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Tecnologia e inovação

9 min de leitura

Games, blockchain e modelos de negócio na Web3

Não adianta usar novas tecnologias se há falha no modelo do negócio

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

08 de Fevereiro

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Artigo Games, blockchain e modelos de negócio na Web3

No começo deste ano, surgiram alguns artigos e matérias questionando a viabilidade dos games baseados em blockchain e que se utilizam de crypto economics, com manchetes que ressaltam a queda vertiginosa de tokens de alguns jogos baseados na tecnologia.

Mas será mesmo o fim do uso da tecnologia blockchain e do uso de criptoativos na indústria de games? Será que a queda no preço desses ativos tem mesmo relação com o uso da tecnologia em si, ou está mais ligada à uma falha no design do negócio?

Eis o tema central deste artigo, onde exploraremos: a introdução de tecnologia de núcleo como blockchain nos jogos de computador, a evolução dos modelos de negócios nos games e seus reflexos na Web3.

As fronteiras entre games, mídia, esportes e comunicação estão desaparecendo rapidamente

Foi no final do século XX que os primeiros jogos de computador foram desenvolvidos, com o único objetivo de divertir e distrair as pessoas de seu trabalho rotineiro, mergulhando-as em um mundo de fantasia.

É por isto que os jogos competem pelo tempo dos usuários com as formas tradicionais de entretenimento, como cinemas, circos, teatros, zoológicos, etc. Não à toa, as fronteiras tradicionais entre jogos, mídia, esportes e comunicação estão desaparecendo rapidamente, criando novas parcerias comerciais e causando cada vez mais fusões e aquisições em todo o mundo.

Faz tempo que games deixaram de ser brincadeira de criança

De acordo com o relatório da Newzoo, as receitas globais de jogos foram de cerca de US$ 144,24 bilhões em 2019, US$ 180,3 bilhões em 2022 e, as projeções continuam crescendo. Em 2025, é esperada uma receita de US $211,2 bilhões.

Quando observamos o mercado global de jogos por segmento e por região, o tamanho do mercado voltado para games via celular surpreende: US $92,2 bilhões no ano passado.

Também, ao analisarmos o mercado de games por região, os números impressionam, principalmente o volume de gastos de todos os consumidores com jogos na China, US$ 45,8 bilhões, e nos Estados Unidos, US$ 45 bilhões.

Games e novas tecnologias

A indústria de desenvolvimento de jogos experimentou uma profunda transformação nos últimos cinco anos. Com o surgimento de lojas de aplicativos móveis e plataformas de distribuição digital, até mesmo estúdios menores ganharam a capacidade de criar jogos para o mercado global.

A introdução de novas tecnologias, tais como inteligência artificial (IA), realidade virtual (VR) e blockchain, tornou-se uma das principais tendências do mercado de games. Nessa linha, nos últimos 6 anos, surgiram inúmeros aplicativos e serviços de jogos habilitados para blockchain.

As novas tecnologias foram, então, um divisor de águas para o crescimento do mercado e a evolução dos jogos.

Os modelos de negócios na indústria de games

Desde a década de 1970 até os anos 2000, o modelo de negócios mais prevalente para a indústria de jogos era “pagar para jogar” (pay-to-play, em inglês).

Em 2010, surgiu o modelo de jogo gratuito. Popularmente conhecido como free-to-play (“grátis para jogar”, na tradução em português), este modelo já foi considerado um modelo de negócios desastroso. No entanto, provou ser a melhor maneira de monetizar, além de ser o principal motivo por trás da ascensão cultural dos games.

Pois bem, no modelo free-to-play, os jogos são oferecidos aos jogadores sem custo inicial. Nesse tipo de modelo, as compras no jogo (itens e atualizações que aprimoram os recursos no jogo) e os anúncios constituem a maior parte da receita dos estúdios de publicação.

Mas, nos últimos anos, vários jogos baseados em blockchain passaram a adotar o modelo play-to-earn (P2E, na sigla em inglês), que é exatamente o que o nome sugere: um modelo onde os usuários jogam para ganhar tokens nativos do jogo ou criptomoedas.

