APIs a parceiros digitais, que irão complementá-los para criar propostas de valor singulares para sua clientela. Promova a transformação digital internamente para maximizar sua capacidade de atrair parceiros externos.

2. COMO SERIA UM ECOSSISTEMA DE PARCEIROS COM UMA BOA CURADORIA? Na hora de escolher, seja seletivo. Busque parceiros com produtos e serviços interessantes e complementares – e que compartilhem sua visão com o cliente –, faça parcerias mutuamente benéficas e compartilhe informações de forma eficaz, o que geralmente envolve a partilha em tempo real. Agregue informações para ajudar sua empresa e seus parceiros a medir o sucesso.

3. QUEM SERÁ RESPONSÁVEL EM SUA ORGANIZAÇÃO POR PARCERIAS DIGITAIS? É muito comum não haver um responsável por parcerias digitais, ou que isso fique a cargo da área de compras – cujo foco tende a ser conseguir o melhor preço para um determinado produto. Nossos dados mostram que o domínio do digital e o envolvimento da liderança da empresa são essenciais. A presença de um CEO e de um diretor de digital hábeis na condução de uma transformação digital é um ótimo indicador de participação no ecossistema. E outros executivos com experiência no digital, como CFOs, diretores de marketing e diretores de unidades de negócios são particularmente importantes para executar parcerias digitais e capturar valor de ecossistemas.

SOBRE O ESTUDO

Em 2017, os autores examinaram mais de 158 empresas para buscar entender o efeito de parcerias no desempenho de ecossistemas digitais, tanto no âmbito de empresas como no de ecossistemas.

Em 2018-2019, entrevistaram mais de 70 executivos responsáveis por parcerias em ecossistemas digitais de setores distintos (incluindo indústria manufatureira, serviços financeiros, software e serviços de TI e saúde) para entender o que funcionava ou não.

Em 2019, fizeram um levantamento com 1.311 empresas, examinando uma série de áreas da transformação digital, incluindo modelos de negócios e o papel da alta equipe gestora na transformação digital.

Os autores chegaram aos conceitos de curadoria e prontidão digital com base em entrevistas e na literatura sobre o assunto. Para testar seu efeito na participação de mercado de ecossistemas e no desempenho de empresas, recorreram a análises estatísticas.



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Autoria

Ina M. Sebastian, Stephanie L. Woerner e Peter Weill

Ina M. Sebastian e Stephanie L. Woerner são pesquisadoras do Center for Information Systems Research (CISR) da Sloan School, no MIT. Peter Weill é presidente e pesquisador senior do CISR.

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