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Liderança

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Manifesto para um RH protagonista

Em sua coluna de estreia, o professor e pesquisador Paul Ferreira, da Fundação Dom Cabral, discute esse protagonismo na nova economia

Colunista Paul Ferreira

Paul Ferreira

28 de Janeiro

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Artigo Manifesto para um RH protagonista

Como diz o velho ditado: "o filho do sapateiro sempre anda descalço".

Um dos primeiros registros desse provérbio está em Les Essais, de Montaigne[i], e significa que os sapateiros realizam seu trabalho com cuidado e aplicação para seus clientes, mas o negligenciam quando o objeto volta para eles. Embora essa intuição tenha se estendido a várias outras profissões, uma função crítica para as organizações modernas pode estar enfrentando, atualmente (e paradoxalmente), um risco semelhante – os profissionais de recursos humanos.

As evidências individuais e organizacionais desse paradoxo seriam a série crescente de tensões geradas por demandas conflitantes associadas aos papeis desses profissionais e a função de RH. 

Por um lado, questões como a criação de processos inovadores para atrair, desenvolver e reter a melhor força de trabalho (o que inclui inventar novas formas de trabalho que permitam que os funcionários sejam produtivos e desenvolver uma cultura corporativa que promove a ética, conduz e orienta a mudança organizacional) tornaram-se parte das tarefas estratégicas mais fundamentais pelas quais os profissionais de RHs são responsáveis. Além disso, tem havido crescentes pedidos para promover diretores de RHs para os escalões da alta gerência e torná-los um parceiro estratégico do CEO. 

Por outro lado, geralmente o profissional de RH continua a ser  considerado um "low man[ii]" na hierarquia gerencial, raramente escolhido para a sucessão de CEO[iii] e vem enfrentando uma concorrência crescente de executivos com experiência em negócios mas com vivência limitada na função de RH tradicional. 

Uma pesquisa recente da KPMG[iv] traz uma luz complementar a esse assunto, mostrando que cerca de dois terços dos profissionais de RH concordam que suas organizações passaram ou estão passando por uma transformação digital, mas apenas 40% disseram ter um plano de trabalho em nível organizacional. Na mesma toada, 70% reconhecem a necessidade da requalificação continua dos colaboradores, só que apenas 37% se sentem "muito confiantes" sobre suas capacidades reais de transformá-los e avançá-los por meio de formações e recursos como a inteligência artificial (IA). 

Com base nos CEOs e nos profissionais de gestão de recursos humanos com os quais conduzi entrevistas detalhadas sobre o assunto e minha experiência anterior, estou convencido de que enfrentar esse paradoxo é da maior importância. Para que profissionais de RH ganhem novo protagonismo, quero oferecer duas possíveis direções. 

Em primeira instancia, existe uma responsabilidade ao nível individual de mudança de mindset do professional de RH que lhe-permita iniciar e sustentar "as conversas certas" com os líderes de negócios. Os profissionais de RHs devem desenvolver repertórios/conhecimentos de negócios mais sólidos, habilidades de pensamento estratégico, exposição a uma visão ampla da empresa e do mercado de atuação. Vários meios são possíveis tais como: 

  • Participação em projetos transversais da empresa
  • Rotação por outras funções e nomeadamente funções ligadas a clientes/mercado (antes e depois de assumir responsabilidades de RHs)
  • Coaching/mentorias com executivos de outras áreas
  • Maior exposição por meio de um assento em conselhos executivos/de direção na própria empresa ou em outras.

Segundo, existe uma responsabilidade ao nível organizacional de permitir que os profissionais de RHs combinem na prática compromissos operacionais – incluindo os fundamentos de RH nas áreas de folha de pagamento, contratos de trabalho, desenvolvimento de boas práticas na gestão de talentos, e outros –, com funções e responsabilidades estratégicas, tal como o alinhamento da estratégia de negócios de médio e longo prazo da empresa com as tendências do mercado de trabalho atuais e futuras. Gostaria de exemplificar essa ideia através de duas práticas organizacionais com potencial forte de tração. 

A primeira foi sugerida pelo Jeffrey Pfeffer[v] numa conversa que tivemos recentemente, onde ele argumenta que a função de RH deveria ser considerada como o braço pesquisa e desenvolvimento da parte humana da empresa[vi]. Um dos focos principais é criar uma nova experiência de funcionário (EX em inglês) - ou definindo as proposições de valor de funcionário corretas (EVP em inglês) para atender às necessidades de cinco gerações na força de trabalho. Nesta linha, no estudo CEO Outlook da KPMG em 2018, 45% dos CEOs disseram que nomear líderes seniores que podem se relacionar melhor com a geração millenials é um dos seus maiores desafios[vii].

Outra prática seria que a semelhança de outras funções de gestão de topo (nomeadamente CEO, CFO), a escolha do gestor de RH venha a depender crescentemente de critérios específicos a empresa tais como contexto, estratégia e objetivos, indústria, tipo de governança (empresa familiar, empresa capital aberto). Por exemplo, em situações de recuperação operacional e financeira que costumam envolver demissões em massa para reduzir custos operacionais, um gestor de RH que não tenha um conhecimento profundo dos procedimentos legais e/ou experiência em relacionamento com sindicatos poderia enfraquecer mais ainda a empresa. 

De forma diferente, em situações de rápido crescimento nomeadamente em novos mercados, um gestor de RH que tenha conhecimentos mais profundos do negócio da empresa e/ou já esteve a frente de áreas de mercado seria mais eficiente para executar a estratégia de identificação e aquisição de talentos externos, e/ou desenvolvimento de competências internas.

Em resumo, o que está em jogo é que não apenas os profissionais de RHs possam continuar se negligenciando como seres humanos estratégicos, mas além da previsão de que eles acabam perdendo a capacidade vital de fazer seu trabalho com cuidado e aplicação para “a gente” de suas organizações. As equipes de RH que lideram o caminho do protagonismo – e, por extensão, do protagonismo das organizações em que trabalham – reconhecem que o futuro do RH e desta agenda é agora.

[i] Montaigne. 1580. Les Essais.

[ii] Jacoby, S. M., E. M. Nason, and K. Saguchi. 2005. The role of the senior HR executive in Japan and the United States: employment relations, corporate governance, and values. Industrial Relations 44: 207–241.

[iii] Abt, M., Knyphausen-Aufseß, D.. 2017. https://doi.org/10.1007/s40685-016-0039-2. Business Research 10: 49

[iv] KPMG, 2019. The future of HR 2019: In the Know or in the No

[v] https://jeffreypfeffer.com

[vi] http://nucleos.fdc.org.br/lideranca/

[vii] https://home.kpmg/xx/en/home/insights/2018/05/ceo-outlook.html

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Autoria

Colunista Paul Ferreira

Paul Ferreira

É professor em tempo integral de estratégica e liderança na Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP, Brasil), diretor do mestrado executivo em administração (MPA) da FGV EAESP e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP). Desde 2020, Paul é colunista do MIT Sloan Management Review Brasil. Além disso, ele é pesquisador visitante permanente na Universität St. Gallen (Suíça).

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