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Tecnologia e inovação

17 min de leitura

Uma oportunidade para a IA na América Latina

Maior atividade digital leva a maior geração de dados, o que pode impulsionar o uso de inteligência artificial

Eduardo Plastino, H. James Wilson e Robert Duque-Ribeiro

15 de Julho

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Artigo Uma oportunidade para a IA na América Latina

Não é segredo para ninguém que a pandemia de Covid-19 levou as empresas a acelerarem seus esforços de transformação digital. Apenas entre o início de março e o final de abril, o grande e repentino aumento no número de pessoas trabalhando de casa, bem como comprando, estudando e acessando serviços de saúde pela internet, levou a um salto de 80% no tráfego de upload global.

A América Latina não foi exceção. Em diferentes países da região, os governos apoiaram a aceleração dos processos de digitalização como parte de seus esforços para minimizar o impacto econômico da pandemia, facilitar o distanciamento social e garantir a prestação de serviços em áreas como saúde e educação. Na Argentina, o governo lançou um portal online com todos os recursos necessários para alunos e professores manterem suas atividades. No Chile, o governo atuou junto a empresas de telecomunicações para oferecer acesso à internet gratuito a integrantes das 60% famílias mais pobres do país caso elas não tivessem condições de pagar para usar a rede. No Brasil, onde a telemedicina era extremamente restrita antes da Covid-19, 54% das pessoas entrevistadas pela Accenture entre o fim de junho e o início de julho disseram ter recorrido à tecnologia para ter acesso a serviços de saúde durante a pandemia; destas, 82% esperam manter esse hábito depois dela. Muitos dos novos hábitos de 2020 permanecerão após a pandemia.

O que é menos óbvio é que o crescimento da atividade digital significa um aumento na geração de dados, os mesmos que são a base dos sistemas de inteligência artificial (IA). Portanto, a América Latina tem diante de si uma oportunidade de impulsionar a aplicação de soluções de IA em suas organizações – uma aplicação responsável, é evidente.

Indo além da transformação digital

O digital é apenas o primeiro passo para a ascensão da IA. Como nos disse Juan Gustavo Corvalán, diretor do laboratório de IA da faculdade de direito da Universidad de Buenos Aires, “a transformação de IA vai muito além da transformação digital. A abordagem é ‘ser inteligente by design’, o que possibilita mudar totalmente a própria estrutura da organização que a implementa, a forma como ela funciona e, às vezes, o que ela faz”.

As empresas da América Latina precisam aproveitar essa oportunidade. Em estudo anterior, a Accenture estimou que a IA tem o potencial de aumentar o tamanho da economia em 2035 em US$ 432 bilhões no Brasil, US$ 78 bilhões na Colômbia, US$ 63 bilhões no Chile, US$ 59 bilhões na Argentina e US$ 42 bilhões no Peru. Uma região cujo PIB deve encolher 8,1% em 2020, segundo as últimas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), precisará de toda a ajuda que puder obter.

Benefícios reais

Como exatamente esse potencial se traduz em ganhos econômicos concretos e avanços na área social? Os benefícios reais e potenciais são múltiplos, indo do desenvolvimento mais rápido de remédios ao apoio no combate à mudança climática.

Um bom exemplo vem do Brasil, onde em diferentes municípios profissionais de saúde pública foram treinados por parceiros do Instituto Votorantim para aplicar uma solução de telemedicina que incluía IA para triar e acompanhar pacientes com sintomas de Covid-19, atendendo-os quando possível por meio de teleconsulta de forma a reduzir a necessidade de visitas aos postos de saúde e, portanto, as chances de propagação do vírus.

Do ponto de vista operacional, os benefícios da IA para organizações individuais podem ser divididos em duas áreas: a colaboração entre pessoas e máquinas, observada em quatro configurações (confira box no fim desta página) e o redesenho de processos. Neste caso, a IA está tornando-os mais flexíveis, escaláveis e rápidos, e permitindo que as organizações os personalizem e transformem a tomada de decisões dentro deles. Exemplo disso vem da Liftit, startup de logística colombiana com clientes em toda a região. Sediada em Bogotá, a Liftit usa tecnologia de IA para analisar, organizar e otimizar as rotas de entrega levando em conta mudanças no trânsito, o que permite que seus clientes economizem tempo e executem operações de modo mais ágil.

Os desafios – e como enfrentá-los

Alguns dos desafios que a América Latina precisa superar são próprios da região; outros, são manifestações locais de dificuldades globais.

Classificamos esses obstáculos em três grupos diferentes: um deles inclui desafios que as organizações podem e devem superar por conta própria, e dois concentram aqueles problemas que exigem esforços coordenados mais amplos por parte dos setores público, privado e sem fins lucrativos nos níveis subnacional, nacional e regional. Analisamos possíveis maneiras de superar esses problemas e concluímos com breves considerações acerca da importância da adoção de uma abordagem estratégica para o desenvolvimento de IA.

Embora não nos aprofundemos aqui especificamente em considerações morais, vemos como algo absolutamente crucial que qualquer desenvolvimento, treinamento ou implementação de IA seja realizado de maneira ética, responsável e inclusiva, a fim de beneficiar a sociedade como um todo, e mais especialmente seus grupos mais vulneráveis e desfavorecidos. Assim, aplaudimos as diferentes iniciativas observadas na região que buscam promover uma IA responsável e centrada no ser humano – como, por exemplo, a aliança fAIr, liderada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Eis os desafios:

1. Inércia organizacional

Pesquisadores da área da administração há muito debatem a questão da inércia e da resistência à mudança nas organizações. Trata-se de um problema que pode surgir em diferentes partes da organização, com líderes relutantes ou incapazes de mudar um modelo operacional ou de negócios inadequados para a economia e a sociedade contemporâneas ou com funcionários relutantes ou incapazes de se adaptar às mudanças promovidas pela liderança.