A idéia principal no P2E é que os jogadores sejam recompensados conforme "invistam mais tempo e mais esforço no jogo" e, assim, passem a participar da economia dentro do jogo (crypto economics), criando valor para si, para outros participantes no ecossistema do jogo e, também, para os desenvolvedores.

Eles recebem um incentivo/recompensa por sua participação e tempo de jogo na forma de ativos digitais com potencial valorização ao longo do tempo. Agora, em oposição ao P2E, surgiu o play-and-earn (P&E, na sigla em inglês).

Tanto o P2E como o P&E são modelos de negócio que utilizam a tecnologia blockchain em games.

Mas antes de comentarmos as características do P&E, é preciso compreender os problemas existentes no modelo de negócio anterior.

Os problemas com o modelo Play2Earn

No play to earn, os usuários investem para começar a jogar, depois completam desafios, missões, etc., com o objetivo principal de ganhar criptomoedas ou o token nativo do jogo.

Os jogos P2E blockchain são praticamente como diz o nome - os gamers jogam para ganhar “moeda” (o token nativo do game). Por exemplo, os jogadores completam desafios como missões ou batalhas em troca de tokens que podem adicionar às suas wallets ou gastar em ferramentas no próprio jogo.

Este é um dos primeiros modelos de jogos em blockchain que surgiram e continua popular até hoje em dia, mas mudou com o tempo….

Os primeiros jogos P2E permitiam que os usuários começassem a jogar com um investimento mínimo - naquela época, os usuários tinham que comprar um NFT de uma coleção limitada, o que significava que já tinham que ter um certo nível de compreensão e competência para manusear criptomoedas/tokens.

Acontece que muitas vezes esses jogadores compraram um ou mais NFTs da quantidade limitada disponível com o único propósito de obter lucro, ao invés de desfrutar do jogo em si.

À medida que mais usuários se juntaram a esses jogos e os NFTs e tokens que eles ganharam cresceram de valor - porque se tornaram mais escassos -, as recompensas se tornaram mais lucrativas e o custo do jogo se tornou mais alto.

Ora, isso fez com que muitos usuários iniciantes e de nível médio não tivessem condições de jogar se unissem em guilds (clãs).

Esses clãs são grupos de jogadores ou investidores que compram NFTs de alto valor e depois os alugam aos gamers para que eles possam jogar e ganhar tokens. Nesse passo, os usuários pagam de volta os clãs com os tokens obtidos no jogo - o que essencialmente funciona como um compartilhamento de receita.

Aqui, importante notar que embora os clãs sejam altamente influentes dentro da economia dos games, eles funcionam fora do ecossistema do jogo - o que significa que os recursos que eles ganham normalmente não são gastos dentro do jogo.

O modelo P&E resgata a essência dos games: o entretenimento

Como dissemos no começo deste artigo, os jogos surgiram para proporcionar diversão a seus usuários.

Mas, como vimos, a finalidade principal dos games que é divertir, acabou perdendo espaço no modelo P2E – cujo design acabou priorizando o ganho monetário de atores que nem faziam parte do ecossistema do game.

Neste contexto, o modelo play-and-earn é uma evolução da estrutura P2E que coloca o foco de volta no entretenimento.

Ou seja, o P&E tem como foco principal priorizar a experiência proporcionada aos jogadores, conciliando a essência dos jogos (diversão e entretenimento) com uma economia de jogo sustentável e aberta.

Nos jogos P&E, ao contrário de seu predecessor, os jogos são gratuitos - os gamers podem então ganhar recompensas em tokens e NFTs por serem altamente habilidosos, recompensas estas que permanecem no ecossistema do jogo.

O ponto central P&E é que ele coloca a experiência ao usuário (gamer) como foco principal do modelo de negócio.

No modelo P&E, o entretenimento dos jogadores possui um alto valor, colocando a experiência como o principal incentivo para os usuários continuarem jogando. Neste modelo, como a diversão do usuário é o foco principal, as recompensas via tokens tendem a ser reutilizadas dentro do jogo – já que o custo para jogar é gratuito, e as recompensas servem como ferramenta para melhorar a experiência no jogo.

