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O mercado de criptoativos e sua regulação no Brasil

Embora as criptomoedas movimentem o interesse dos investidores, o Brasil ainda precisa encarar questionamentos quanto à sua regulação e segurança

Tatiana Guazzelli e Giovana Treiger Grupenmacher

02 de Fevereiro

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Artigo O mercado de criptoativos e sua regulação no Brasil

Em um mundo cada vez mais digital, os meios de pagamento mergulharam na tecnologia, abrindo novas oportunidades de bancarização e modalidades de investimento. O mundo, e também o Brasil, avançam rápido na transição do papel moeda para o dinheiro virtual, um caminho sem volta. Nesse contexto, o mercado de criptoativos cresceu significativamente ao longo dos últimos anos, tornando-se um assunto recorrente no noticiário e nas conversas cotidianas.

Os criptoativos passaram a despertar cada vez mais o interesse de investidores, sendo incluídos nas carteiras de investimentos recomendadas por diversas instituições renomadas no mercado financeiro. No entanto, sempre que o tema é tratado, aparecem certos questionamentos quanto à sua regulação e segurança. A relevância deste mercado se traduz nos números que movimenta: dados recentes mostram que o valor total do mercado de criptomoedas chega a cerca de US$ 2 trilhões.

Diversos criptoativos, como o Bitcoin e o Tether (USDT) por exemplo, são mundialmente utilizados como um meio de troca e de investimento, com propriedades econômicas semelhantes às de uma moeda. Porém, juridicamente tais ativos não são classificados como moeda pela grande maioria das jurisdições e há muitas discussões a respeito de sua natureza jurídica.

Âmbito jurídico dos criptoativos

As discussões jurídicas em torno dos criptoativos envolvem também sua oferta pública, caracterização como valores mobiliários, bem como o regime jurídico e regulatório decorrentes de tal caracterização. Têm aumentado, ainda, as preocupações de reguladores em diversas jurisdições com o risco de fraude, de operações de lavagem de dinheiro, de evasão fiscal e a proteção dos investidores, em especial considerando o acelerado e dinâmico desenvolvimento deste mercado. O crescimento das tokenizações e dos protocolos de finanças descentralizadas (Descentralized Finance – “DeFi”) é um claro exemplo desse dinamismo.

Muitas das preocupações acima mencionadas estão voltadas principalmente às criptoexchanges, dado que o mercado de criptoativos opera em grande parte dentro de um modelo de intermediação. Diante da dificuldade de se conectar diretamente ao blockchain, bem como a assimetria de informação e a ausência de conhecimento e/ou confiança para transação com terceiros, a grande maioria das transações de criptoativos está concentrada em plataformas criadas para tal fim, as criptoexchanges. Essas plataformas atuam como intermediários, facilitando as trocas e a liquidação das operações, além de prestarem serviços de custódia dos ativos.

Em vista deste modelo, as jurisdições que normatizam o mercado de criptoativos em geral o fazem por meio de uma regulamentação endereçada às criptoexchanges. Ou seja, os reguladores buscam endereçar as preocupações e riscos por meio dos intermediários do mercado de criptoativos.

No Brasil, com exceção das obrigações acessórias de informação à Receita Federal dos detentores de ativos, atualmente, não há ainda um arcabouço regulatório que enderece tais preocupações. Inclusive, os intermediários operam no país à margem do sistema. No entanto, isto tende a mudar.

Regulamentações em curso

Reconhecendo a necessidade de regular o mercado de criptoativos, em especial as criptoaexchanges, há hoje diversos projetos de lei tramitando pelo Congresso Nacional, sendo dois os principais: o Projeto de Lei n˚ 2.303, de 2015 e o Projeto de Lei n˚ 3.825, de 2019.

No início de dezembro, o PL 2.303/15 foi aprovado pela Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal. O texto aprovado estabelece princípios e diretrizes a serem observados na prestação de serviços de ativos virtuais, buscando trazer uma maior segurança jurídica para o mercado de criptoativos. O projeto em questão determina que o Poder Executivo Federal deverá designar a autoridade responsável por regulamentar e fiscalizar as prestadoras de serviços de ativos virtuais, o que inclui, entre outros, serviços de troca, transferência, custódia e administração desses ativos.

Esta proposta prevê, inclusive, a necessidade de prévia autorização por tal autoridade para o funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais. Espera-se que essa autoridade seja o Banco Central do Brasil.

O PL 2.303/15 traz também algumas medidas que buscam reforçar a segurança no mercado de criptoativos, tais como (i) a criação de um novo tipo penal específico para fraude utilizando ativos virtuais; (ii) a equiparação das prestadoras de serviços de ativos virtuais à instituição financeira, especificamente para os fins da Lei nº 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro; e (iii) a inclusão de tais entidades, de forma expressa, no rol do artigo 9º da Lei 9.613/98, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros.

O PL 3.825/19, de iniciativa do Senado Federal, tem um texto bastante semelhante ao do projeto aprovado pelos deputados. Ou seja, também busca endereçar o tratamento que se deve dispensar aos criptoativos e equacionar preocupações com lavagem de dinheiro, custódia e segurança.

Atualmente, esses dois projetos tramitam juntos no Senado Federal e há uma expectativa de que resultem em uma nova lei para o mercado de criptoativos ainda no primeiro semestre de 2022. Acredita-se também que essa nova legislação será seguida por uma regulamentação do Banco Central, destinada às empresas que lidam com intermediação de criptoativos.

Incompatibilidades a serem superadas

É importante observar que esses dois PLs não tratam dos chamados security tokens, os criptoativos que se enquadram no conceito de valores mobiliários, como ativos que oferecem ou garantem aos investidores alguma remuneração futura em decorrência dos esforços do emissor e são, então, considerados contratos de investimento coletivo. Esses ativos possuem sua oferta pública regulada pela legislação e regulação do mercado de capitais.

Nesses casos, a oferta, o emissor e o distribuidor do ativo deveriam estar registrados e autorizados previamente perante a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No entanto, existem hoje algumas incompatibilidades entre a oferta de security tokens e a regulação da CVM. Essas incompatibilidades precisam ser superadas, por meio de uma nova regulamentação da instituição, para que seja viável no Brasil um STO (security token offering), como já ocorre em muitos outros países.

Diante deste cenário, a regulamentação do mercado de criptoativos pode ser bastante positiva, podendo inclusive impulsionar o seu crescimento no Brasil, se conseguir eliminar a insegurança e certas barreiras jurídicas que este mercado ainda enfrenta, mas respeitando ao mesmo tempo o dinamismo que é peculiar das novas tecnologias. Esta é a demanda de um futuro que já chegou.

O Fórum: Direito Digital é uma coprodução MIT Sloan Review Brasil e Pinheiro Neto Advogados.

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Autoria

Tatiana Guazzelli e Giovana Treiger Grupenmacher

Tatiana Guazzelli é sócia da área bancária e transações financeiras no Pinheiro Neto Advogados. Giovana Treiger Grupenmacher é associada da área bancária e transações financeiras no Pinheiro Neto Advogados.

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