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Startups correm contra o tempo

A parceria com grandes empresas pode ser de grande ajuda nisso, mas apenas se proporcionar ao menos um de quatro benefícios. E se os quatro principais riscos forem evitados

Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

23 de Julho

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Artigo Startups correm contra o tempo

O tempo é o recurso mais escasso. O poeta Carlos Drummond de Andrade disse que “perder tempo em aprender coisas que não interessam priva-nos de descobrir coisas interessantes”. A frase se aplica para a realidade das startups. Uma startup é uma organização em modo descoberta. E, por dispor de poucos recursos, essa descoberta precisa ser rápida ou pode inviabilizar o negócio. Ao dedicar tempo para aquilo que não é relevante, a startup vai acabar deixando de descobrir, em tempo hábil, o que importa para validar e escalar o seu modelo de negócio.

Nos últimos cinco amos o ecossistema de inovação brasileiro foi tomado por programas de engajamento entre corporações e startups. O número de startups passou de 13.000 enquanto que o investimento de venture capital em startups brasileiras em 2019 triplicou de volume investido em relação a 2017.

Além disso, os empreendedores amadureceram com a disseminação de boas práticas de empreendedorismo enxuto. É possível ver o surgimento de “second time founders” como Marcelo Maisonnave que fundou a XP Investimentos e, mais recentemente, a Warren. E as empresas estabelecidas ficaram mais sensíveis aos impactos da disrupção. O custo da tecnologia caiu drasticamente. As ferramentas de inovação aberta se disseminaram. Não é novidade que, nesse contexto, corporações precisam de mecanismos de defesa e de ataque. Ninguém quer enfrentar um novo Uber, Rappi, XP ou Nubank sem tempo e capacidade de resposta.

Movimentos como pitchdays, incubação, aceleração, investimento e aquisição de startups se tornaram pauta diária nas corporações. O problema é que feitos sem o devido alinhamento estratégico, preparação organizacional e método especifico trouxeram, na maior parte dos casos, resultados marginais para ambas as partes.

Segundo dados da 500Startups mais de 50% das corporações que realizaram projetos piloto com startups transformaram apenas 10 a 15% em relações comerciais subsequentes. Essa baixa taxa de sucesso tem deixado as startups mais seletivas para tais iniciativas.

Nos últimos anos, tive a oportunidade de participar de dezenas de programas desse tipo com mais de 200 pilotos realizados entre empresas estabelecidas e startups. Consolidei um racional de quais benefícios as startups podem esperar e quais riscos devem evitar.

Os 4 benefícios da relação com empresas estabelecidas

1. Ter acesso a ativos únicos

Uma grande empresa é um pool de recursos humanos, financeiros, reputacionais e de relacionamento. Imagine ter acesso a um canal de distribuição ou estrutura de laboratório como os da Coca-Cola para quem trabalha com alimentos e bebidas?

Empresas estabelecidas tem profissionais técnicos em diversas áreas que são caros para a realidade das startups. Quando você faz negócio com uma dessas empresas, esse conjunto de ativos fica mais perto de sua realidade.

2. Incorporar a chancela de uma grande empresa

Nada mais importante para quem está tentando fazer algo novo do que credibilidade. Sua startup pode até ter conseguido captar os primeiros clientes, inovadores e early adopters mas para acessar o mainstream vai ser necessário mostrar que gente conservadora e cética acredita em você. Para uma startup de saúde, por exemplo, dizer que a Roche está usando a solução pode ser um divisor de águas.

3. Melhorar produto e prestação de serviços

Trabalhar com grandes empresas é sinônimo de dificuldades. Interlocutores diversos. Mudanças de caminho. Demandas complexas. E, exatamente por isso, pode ser uma oportunidade sensacional de evoluir o seu produto e, principalmente, sua capacidade de prestação de serviços.

Acompanhando os 12 pilotos de startups em execução na Hypera Pharma fica evidente que parte das startups sairão dessa experiência contratadas mas, acima de tudo, fortalecidas. As exigências e reflexões trazidas pelo time da grande empresa irão ajudar algumas das soluções a serem ainda melhores.