Os games em blockchain estão só no começo

O uso da tecnologia blockchain em games trouxe escassez aos ativos digitais dos jogos, que se tornaram únicos (NFTs) e podem representar absolutamente qualquer coisa (roupas para avatares, ferramentas ou ingressos para shows dentro o jogo, terrenos virtuais, etc.).

A tecnologia se tornou decisiva para os modelos de negócios dos jogos.

A principal vantagem é que os ativos do jogo nativo vão para plataformas de blockchain globais, em vez de ficarem amarrados e fechados na plataforma de determinado jogo, ou em ambientes locais controlados por empresas de desenvolvimento de videogames.

A principal vantagem do uso de blockchain em games - que é dar a propriedade dos ativos digitais aos jogadores - não foi abalada com o desempenho destes jogos. O que a queda no preço dos tokens desses jogos foi ocasionada pela falha no design do modelo play-to-earn ao priorizar os ganhos de ativos digitais em detrimento do objetivo essencial de qualquer jogo - a diversão.

Nessa linha, o modelo play-and-earn surgiu para suprir os problemas provocados pelo modelos play-to-earn, e trazer o foco dos games novamente no entretenimento. Mas, antes de avançarmos em nosso artigo, vale a pena esclarecer o que são tokens.


A diferença entre criptoativos, criptomoedas e tokens

Ativos digitais são ativos que podem ser comercializados e armazenados em formatos digitais. Quando os ativos digitais são comercializados via tecnologia blockchain, eles são chamados de criptoativos e possuem duas espécies: criptomoedas e tokens.

Portanto, tanto criptomoedas como tokens são espécies de criptoativos, e ambos são utilizados como uma forma de armazenar e transacionar valor.

A principal diferença entre eles é lógica: criptomoedas representam transferências de valor “incorporadas ou nativas”; tokens representam transferências de valor “personalizáveis ou programáveis”.

Uma criptomoeda é um ativo digital “nativo ou incorporado” em determinada blockchain, que representa um valor monetário e contribui para a segurança da rede blockchain - sendo utilizada como mecanismo de incentivo no algoritmo de consenso. Você não consegue programar uma criptomoeda, isto é, você não consegue alterar as características de uma criptomoeda porque suas características estão predeterminadas no seu blockchain nativo.

Já os tokens são um ativo digital personalizável/programável que rodam em uma blockchain de 2ª ou 3ª geração que admite contratos inteligentes (códigos de software) mais avançados como o Ethereum, Polygon, Polkadot, Binance Smart Chain (BSC), dentre outros.


Pensamentos finais

Os games que utilizam blockchain são fundamentalmente diferentes dos jogos tradicionais por causa da maneira como se aproximam da propriedade.

Os jogos em blockchain dão aos jogadores controle total sobre os ativos digitais que eles ganham ou adquirem através de sua participação nos jogos.

Por outro lado, as falhas de design provocadas pelo modelo P2E em alguns jogos, não significa o fim dos jogos baseados na tecnologia blockchain, nem em qualquer outra tecnologia.

Afinal, os jogos, baseados na tecnologia blockchain ou não, devem sempre preservar sua essência e priorizar a experiência dos jogadores para ser um sucesso como negócio, e não apenas a rentabilidade.

E você? Sabia dos diferentes modelos de negócios existentes nos games? Tinha ideia do tamanho do mercado global de games?

Compreendeu que os modelos de negócio evoluem e que a falha no design de determinado jogo não significa o fim do uso da tecnologia e nem de criptoativos nos games?

Percebeu como a tecnologia blockchain agrega valor à indústria de games - principalmente, ao devolver a propriedade dos ativos aos gamers -, o que está em total sintonia com o espírito da Web3?

Conhecimento é poder!

Nos vemos em breve.

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Colunista

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo é LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Professora do curso Blockchain para negócios no Insper. Autora de três livros “Blockchain- Tudo o Que Você Precisa Saber”, “Bitcoin, CBDC, Stablecoins e DeFi”, e “Cryptocurrencies in the International Scenario”.

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