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Real digital – a oportunidade do século para a economia brasileira

Quem se surpreendeu com a velocidade com que o Pix se disseminou no Brasil precisa conhecer nossa govcoin e os tokens baseados em blockchain. Eles abrirão novos caminhos para as empresas

Eduardo Ibrahim

08 de Outubro

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Artigo Real digital – a oportunidade do século para a economia brasileira

Em teoria, o valor de uma moeda é reflexo da saúde econômica de seu país – ou seja, se o país é um bom produtor, sua moeda se valoriza. Porém, na prática, vemos que as políticas monetárias e a atratividade externa de seus negócios mexem com a oferta e a demanda da moeda, criando, por vezes, uma desconexão – natural ou artificial –, entre o que acontece na economia real e o mercado financeiro. Você já deve ter lido, ou falado, a frase “o valor justo do dólar é...”. Complete com o valor que quiser e o “justo” nunca será o valor atual do dólar nos mercados. Isso acontece porque a conta econômica é diferente da conta financeira. Um economista espera que a moeda reflita os valores fundamentais da produção do país, com alguns ajustes como a inflação de preços. Já para o financista o que importa é quanto estão querendo pagar por aquele ativo monetário em determinado momento.

Porém economistas e financistas têm, sim, algo em comum: a certeza de que economia e finanças são duas coisas distintas. Há lacunas e assimetrias de informações que perpetuam essa dinâmica e configuram a própria natureza do capitalismo industrial. Em outras palavras, a ineficiência econômico-monetária acaba sendo, inconscientemente, aceita por todos nós. Afinal, como garantir que, por exemplo, a moeda chegue a juros “justos” a quem precisa, se ela tem que passar por vários intermediários que estão lutando para mitigar seus riscos? Por isso, ouvimos a frase “não inventaram um sistema melhor do que esse” e concordamos. Mas será mesmo que, depois de tantos avanços tecnológicos e novos arranjos sistêmicos, essa frase continua válida? Uma resposta técnica para essa pergunta está em um artigo anônimo de 2010. Ele foi escrito possivelmente por um grupo de tecnologistas que desafiaram as certezas dos economistas e financistas modernos. É o artigo precursor da moeda digital mais popular do mundo, o bitcoin, e da infraestrutra por trás dela, o blockchain. Inventaram algo melhor.

Motor da economia real

Chegamos ao ponto em que os governos já não podem ignorar a possibilidade de as moedas digitais se tornarem, elas próprias, o motor da economia real – e sem as lacunas do modelo econômico industrial. A maior parte dos economistas não vai se dar ao trabalho de ler este artigo. A maior parte dos financistas vai continuar especulando. Mas os tecnologistas continuam a inovar e melhorar a infraestutura dos criptoativos, transformando silenciosamente as dinâmicas econômicas em uma grande economia de base tecnológica.

A máxima “se não pode vencê-los, junte-se a eles” está sendo adotada por mais de 80% dos governos ao redor do mundo, que já anunciaram estudos para criação das suas próprias moedas digitais soberanas – o Brasil já anunciou o real digital. Tais iniciativas serão o motor da maior transformação financeira e econômica vista na história.

Pouca gente lembra, mas o sistema financeiro brasileiro está na vanguarda, reconhecido mundialmente por ser 100% eletrônico, eficiente e seguro. Para o leitor ter uma ideia, o Fed, banco central americano, está planejando lançar sua solução de meio de pagamento instantâneo, o FedNow, somente em 2023, enquanto o nosso Pix já funciona há mais de um ano e é usado por quase 57% da população. Isso se deve à nossa infraestrutura financeira digital, que permite a criação e a adaptação de novas soluções com muito mais rapidez.

Além disso, o Brasil é, disparado, o país com maior número de startups inovadoras na América Latina – são cerca de 18 mil empresas registradas ante 1,8 mil do México, segundo colocado no ranking –, e uma grande parte dessas startups são fintechs, que atuam na criação de soluções para melhorar o sistema financeiro brasileiro.

Na prática, os brasileiros estão familiarizados com uma moeda digital. Afinal, os números mostrados no nosso internet banking são dígitos eletrônicos, sem contrapartida em moeda física impressa. Para o usuário final, essas moedas eletrônicas e as digitais não têm diferença. É uma convenção do mercado de tecnologia chamar de moeda digital apenas as dotadas de criptografia – as criptomoedas.

