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Inteligência Artificial

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IA na saúde: o que falta para médicos serem protagonistas?

Alguns domínios de conhecimento, acessíveis e em profundidades diferentes, podem trazer o médico para o centro de projetos de IA em saúde – o que é mais que necessário

Colunista Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles

30 de Maio

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Artigo IA na saúde: o que falta para médicos serem protagonistas?

Temos discutido bastante o impacto da inteligência artificial na saúde. A IA está mudando a atuação dos profissionais, empoderando pacientes, reduzindo custos no setor e, também, trazendo benefícios que podem não ser reais.

Por outro lado, existe pouca discussão sobre o papel relevante do profissional de saúde (usaremos, neste texto, o médico como exemplo) na implementação e condução das soluções de IA no setor. Convidamos vocês para uma breve discussão sobre o tema, baseada na experiência que temos adquirido com projetos e produtos de IA na saúde.

O profissional de saúde é relevante na implementação de soluções de IA em clínicas, hospitais, operadoras e outros ambientes do setor. Mas ainda há dúvidas quanto ao seu papel na condução de projetos que envolvam IA. O médico está deixando de ser coadjuvante para ser protagonista, já que o ponto mais relevante no momento é a transição de um modelo de remuneração baseada em serviços para a saúde baseada em valor.

Desenvolvimento da IA na saúde

Há cinco anos, quando elaborávamos um curso de IA para médicos, gestores e outros profissionais de saúde, ficávamos entre dois extremos de abordagem: a motivacional e a técnica. Nem sempre conseguíamos dosar o ponto de equilíbrio do conteúdo, deixando os alunos por vezes mais confusos. Ou falávamos para os mais experientes sobre o impacto, futuro e oportunidades em IA ou fazíamos workshops práticos, no modelo de datathons e hackathons, atingindo geeks, a maioria sem vivência clínica ou de pesquisa.

Embora os eventos fossem muito bem avaliados pela plateia, muitos saíam com dúvidas relativas a como atuar ou se preparar para fazer parte desse processo. Passados alguns anos, podemos dizer que esse espaço de atuação do médico tem ficado bem mais definido.

Dentre os fatores que contribuíram para a definição está a mudança recentemente adotada pelas principais empresas, centros e pesquisadores de como desenvolver IA na saúde. O foco anterior era no desenvolvimento dos modelos de machine learning e avaliação de sua performance, o que era chamado de IA centrada no código. Atualmente, o foco principal está nos dados, sendo fundamentais não só sua análise adequada, mas também a anotação por profissionais experientes, organização em data lakes e soluções de estruturação e busca nos dados existentes.

Além disso, a necessidade de validação técnica e, principalmente, da comprovação clínica emerge como condição sem a qual não pode haver entrega real de valor na saúde. Como os passos para validação clínica, os processos, as práticas assistenciais e os desfechos são muito bem conhecidos dos médicos especialistas e pesquisadores, são eles que passam a ser os protagonistas do sucesso desse desafio.

Nessa nova abordagem, fica evidente uma grande lacuna de conhecimento entre os médicos especialistas e as equipes tecnológicas. A barreira é dificilmente superada por metodologias usadas em desenvolvimento de software, como reuniões de alinhamento, sprints etc. E a maneira de se tratar essa lacuna é um fator crítico, pois ficou evidente com os erros das numerosas tentativas de implantação de IA nos últimos anos.

Para a resolução do problema, a participação de médicos, tecnólogos e outros profissionais de saúde precisa cobrir o domínio de conhecimento necessário para juntar todas as pontas. Sabemos hoje que o conhecimento relativo aos dados, os processos subjacentes, desfechos clínicos ou operacionais e a validação no mundo real constituem a parte mais ampla e complexa do processo. Assim, quais são os conhecimentos que os médicos devem adquirir para participar como protagonistas da revolução de IA na saúde?

Como trabalhar com IA na área da saúde

A questão "o que devo saber ou fazer para trabalhar com IA na saúde?" surge em quase todas as palestras sobre o tema, seja para alunos de medicina, médicos formados, gestores em saúde ou outros profissionais da área. Como vimos, IA em saúde ainda é algo novo e em evolução e não há uma abordagem comprovadamente eficaz para esse conhecimento, que deve ser multidisciplinar e interconectado.

Com base nos atuais pilares de implementação de IA que discutimos, podemos conjecturar sobre alguns domínios de conhecimento que devem compor a formação de um profissional na área da saúde que queira entrar para IA. Para isso, consideramos que esse profissional pode ser um médico especialista que deseja agregar valor à sua especialidade, um médico generalista que busque melhorar sua atuação e atenção aos pacientes ou qualquer outro profissional de saúde que veja oportunidades de otimização da sua participação no setor.

Grandes blocos de conhecimento deveriam fazer parte da formação de IA na saúde, em níveis de profundidade diferentes, tais como economia da saúde e gestão populacional, pesquisa clínica, aprendizado estatístico e lógica de programação. E a abordagem deve focar as habilidades necessárias para conduzir os projetos e pesquisas, o que reduz consideravelmente a carga de conhecimento a ser adquirida em cada um dos domínios, tornando-os acessíveis a qualquer profissional com formação básica em saúde.

Com esses fundamentos, o médico ou outros profissionais de saúde não só podem, como devem assumir a responsabilidade no projeto, fazendo-se presentes como principais avaliadores e validadores em todas as etapas críticas, como a concepção, metodologia, análise, validação e implantação do projeto, incluindo a elaboração dos indicadores, os desfechos e as diretrizes éticas para dados e algoritmos. Dessa forma, os médicos e demais profissionais passam de simples espectadores a principais protagonistas na condução dos projetos que envolvam IA em saúde, beneficiando todos os elos da cadeia, principalmente o maior interessado: o paciente.

Artigo escrito em parceria com o Dr. Marcelo Félix, médico radiologista e diretor de Big Data.

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Colunista Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles

É fundador, investidor e conselheiro de startups, principalmente na área da saúde. Médico radiologista, com especialização, doutorado e pós-doutorado no Brasil e no exterior. Tem experiência como executivo de grandes empresas de saúde, com MBA em gestão empresarial. Mais informações em: www.gustavomeirelles.com.

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