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Sustentabilidade

7 min de leitura

Negócios híbridos reavaliam o lucro para gerar valor

Parceria público-privada, concessões, cooperativismo, investimentos de blended finance e IPOs de stakeholders alteram a lógica do lucro e contribuem para a criação de diversos tipos de valores, inclusive de impacto social e de sustentabilidade dos negócios

Colunista Thomas Eckschmidt

Thomas Eckschmidt

21 de Janeiro

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Artigo Negócios híbridos reavaliam o lucro para gerar valor

Uma prática comum é olhar para o passado e criticar a forma com que as organizações e pessoas operavam, destacando como as decisões eram tomadas. Neste sentido, por exemplo, uma das questões mais evidentes é a crítica que se faz a Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, que tem uma célebre frase “o propósito de toda empresa é gerar lucro para o acionista”.

De igual modo, é comum ouvir que o capitalismo se perdeu, ou tornou-se mais selvagem depois desse pronunciamento de Friedman. Alguns falam, aliás, que a “doutrina” de Friedman mudou o foco das empresas para o lucro, visando apenas o resultado financeiro.

Entretanto, é muito claro que o resultado financeiro ainda é consequência de alguns outros elementos, como, por exemplo, a qualidade do que a empresa vende. Dificilmente uma organização consegue se manter gerando grandes resultados financeiros com uma qualidade deficiente, aquém do que o mercado pratica e oferece.

Não podemos negar também que sempre temos exceções, como no caso de monopólios. Se você tem apenas uma empresa oferecendo determinado produto, a qualidade é a qualidade oferecida, não há comparações e nem opções.

Valor: lucro que ultrapassa o cálculo financeiro

Então, Milton Friedman está errado ou certo? Nenhuma das duas opções. Conforme aprendemos, entendemos melhor a realidade e expandimos nossa consciência. Podemos afirmar hoje que a celebre frase de Milton Friedman é consequência de uma visão da época. Podemos sentenciar, ainda, que a premissa representa uma visão incompleta para os dias de hoje.

Não gerar lucro (ou resultado financeiro) é uma irresponsabilidade social, pois coloca em risco o seu ecossistema de negócios, pode impactar o pagamento de salários aos funcionários, pagamento de faturas de fornecedores, pagamentos de impostos, contribuições filantrópicas e assim por diante.

Isso significa que poderíamos atualizar a frase de Milton Friedman para “o único propósito de uma organização é de gerar valor para sociedade”, e entenda-se como valor não apenas valor financeiro ou econômico, mas valor social, emocional, ambiental, de conhecimento, valor tecnológico e assim por diante. Se você quiser uma lista mais completa, pense nos 17 ODS como diferentes áreas que uma organização deve gerar valor positivo.

Novos modelos de capitalismo para descobrir novos negócios

Bom isso nos dá uma pista para que revisemos muitas outras coisas estabelecidas como certo ou como “doutrina” e as atualizemos para o nosso nível de consciência atual. Desde o que acreditávamos que era bom para a saúde no século passado, muitas evidências nos propõem novos estilos de vida, de atividade física e de alimentação neste século.

Contudo, voltando para os negócios ou para o capitalismo, as diferentes propostas nos levam a repensá-lo como capitalismo inclusivo, capitalismo criativo, economia circular, sistema B, economia do compartilhamento, e assim por diante; isso tudo representa mais um sinal que precisamos evoluir e atualizar nossos modelos mentais e modelos de gestão.

Com base nessa ideia, e de forma talvez inconsciente em relação a essa necessidade, começam a surgir novas formas de organizar negócios no mundo e no Brasil.

Aqui vem duas perguntas: (1) como uma cooperativa pode tirar proveito de outras formas de atuar? (2) Como a franquia pode ter mais sucesso?

Outra lógica de valor e lucro para franquias

No interior de Santa Catarina, existe uma franquia odontológica que se utiliza do benefício que aporta o modelo de franquia para criar uma forma bastante padronizada de operação e sucesso, mas que se beneficia da participação do fundador. Diferente das franquias tradicionais que tem uma equipe de vendas com objetivos de apenas vender, sem nenhum compromisso com o sucesso de longo prazo do franqueado, quando o franqueador é socio do franqueado, esta relação se torna diferente.

Atualmente, o grande parte do fracasso das franquias está relacionada com a forma de operar, o que muda completamente quando o franqueador é literalmente sócio do franqueado. Essa atualização do modelo permite um melhor controle e uma oportunidade de colaboradores com alto desempenho empreenderem de forma mais qualificada em comparação com os modelos atuais de franquia.