A moeda impressa ainda existe por aqui para garantir o acesso a transações de quem não utiliza a internet, já que imprimir moeda é custoso para os governos e para a sociedade, mas o Pix vem ajudando no aculturamento e na migração da população ainda não conectada para o meio digital. Ao representar eletronicamente o dinheiro emitido pelo governo, o Pix já funciona, de muitos modos, como um experimento para extinguir a moeda impressa.

Um dos desafios de uma moeda digital efetiva é garantir transações em ambientes desconectados, mas tem solução com a criptografia e as carteiras virtuais locais, que permitem transações por aproximação de aparelhos. Quão diferente será o ambiente de negócios nesse cenário em relação a hoje? Veremos uma enxurrada de oportunidades surgindo? E os perigos? Quando será a virada? O que as empresas deverão fazer para ter êxito? Isso pode ajudar a resgatar a economia do Brasil? É o que vamos analisar nas próximas linhas.

Cenários, oportunidades, perigos

O bitcoin, que popularizou o termo “criptomoeda”, nasceu com a pretensão de se tornar uma moeda digital global, mas, por enquanto se tornou apenas um novo ativo especulativo – um criptoativo. E confundir criptomoeda com criptoativo é um erro conceitual tão nocivo quanto confundir economia com finanças. Uma moeda, para ganhar o direito de ser chamada assim, precisa ter a capacidade de conversão direta de bens e serviços de uma economia. Esse direito será conferido quando os países regulamentarem corretamente as moedas digitais emitidas por seus bancos centrais (CBDCs, na sigla em inglês) – também apelidadas de govcoins.

Quem se surpreendeu, durante a pandemia, com a velocidade com que os processos de automatização tomaram conta da economia e forçaram mudanças culturais para incluir o digital na agenda de todas as organizações, públicas e privadas, ainda não viu nada. No novo cenário, dominado por consumidores nativos digitais, haverá uma hiperautomatização da economia. Para aproveitar as oportunidades e prosperar nesse novo cenário, as empresas precisarão saber jogar o jogo do capitalismo tecnológico, no qual as transações poderão ser feitas de maneiras centralizadas ou descentralizadas, ou seja, com a supervisão de um agente financeiro central por meio de sua moeda digital ou sem ela, com o uso de tokens (cripto­ativos). Uma gama de serviços financeiros descentralizados – na sigla em inglês, DeFi – poderá ser ofertada via blockchains.

Em um sentido amplo, tokens são semelhantes àqueles pontos de fidelidade dos cartões de crédito. Eles podem ser acumulados e convertidos em valores para trocas e compras de produtos de qualquer setor, como passagens aéreas, por exemplo. A diferença é que as transações dos tokens são validadas de maneira descentralizada, por meio de protocolos de consenso e registros em uma espécie de “livro-razão” compartilhado. Programas de fidelidade e benefícios focados em setores – como o Agrovantagens, que tem o objetivo de levar sustentabilidade e tecnologia ao agronegócio brasileiro – podem ter seus próprios tokens. Outros ecossistemas, como marketplaces e redes varejistas com grande número de lojas, também. Quanto mais atores um ecossistema tiver, mais transações poderão ser realizadas sem a necessidade de usar uma moeda emitida por bancos centrais. Um produtor de soja poderá pagar seus fornecedores usando tokens com segurança, desde que, na ponta final, uma instituição – qualquer uma, pública ou privada –, possa garantir as regras de conversão.

Mercados como os de empréstimos, seguros, investimentos e câmbio de moedas devem ser bastante impactados. Estima-se que debêntures, CRIs, CRAs e contratos de hedge serão alguns dos primeiros ativos financeiros candidatos a ser tokenizados. Inter­na­cionalmente, o mercado de startups inovadoras já lança mão de blockchains para realizar ICOs (ofertas iniciais de moedas, em inglês) e captar investimentos para criação de novas iniciativas de risco.

Há, porém, que se destacar que a todo momento surgem criptoativos travestidos de cripotomedas na tentativa de dar credibilidade a iniciativas incipientes e muitas vezes fraudulentas. Algo semelhante também acontece com a emissão de tokens no mercado de ICOs. É preciso tomar cuidado, ao menos até o DeFi ganhar o mainstream no Brasil, o que deve acontecer quando como consequência do real digital – as regras de ambos devem caminhar juntas.

