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Diversidade e inclusão

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Diversidade sem inclusão: o mito da neutralidade

Depois das comemorações do Dia da Mulher, as profissionais da sua empresa vão retornar às suas posições para enfrentarem sozinhas as imensas inequidades de todos os dias? Cuidado com o tokenismo

Colunista Margareth Goldenberg

Margareth Goldenberg

09 de Março

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Artigo Diversidade sem inclusão: o mito da neutralidade

O Dia Internacional da Mulher passou, e tenho algumas reflexões que gostaria de compartilhar. Tenho acompanhado aquela movimentação habitual em algumas empresas, em busca das mulheres das posições de liderança em seus times – sobretudo em produção, logística, engenharia, tecnologia e qualquer outra área predominantemente masculina. A correria tem um sentido: encontrar participantes para eventos comemorativos e rodas de conversas inspiradoras, criar e destacar role models para outras mulheres. A mensagem transmitida é que a empresa é um bom espaço de trabalho para elas e que, se essas profissionais conseguiram ter sucesso, outras também conseguirão se quiserem.

Algum problema em relação a isso? Não! Se no decorrer do ano, a ambiência corporativa for genuinamente inclusiva, justa, sem discriminação, com isonomia salarial e com oportunidades equitativas de desenvolvimento para todas, todos e todes, está tudo indo muito bem. Mas, se quando a data passar, as mesmas mulheres retornarem às suas posições para enfrentarem sozinhas as imensas inequidades de todos os dias, as coisas não estão andando como deveriam na empresa. Essa situação tem sido chamada de tokenismo. E significa que, sem inclusão, a diversidade pode ser um grande problema.

O maior problema – e o maior mito

Frequentemente sou indagada, nas conversas com lideranças, workshops e debates, sobre qual seria o maior desafio das jornadas de diversidade, equidade & inclusão (DEI) no mundo corporativo. Eu sempre respondo: conquistar a verdadeira ambiência inclusiva, onde a singularidade, de cada uma e cada um, possa ser expressa e valorizada e o sentimento de pertencimento seja real. Valorizar a singularidade, explico, significa olhar para os marcadores identitários das pessoas: seu gênero, sua raça, sua idade, sua deficiência ou sua orientação sexual e identidade e assumir que tudo isso importa.

Vocês sabem que essa conquista é, ainda, muito incomum nas empresas. Muitos orgulhosamente proclamam: “para mim todos são iguais!” ou “nós já tratamos todos com igualdade e respeito, e isso é suficiente”. No dia a dia, a gente sabe que não é bem assim. Quando alguém finge que não enxerga diferenças no time, na verdade, essa atitude apenas reforça um dos mais comuns mitos corporativos que inviabilizam o avanço da real inclusão: o mito da “falsa ideia da neutralidade e igualdade”.

Ignorar as diferenças, as barreiras estruturais e culturais das mulheres, das pessoas negras, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e outros grupos sociais minorizados impede que oportunidades equitativas e intencionais sejam oferecidas para cada profissional com toda sua singularidade. E com oportunidades apenas iguais, a inclusão real não vai florescer.

Singularidade com pertencimento: evitando a “porta giratória”

Enxergar todos, todas e todes como iguais é negar à pessoa o desejo humano de ser singular. Quem eu sou, meu gênero, minha idade são elementos que agregam valor à minha pessoa e ao meu trabalho; não devem ser ignorados e, sim, valorizados. Dizer que não vê raça, cor ou etnia de um profissional significa algo como “não vejo você como inferior, vejo você como branco”. E isso sugere que ser branco é a norma e o ideal. Percebem o problema por trás dessa atitude? Em um contexto de imensa injustiça social como temos no Brasil, ser neutro ou só valorizar a igualdade significa compactuar com as inequidades e ajudar a perpetuá-las.

Sim, somos todos iguais perante a lei, aos direitos e à não discriminação. Mas também somos diferentes e únicos. Precisamos enxergar e valorizar essa singularidade para poder oferecer equidade por meio de oportunidades diferentes para necessidade diferentes. E aqui, a célebre frase de Boaventura de Souza Santos nos ajuda a compreender a profundidade e a importância de se olhar para a igualdade, valorizando as diferenças:

“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza. E temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.”

Outro elemento fundamental para conquistarmos a inclusão genuína é o pertencimento. Não adianta ser reconhecida com todas as minhas singularidades se enfrento assédio, discriminação ou isolamento social no ambiente de trabalho em virtude de minha identidade.

Não ser convidada para um almoço com o time, ser ignorada quando dou minha opinião em reuniões ou ver meu trabalho desvalorizado ou creditado a outros, significa sentir que não pertenço àquele lugar. Ser marcado com o “carimbo da diversidade”, quando profissionais de grupos sociais minorizados não escolheram este papel, tem sido muito frequente também, gerando um sentimento intenso de não pertencimento, o que leva à falta de engajamento, redução de rendimento e ao aumento de pedidos de demissão.

Diversidade sem inclusão reforça o fenômeno da “porta giratória”, que temos visto frequentemente no mercado. Somos contratados em nome da diversidade e saímos por não nos sentirmos incluídos.

Quando há inclusão genuína, as pessoas se sentem valorizadas e aceitas do jeito que são. Esse é o maior desafio das lideranças, como bem diz Stephanie K. Johnson: “Criar inclusão para que o trabalho das pessoas seja bom para o negócio e para que trabalhar nessa organização seja bom as pessoas.”

A singularidade somada ao pertencimento gera a real inclusão!

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Colunista Margareth Goldenberg

Margareth Goldenberg

Psicóloga e psicopedagoga, especialista em direitos humanos e mundo corporativo. Há 27 anos atua nos temas de responsabilidade social, educação, diversidade e equidade de gênero em grandes corporações. Gestora Executiva do Movimento Mulher 360 e CEO na Goldenberg Responsabilidade Social e Diversidade, atua ainda como consultora estratégica e tática em diversidade e inclusão em várias empresas como Santander, Vivo, Roche, Eurofarma, Magazine Luiza, Globo, Suzano, Raia Drogasil, Fiat Chrysler, Gol , DPSP e Comgás, dentre outras.

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