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Imposto: é o que temos para hoje

O Acordo de Paris não vai funcionar. O programa dos EUA de Biden é melhor que o anterior, mas insuficiente. O único modo de lutar contra o desastre climático não é nada agradável, mas necessário

Colunista Carlos de Mathias Martins

Carlos de Mathias Martins

31 de Janeiro

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Artigo Imposto: é o que temos para hoje

Agora que o fim da democracia acabou de acabar, exatamente neste átimo que coincide com a posse do presidente americano Joe iden, podemos concentrar nossas energias no tema mais importante que nos assola, o verdadeiro risco existencial para a humanidade representado pelo fenômeno das mudanças climáticas.

Infelizmente as notícias que vêm dos EUA, cuja liderança pode evitar o Armagedon climático, não são de todo alvissareiras. O programa de governo do presidente Biden é bastante focado em fomentar investimentos em energia renovável, mas insuficiente para reduzir a preponderância dos combustíveis fosseis na matriz energética americana.

Adicionalmente, a nomeação do ex-senador John Kerry para o posto de czar do Clima da administração Biden causa uma sensação de “déjà vu all over again”. Kerry foi ministro das relações exteriores do governo Obama cujo vice era Biden, e negociador chefe dos EUA durante as tratativas que culminaram com o Acordo de Paris. É consenso entre os especialistas que as metas climáticas adotadas à época pelo governo americano eram pouco ambiciosas, insuficientes para manter a temperatura da atmosfera terrestre em níveis seguros. Enfim, segundo citação falsamente atribuída a Albert Einstein, um sinal de insanidade é repetir os mesmos erros diversas vezes e esperar resultados diferentes. Obviamente essa afirmação não vale nem para a politica nem para a mecânica quântica.

Mas não me entendam mal. Para mim, Barack Obama é um herói de guerra, até por que sob a administração do presidente Obama os EUA passaram todos os dias de oitos anos de mandato guerreando contra algum país. E longe de mim criticar o dorminhoco Joe Biden (o apelido é bom!), o homem que derrotou o facínora laranja. Fato que, aliás, remete a um dos maiores westerns de todos os tempos, The man who shot Liberty Valance.

Para os millennials que acham filmes de bang-bang antiquados, vale registrar que a série Mandalorian é basicamente um faroeste cujos bandidos, no caso os stormtroopers, não acertam nenhum tiro. Além disso, os atores dos westerns originais eram todos de primeira linha, enquanto que a estrela principal da série da Disney é um boneco. Mas eu divago.

Climate Clubs como solução

O presidente Joe Biden acaba de decretar o retorno dos EUA ao Acordo de Paris, menos de dois meses após o ex-presidente Trump – um Liberty Valance em versão alaranjada? – ter retirado o país norte americano do tratado climático. O Acordo de Paris é um documento de 16 páginas – negociado no âmbito da Convenção-Quadro da ONU sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) – em vigor desde novembro de 2016. Fundamentalmente, o tratado estabelece, de forma bastante genérica, o regramento de um eventual sistema de comércio de emissões usando como base metas voluntárias determinadas pelos países signatários do Acordo de Paris. O Acordo de Paris não vai funcionar.

William Nordhaus, professor da prestigiosa Yale University, ganhou o prêmio Nobel de economia modelando o impacto dos freeriders, ou caronas, nos acordos climáticos internacionais. Nesse caso, o carona é aquele país que se compromete com metas climáticas frouxas, mas acaba sendo beneficiado pelo esforço de redução de emissões mais ambiciosas de outros países. Segundo o professor Nordhaus, a história demonstra a ineficácia de acordos voluntários que não incorporem penalidades para os participantes relapsos ou penalidades para os caronas. A história sugere também – sempre de acordo com o professor Nordhaus – que sanções e embargos comerciais são os melhores instrumentos de persuasão para obrigar que países cumpram tais tratados climáticos.

O acerto de Nordhaus nesse ponto é fácil de verificar. Basta observar o péssimo exemplo do governo brasileiro, que no final do ano passado anunciou um aumento absoluto nas nossas metas de emissões de gases de efeito estufa, sem que os demais signatários do Acordo de Paris tivessem instrumentos para retaliar o Brasil. O que Nordhaus sugere é a implementação de tarifas aduaneiras sobre bens manufaturados importados de países que não tenham adotado algum tipo de mecanismo de precificação de carbono. Tal medida fomentaria a criação de uma coalizão de países com metas climáticas ambiciosas – os chamados “Climate Clubs”, na nomenclatura de Nordhaus –, forçando os relapsos e caronas a se adequarem aos esforços globais de redução de emissões.

Até Milton Friedman aprovaria

Então: aposto o sabre negro do Mandalorian que o presidente Joe Biden não irá peitar a indústria do petróleo, mas acredito que a nova administração americana irá avaliar em conjunto com a Comunidade Europeia a criação de um sistema de tarifas aduaneiras atreladas à intensidade de carbono de produtos e insumos. É o que temos para hoje.

Um último comentário aproveitando a referência aos filmes de bang-bang para quem gosta de dividir o mundo em mocinhos e bandidos: imposto até pode ser roubo na visão ultra-liberal, mas até o economista uber-liberal Milton Friedman sempre defendeu a tributação de empresas poluidoras.

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Colunista Carlos de Mathias Martins

Carlos de Mathias Martins

Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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