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Integração homem-máquina e impactos da IA na sociedade

Adoção da inteligência artificial pelas empresas pode promover transformações nos postos de trabalho, no sistema educacional e no entendimento da população sobre o uso de seus dados

Angela Miguel

16 de Outubro

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Artigo Integração homem-máquina e impactos da IA na sociedade

Quando pensamos em todas as transformações que a revolução industrial ajudou a promover e sua importância para os avanços tecnológicos existentes hoje, a figura de Ned Ludd pode parecer absurda, próxima de um destemperado que, em um rompante, incitou a destruição de dezenas de máquinas de tecer na Inglaterra do século 19. O problema é que Ludd e seus seguidores, apelidados de ludistas, colocaram nas máquinas a culpa pelas condições precárias de trabalho que tecelões (e outros trabalhadores ingleses) sofriam, quando a desvalorização sentida por eles foi apenas exacerbada com a substituição dos artesãos pelas máquinas de tecelagem.

Esse breve registro da história tem sido reencenado – até certo ponto, de maneira inconsciente – por profissionais e mercados que temem a chegada da inteligência artificial (IA), como se sua adoção significasse automaticamente um alto número de demissões e, por conseguinte, um ativo que beneficiará apenas os grandes detentores dos investimentos ou, em suma, os donos das empresas. Interessada em entender se a integração homem-máquina é possível e quais os impactos da IA na sociedade, a everis, consultoria de negócios e TI do Grupo NTT DATA, em parceria com a MIT Tech Review em espanhol, realizou uma pesquisa para entender como está a adoção da IA na América Latina.

O levantamento Inteligência Artificial em Empresas Latino-Americanas – uma Visão Geral da Adoção e Tendências da Região, realizado com mais de 40 diretores e cem executivos que lideram a adoção de IA em suas empresas, todas com mais de mil empregados e receitas maiores que US$ 100 milhões, trouxe os tópicos estratégicos da adoção da IA e seu potencial para auxiliar na transformação digital de seis países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.

Homem-máquina: uma integração possível?

Mesmo que o Brasil largue na frente quanto à maturidade de projetos de IA na região, o emprego dessa tecnologia nos países pesquisados não foge do esperado. A maioria deles iniciou a adoção de IA por meio de assistentes virtuais (ou chatbots) e outras iniciativas focadas na redução de custos, previsão de vendas ou cálculos de riscos – em resumo, projetos de eficiência operacional e atendimento ao cliente.

Entretanto, apesar de a pesquisa mostrar que mais da metade dos entrevistados entende o papel revolucionário que a IA pode fornecer aos negócios, duas das principais preocupações dos líderes dizem respeito à incerteza de não saber como as máquinas e suas informações serão controladas e à eliminação de vagas de emprego – e aqui está, mais uma vez, a figura do ludista contemporâneo, aquele que teme a chegada da tecnologia, pois ela poderá substituir o ser humano em suas funções trabalhistas, além de poder até mesmo exercer um posto de maior importância que o assumido pelo humano.

O curioso é que, ao mesmo tempo, o estudo mostrou que 60% dos entrevistados disseram que nenhuma vaga de emprego foi substituída por máquinas até o momento; 49% afirmaram que nenhuma vaga de emprego foi criada a partir de/ou por conta da IA; 28% falaram que apenas de 1 a 10 empregos foram substituídos pela tecnologia. De acordo com Lluis Quiles, diretor de data science da everis Brasil, as razões para todo esse temor de substituição podem ser muitas, porém, o importante é pensar os resultados reais da adoção da IA sobre os postos de trabalho.

“O que espero da IA é que ela permita que o ser humano realize atividades em que ele seja indispensável. É óbvio que a IA traz eficiência e, com isso, vamos diminuir vagas de trabalho que não aportam valor. Contudo, o ser humano continuará atuando em funções em que seus diferenciais não podem ser executados por qualquer tipo de máquina ou inteligência. Portanto, todos os postos que dependem da intervenção ou interação humana vão ganhar mais relevância com a chegada da IA”, pontua Quiles.

O executivo continua: “mas mais do que essa perspectiva, o ideal é defendermos a integração homem-máquina, pois sabemos que uma máquina que trabalha sozinha erra, assim como um ser humano que trabalha sozinho também erra. Por isso, acreditamos que nasce aqui um novo tipo de profissional, um curador que tem a missão de entender a máquina e saber se ela está performando bem ou mal, fazendo correções necessárias. Teremos um profissional empoderado, muito mais analítico e estratégico para o negócio, que se encarregará de unir seu conhecimento sobre a máquina ao conhecimento sobre os dados que ela fornece ao negócio”.

Impactos da IA na sociedade

Para além de resultados diretos em mercados específicos, é esperado que a adoção massiva da IA por países latino-americanos possam acarretar consequências positivas para uma série de desafios já conhecidos da região. Principalmente no contexto social, há esperança de que modelos de IA possam fornecer soluções para questões como habitação, inclusão financeira e melhoria do sistema de saúde pública. Ao mesmo tempo, quanto maior o uso de IA, maiores são as oportunidades de acesso a serviços e produtos de maneira mais econômica.

Contudo, o diretor de data science da everis Brasil ressalta impactos estruturais que a adoção da IA pode promover (e mais rápido do que imaginamos). Em primeiro lugar, ele ressalta a questão da baixa preocupação dos latino-americanos, em especial dos brasileiros, com o uso de seus dados, uma vez que toda solução de IA necessita essencialmente de banco de dados robustos.

“O Brasil tem uma cultura muito permissiva em relação a dados, e com toda a capacidade de processamento de dados já existente, é preciso que a sociedade mude sua consciência quanto ao tema. Na Europa, por exemplo, há uma série de políticas que protegem os dados das pessoas, mas aqui não há interesse, seja por parte da própria sociedade, que pouco entende dos riscos que corre ao ceder seus dados pessoais às empresas, ou seja pelo lado das organizações, que também não apresentam interesse no assunto. Na everis, temos uma série de tecnologias e boas práticas para que as soluções de IA utilizem apenas dados necessários e via consentimento, mas há pouquíssima preocupação por parte das empresas que desejam desenvolver a solução”, lamenta Quiles.

Ao mesmo tempo, ele espera que a LGPD seja um primeiro passo para que a sociedade tome consciência sobre os impactos do uso de seus dados por soluções de IA: “precisamos estar preparados, pois é possível que modelos de IA sejam desenvolvidos sem levar em conta potenciais perigos para a população, como a falta de informação sobre proteção de dados, modelos que tomam decisões de forma enviesada ou que proliferam e gera fake news, sistemas de recomendação que fazem perguntas tendenciosas etc”.

Simultaneamente, Quiles reforça que as discussões acima precisam refletir no sistema educacional dos países. Ainda que esse possa ser um impacto da IA de longo prazo, o executivo acredita que o preparo dos cidadãos ao futuro do ser humano e ao futuro do trabalho está relacionado a como o sistema educacional é proposto e aplicado. 

Para Quiles, é preciso adequar o sistema educacional para que os cidadãos saibam refletir sobre a história, saibam construir coisas, a usar sua criatividade e ir além de tarefas repetitivas. “Os governos precisam seriamente abordar esse ponto, a educação é a base para qualquer transformação, seja ela cultural ou tecnológica. Entendo que o Brasil pode ser referência nesse tipo de educação e acredito que a adoção da IA tem impacto direto em que tipo de sociedade brasileira teremos no futuro”, conclui.

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Autoria

Angela Miguel

Angela Miguel é editora de conteúdos customizados na Qura Editora para as revistas MIT Sloan Management Review Brasil e HSM Management.

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