Os franqueados passam por um treinamento e qualificação de 12 a 36 meses antes mesmo de se lançarem como empreendedores. A confiança dos envolvidos é muito maior, pois quando o franqueador é socio do franqueado, os interesses estão ainda mais alinhados e o sucesso é mais rápido e sustentável do que os modelos tradicionais da relação entre franqueador e franquia.

Negócios híbridos: ativos e valores compartilhados

O exemplo trazido acima é o de pensar fora da caixa, de se utilizar dos modelos de negócio disponíveis e criar um “upgrade” de melhor resultado coletivo para as pessoas que se juntam à jornada de criação de riqueza.

Vamos olhar no modelo cooperativo como referência. A grande parte das cooperativas consegue criar um grande ativo que muitas vezes não pode ser utilizado como mecanismo financeiro. O cooperado que contribui para a criação do ativo, não tem acesso a essa riqueza criada, pois não é “dono” do ativo.

Um caso interessante nesse modelo é o que uma cooperativa de produção está fazendo no Brasil, onde os ativos foram transferidos para uma entidade jurídica diferente: sociedade anônima, esvaziando os ativos coletivos da cooperativa. Nessa S.A., a cooperativa tem uma posição majoritária e abre espaço para a infusão de capital para investimento, crescimento e compartilhamento de riqueza com outros não cooperados.

Os cooperados dessa S.A., por sua vez, estão dispostos a investir na cadeia produtiva da cooperativa sem ter que se associar diretamente com a cooperativa, aumentando o valor da S.A. por meio da valorização dos ativos.

Modelos de negócio que combinam o público, o privado e o filantrópico

Esses modelos híbridos de negócio estão começando a surgir e criar oportunidades de gerar valor, mas também de distribuir valor. A ideia de que com mais conhecimento expandimos nossa consciência nos permite olhar para as propostas para operar negócios.

Modelos entre a iniciativa privada e pública tem sido explorado com mais frequência, como as parcerias público-privadas (PPP), concessões, blended finance e assim por diante. Vale acrescentar que no âmbito privado a combinação de diferentes modelos está começando a engatinhar para além dos modelos de holding.

A riqueza que pode ser gerada quando atualizamos os modelos de negócio pode ser o próximo salto quântico no engajamento e distribuição da riqueza.

IPO de stakeholders

Uma nova oportunidade ainda pouco explorada é em relação ao IPO. Imagine se quando o Airbnb fez o seu IPO: se pensarmos nos grupos de interesse que foram priorizados no processo de IPO, encontraremos facilmente a participação dos investidores.

No entanto, os que mais contribuem para o sucesso da organização são os superhosts, bem como os usuários que mais usam a plataforma. Contudo, eles nunca foram convidados para investir ou tiveram a oportunidade de participar do sucesso da empresa que ajudaram a construir.

Assim, será que um IPO mais consciente no futuro seria primeiro oferecido para os stakeholders mais importantes no sucesso da organização?

O seu negócio na economia do século 21

Pense no seu negócio, que modelos desatualizados você ainda está se baseando? Que tipo de upgrade você poderia fazer no seu modelo de negócio? Até a Amazon, que sempre teve uma estratégia de ser apenas digital está abrindo lojas, comprou uma rede de varejo de 500 lojas.

A época da barganha, de escolher uma opção a outra, terminou. Precisamos começar a pensar como combinar ideias para levar nossas organizações ao próximo nível de desempenho. Estamos deixando a era do “ou” para traz; ou escolhemos isso ou aquilo. Estamos entrando na era do “e”. Como combinamos isso e aquilo para tirar máximo proveito dos elementos positivos de cada uma das opções.

A única maneira de acelerar o “upgrade” de sua organização é a abraçar a inclusão em múltiplas dimensões, inclusive a inclusão de ideias e modelos de negócio. Nesses valores que se assenta a economia do século 21; bem-vindo.

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Autoria

Colunista Thomas Eckschmidt

Thomas Eckschmidt

Cofundador e ex-diretor geral do movimento do capitalismo consciente no Brasil, Thomas Eckschmidt é autor de Conscious Capitalism Field Guide e outros livros práticos para implementar os fundamentos de um capitalismo mais consciente. É ainda cofundador e CEO da Conscious Business Journey, uma rede de consultores com o propósito de acelerar a transformação para um ecossistema de negócios conscientes e atua como conselheiro em diversas empresas.Em seu site www.CBActivator.cc, Thomas disponibiliza um e-book sobre como ativar a consciência da sua organização. Ele encabeça o podcast Capitalista.Consciente, encontrado nos principais tocadores.

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