Plataformas de soluções que se anteciparem oferecendo serviços B2B para auxiliar bancos e demais instituições financeiras tradicionais a captar oportunidades com a junção dos mundos centralizado (Real Digital) e descentralizado (Tokens DeFi) devem se tornar os novos unicórnios.

Timing da virada e o que fazer

A festa digital descrita aqui deve começar a se instalar em dois ou três anos no caso do Brasil, com o lançamento do real digital – e todo o sistema financeiro internacional deverá ser alterado ainda nesta década, mudando a forma como fazemos negócios dentro e fora do país. Ninguém poderá alegar que foi pego de surpresa. Do real digital ao DeFi, o caminho pode ser ainda mais curto do que foi o do Pix, porque as inovações devem ser incentivadas desde o início, e porque a maturidade que Pix e open banking estão adquirindo facilitará o processo; temos precedentes. A velocidade com que o Pix foi implementado já mostrou o apetite do nosso mercado para essa inovação.

O futuro reserva uma gama gigantesca de cenários possíveis e se antecipar a eles hoje será a única forma de não ficar de fora da festa digital. Vale observar o que algumas organizações estão fazendo. O BNDES, por exemplo, já se antecipou com a iniciativa da stable­coin, token que tem como garantia a conversão direta para a moeda nacional, nesse caso 1 token equivale a 1 real. O objetivo do BNDES com o projeto é rastrear como o dinheiro emprestado está sendo gasto pelas empresas financiadas, evitando assim desvios de finalidades e fraudes. Soluções desse tipo podem ser utilizadas em toda a administração pública.

Pequenos países do nosso pedaço do mundo, a região das Américas e do Caribe, como as Bahamas– que já têm a sua própria implementação de moeda digital – e El Salvador, que se rendeu ao bitcoin, têm chamado a atenção do mundo. Imagine em um cenário hipotético se algum deles decidisse adotar o yuan digital chinês como moeda oficial. Seria necessário apenas alguns upgrades nos sistemas dos bancos centrais para que a disrupção atingisse a própria construção e formulação desses estados, uma disrupção sem precedentes.

Continuando com o exercício de imaginação, pense agora nos inúmeros cenários que podem ser construídos e incluídos no dia a dia das empresas e do consumidor. Os contratos programáveis, como os da rede Ethereum, também baseada em blockchain, também abrem caminho para uma solução que aumentará radicalmente a eficiência do setor financeiro: o dinheiro programável. Para entender o que é isso, imagine a compra e venda de um bem como um imóvel, em que você fecha o negócio mas o dinheiro em si é programado para ser liberado após uma série de verificações como autenticidade do vendedor, desembargo do bem etc. Sem a necessidade de burocracias ou garantidores intermediários.

Poderiam ser implementados incentivos para que o dinheiro programável fosse utilizado em vários tipos de negócios que precisam eliminar ruídos – qualquer compra a prazo, no limite, ou grandes transações entre empresas. Pagamentos de auxílios emergenciais, aposentadoria, microcréditos, doações filantrópicas, investimentos em educação e saúde, e outros tantos instrumentos socioeconômicos importantes poderiam ser mais efetivos e movimentar a economia real sem as ineficiências das atuais políticas monetárias e o alto potencial de fraudes. Um universo de possibilidades, criado pela tecnologia, se abre e está ao nosso alcance.

Nos próximos dez anos, muitas das decisões econômicas estarão nas mãos da geração millenial, acostumada ao mundo digital e, por isso, pouco resistente às inovações tecnológicas. O fato de ela começar a assumir posições críticas no direcionamento de governos e empresas nos dá mais certeza de que muito mais inovações disruptivas estão por acontecer.

O grande ponto de interrogação hoje, no Brasil, é sobre como o nosso BC vai elaborar as regras fundamentais para a realização de transações entre as redes de blockchains públicas e privadas, entre o real digital e os DeFi. Se isso for feito com a velocidade e a eficiência com que fizemos o Pix e o open banking, o Brasil poderá se tornar um ambiente de negócios fantástico, forte e resistente, inclusive comparativamente a outros países, com a infraestrura digital necessária para resgatar nossa economia a passos exponenciais.

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Autoria

Eduardo Ibrahim

Eduardo Ibrahim é faculty da Singularity University Brazil, fundador da consultoria Exonomics, graduado em engenharia de software, com mestrado em finanças e estudioso de behavioral science.

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