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Filosofia

4 min de leitura

Quando a liderança é naufrágio

As pessoas líderes que focam apenas a liderança fazem afundar o barco; é preciso que elas representem os “liderados”, atendendo a sua real demanda

Colunista Coluna: Cássio Pantaleoni

Coluna: Cássio Pantaleoni

15 de Agosto

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Artigo Quando a liderança é naufrágio

Muito se fala e se escreve sobre os atributos das lideranças no mundo pós-pandemia. Não faltam artigos sobre isso. No entanto, escuto muita gente que, em suas divagações, prescreve comportamentos e atitudes sem antes ter uma compreensão clara daquilo que deveria ser o verdadeiro foco do tema: qual é a nova demanda dos “liderados”? (E será que é nova?)

Uso a expressão “liderados” entre aspas de propósito, pois há que se reparar nela por outras perspectivas. E, para responder à questão, é preciso antes compreender como o tema da liderança é debatido no mundo corporativo.

Entre as várias representações do que significa ser uma líder*, encontramos definições como:

• Quem atinge objetivos e metas pelo direcionamento de assistentes humanos (HBR, 2004).

• Quem avança por meio de conexões humanas (MIT SMR, 2019).

• Quem reúne um conjunto de comportamentos capaz de influenciar os membros da organização a alcançar maior alinhamento na direção em que a organização está tomando, para obter uma melhor execução da estratégia e para a organização se renovar continuamente. (McKinsey, 2019).

Note-se que o que há de comum nessas explicações é o foco: o foco está em quem lidera. Ou seja, está sempre associado a um ponto de vista utilitário. O grupo (os "liderados") é útil à líder desde que possa ser (1) direcionado, (2) “conectado” e (3) influenciado. Sim, podemos admitir que são razoavelmente boas caracterizações para a líder. Não obstante, todas, inadvertidamente, esquecem do outro lado da equação: as demandas do grupo para ver a “líder” como líder.

Ao colocarmos o foco do lado dos “liderados”, alguns atributos crescem em importância. Entre eles, deve-se observar que não importa a que geração você pertença, sempre se espera das líderes alguns traços essenciais: nexo, orientação, espaço, balizas, orientação, etc. A líder funciona, assim, como um instrumento que dá ao grupo a referência de onde ele se encontra e pra onde deveria se deslocar.

A sensibilidade das bússolas

Ora, se a líder funciona como um instrumento para que o grupo tenha ciência de sua localização e de seu rumo, podemos compreende-la, metaforicamente, como uma bússola. E assim como as bússolas só funcionam pela interação da carga magnética da agulha com as linhas magnéticas da Terra, a líder também precisa estar sensível às linhas que dão predominância comportamental ao grupo que ela lidera.

Dito de outro modo, as preferências, as crenças, as diferenças, os valores, as características das gerações ali incluídas, a história de cada indivíduo, suas vontades, suas atitudes e disposições funcionariam como se fossem as linhas magnéticas da Terra. Diante da carga magnética da líder (seus atributos), essas linhas interagem. Esta interação entre as partes (líder e “liderados”) determina – sempre – o norte no “planeta” organizacional. A coexistência das disposições do grupo e as disposições da líder influenciam, em grande medida, a formação da cultura organizacional.

A caminhada que grupo e liderança desenvolvem, desde o norte apontado, necessita de um processo adequado de comunicação. Todos os grupos esperam da líder uma comunicação inspiradora, transparente, sugestiva, autêntica, motivadora, clara, ponderada, consciente e inclusiva.

Desde esta perspectiva, então, é possível compreender a liderança como fenômeno da identificação do grupo com a lider – uma célula integrada que se movimenta em direção a um destino comum.

Submissão?

Claro que é possível engendrar objeções ao argumento apresentado: se à líder cabe apenas a representação dos valores, princípios, preferências e ambições da equipe, será que não haveria o risco deixar as metas e objetivos sob sua responsabilidade à deriva?

Bem, esclareça-se que se submeter não é a mesma coisa que representar. Ao se submeter às vontades da equipe a tal ponto que as metas e objetivos sejam comprometidos, a liderança já deixou de ser representativa. A demanda fundamental das equipes é o reconhecimento de que seu trabalho levou ao sucesso. As lideranças jamais podem abrir mão disso.

A linha tênue que distingue a submissão da representação reside exatamente na "carga magnética" desta "agulha da bússola". Submeter-se significa esquecer a necessária interação das forças que residem nas linhas magnéticas do “planeta organizacional” e do magnetismo da liderança. Ou seja, a representação é essencialmente dada pelo equilíbrio entre as forças de atração e repulsa entre todos os envolvidos.

E isso é fundamental para entender aquilo que queremos espiar pela janela pós-pandemia.

Antes, durante ou depois

A representação, enquanto caracterizada pelo estilo de liderança necessária ao futuro, não diz nada além do que aquilo que deveria ser dito acerca das lideranças do passado. Também não é algo que possa ser ignorado para líderes da sociedade digital, líderes disruptivos ou inovadores.

A representação é o atributo comum em qualquer situação, seja antes, durante ou depois da pandemia. Líderanças que atuam como representantes de suas equipes, onde elas mesmo se veem incluídas, sempre revigoram a disposição de todos os integrantes do grupo integrado, pois se legitimam por valores e princípios, e assim se tornam impreteríveis como bússolas no alto mar.

Assim que, enfim, precisamos retornar à questão inicial: qual a demanda dos “liderados”?

A resposta é bastante simples: o mar aberto, a nau segura, o destino comum, a evidência de que as velas que foram içadas serão vistas e de que a bússola é confiável. O resto é naufrágio.

N. da E.: Este texto adota a palavra “líder” no feminino intencionalmente.

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Autoria

Colunista Coluna: Cássio Pantaleoni

Coluna: Cássio Pantaleoni

Cássio Pantaleoni é managing director da Quality Digital e membro do conselho consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Tem mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, é graduado e mestre em filosofia, e reúne experiências empreendedoras e executivas no currículo. Vencedor do prestigioso prêmio Jabuti, com a obra Humanamente Digital: Inteligência Artificial centrada no Humano.

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