4. Captar recursos sem abrir mão de equity

Discutir valuation em uma startup early stage é, normalmente, carregado de incertezas que se transformam em risco deduzido no fluxo de caixa futuro. Nesse cenário, abrir mão de “só” 15% pode não parecer relevante, mas depois de diversas séries de captação, pode fazer toda diferença na atratividade que o empreendimento terá para o empreendedor.

Não há melhor dinheiro captado do que por meio da emissão de nota fiscal de venda de produto ou serviço. O Sicredi assinou contrato com a Hallo para operação de um marketplace chamado Sicredi Conecta que reúne milhares de cooperados numa plataforma tecnológica. Com essa receita a startup pode se organizar para crescer e captar novos investimentos em melhores condições.

Os 4 riscos da relação com empresas estabelecidas

1. Perder tempo com o que não é prioridade

Não participe de iniciativas que não tenham absoluto fit com seu momento e que não forneçam os ativos que são prioridade para seu desenvolvimento. Há programas que prometem espaço em coworkings mas se sua startup tem 20 funcionários e escritório próprio essa é uma oferta irrelevante.

Identifique se os contatos na empresa tem o mandato e recursos necessários. Não perca tempo com empresas estabelecidas que não estão organizadas para esse relacionamento. Priorize a execução de um piloto de curto prazo e não o desenho de um macro plano que pode revolucionar o mercado mas que demanda mais tempo para ser desenhado do que para ser executado.

2. Virar um desenvolvedor sob medida

Grandes empresas tem natural tendência a customização de soluções para suas necessidades específicas. Isso pode ensejar alterações em seu produto original. Parte dessas modificações podem ser úteis. A Agrymet combinou de fazer adaptações em seu produto que seriam úteis para a SLC Agrícola mas também faziam sentido para o seu roadmap.

Noutras situações, tais exigências são demandas da empresa que não serão adotadas por outros clientes da startup o que a coloca numa jornada de versões white label e, por vezes, numa perigosa rota de desenvolvimento sob medida que não é a pegada da startup.

3. Ficar estrategicamente delimitado

Nem todas empresas aprenderam a se relacionar com startups. Parte delas exige exclusividade de soluções mesmo que aquilo não gere vantagem competitiva. Imagine uma grande instituição financeira pedindo que uma startup de recrutamento e seleção de pessoas não atenda outros bancos brasileiros.

Isso acabaria com um de seus principais mercados. Nesse caso, ou a empresa adquire a solução e paga por isso ou a startup, aceitando essa oferta, terá seu potencial de mercado reduzido.

Cuidado com exclusividades, direitos excessivos e limitações, especialmente quando estiver assinando contratos de prestação de serviços ou parceria, mas também no caso de investimento da corporação no equity da startup. Ficar aprisionado pode ser sufocante.

4. Perder contato com os interlocutores

As grandes empresas tem como prática a troca de posição dos seus executivos com frequência. É fundamental para startup desenvolver relacionamento com demais profissionais dentro da empresa.

Com uma empresa de construção com quem trabalhamos, uma troca do sponsor do projeto impactou negativamente o piloto. A nova pessoa não fez o onboarding adequado. Não tinha o projeto como prioridade. E acabou não dando atenção ao piloto. O melhor é tentar se antecipar a essas situações, mas, ao vivenciar esse contexto, procure o mais rápido engajar o novo executivo.

Toda relação inter-empresarial apresenta desafios. Não é diferente com a inovação aberta entre corporações e startups. Identificar os riscos e benefícios pode ser decisivo. Acima de tudo, as startups devem tomar cuidado para não perder tempo com distrações, ou pode faltar tempo para fazer sua startup decolar.

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Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

É sócio-fundador da Innoscience, consultoria de inovação corporativa que trabalha com empresas como Roche, Coca-Cola, Duratex, Hypera Pharma. SLC Agrícola, Sicredi, M. Dias Branco, Braskem, Nestle, Ipiranga e Avon. É autor do livro “Gestão da Inovação na Prática”.

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