Estudo anterior da Accenture indicou que, embora os líderes corporativos frequentemente acreditem que os funcionários não querem trabalhar com IA, essa percepção muitas vezes é errônea.

Mais correto é afirmar que, na América Latina, assim como em outras regiões, a mudança costuma ser prejudicada por um excesso de cautela das grandes empresas e mesmo de setores inteiros. Muitas atrasam a adoção de IA e outras tecnologias até terem suas posições no mercado ameaçadas por startups mais ágeis. Nesse ponto, pode ser tarde demais para começar a agir.

Corvalán, da Universidad de Buenos Aires, já ajudou dezenas de organizações latino-americanas a adotar a ferramenta Prometea. Ele explica que seu primeiro passo ao visitar um novo usuário potencial da solução é “mostrar aos tomadores de decisão que você se põe no lugar deles, realmente entende o problema que eles enfrentam e está lá para mostrar como a IA pode ajudá-los a resolvê-lo”.

Uma vez que um ou mais dos principais tomadores de decisão tenham se convencido a dar uma oportunidade à IA, a organização está pronta para iniciar seu processo. “Nesse ponto, o importante é começar por algo que produza benefícios tangíveis em pouco tempo e por um custo limitado”, diz Corvalán. Depois disso, a liderança já comprou a ideia e a próxima etapa é encontrar defensores espalhados pela organização dispostos a mostrar aos colegas como a IA pode ajudá-los.

Essa estratégia evidencia um fato importante – e, às vezes, esquecido – nas discussões sobre a adoção de IA. Embora uma transformação de IA bem-sucedida acabe mudando a maneira como uma organização opera, os primeiros passos são geralmente simples e de escopo limitado. Foi assim com uma fabricante de tubos de aço latino-americana. Suas entregas muitas vezes atrasavam porque as etiquetas de RFDI (tecnologia de identificação por radiofrequência) afixadas nos tubos para permitir que os sensores instalados nos portões das fábricas os contassem acabavam dobrando ou caindo quando os caminhões eram carregados.

Resultado: a quantidade de tubos que constava do sistema de controle da empresa não batia com a registrada por meio de sensores para cada caminhão individual. Isso obrigava um funcionário a ir até o portão para fazer a contagem manual dos tubos antes de permitir a saída do veículo da fábrica. Tal problema custava tempo e recursos à empresa.

A questão foi resolvida com um aplicativo de smartphone que usa visão computacional para contar os tubos com muito mais precisão, reduzindo de maneira substancial o número de vezes que um funcionário precisa verificar pessoalmente os caminhões antes de estes serem autorizados a deixar as instalações. Esse é o tipo de solução simples e barata que é altamente valiosa para a organização e tem o potencial de ser a primeira etapa em uma transformação de IA mais ampla.

2. Desafios da força de trabalho

A IA já está tendo um impacto significativo nos mercados de trabalho e, com o tempo, poucos aspectos desse universo deixarão de ser tocados de alguma maneira por ela. Evidentemente, a maioria das pessoas não trabalhará diretamente no desenvolvimento de soluções de IA, mas mesmo assim atuará em um mercado profundamente transformado por essas ferramentas. Isso exigirá um alto nível de letramento digital – ou seja, uma larga compreensão de como o digital, e a inteligência artificial em particular, afetam a sociedade e a economia.

Consideremos primeiramente os trabalhos diretamente relacionados à IA. Eles podem ser divididos em três categorias:

  • A dos treinadores, que “ensinam” sistemas de IA a ter alto desempenho e a imitar o comportamento humano.

  • A dos explicadores, que ajudam pessoas que não são de áreas técnicas a entender esses sistemas.

  • A dos sustentadores, cuja missão é fazer os sistemas de IA operarem como esperado e tomar as primeiras providências para lidar com eventuais consequências negativas não intencionais dessas ferramentas.

Observando esses perfis de trabalho, fica evidente que a América Latina tem bastante lição de casa para fazer. O Chile, na 31ª posição, é o primeiro país da região no ranking de talentos globais na era da inteligência artificial, publicado este ano pela escola de negócios Insead, o Grupo Adecco e o Google. As maiores economias da região, o Brasil e o México, ocupam o 80º e o 69º lugares, respectivamente.

Nem todas as notícias são negativas. Apesar da falta de uma massa crítica de talento, a América Latina tem um grupo de profissionais de ponta em IA trabalhando em algumas empresas de primeira linha – da Pollux, startup brasileira que desenvolve soluções de manufatura avançada, ao Mercado Libre (Mercado Livre, no Brasil), gigante argentina do e-commerce listada na Nasdaq que opera em toda a região e, no início de agosto, tornou-se a maior empresa latino-americana em capitalização de mercado.

Também há esforços na área acadêmica. O think tank C Minds analisou 48 universidades em 12 países da região e verificou que 46 delas tinham programas relevantes, 38 realizavam pesquisas na área e 29 tinham um laboratório de IA.

Há ainda diversas iniciativas fora da academia para promover o aprendizado de competências de IA. Por exemplo, a organização sem fins lucrativos Saturdays. AI trabalha em vários países Latam para ajudar pessoas a desenvolver habilidades de IA de forma colaborativa e baseada em projetos.

Tais iniciativas não resolvem imediatamente a escassez de talentos na região, mas apontam na direção certa. “Nunca podemos perder de vista a importância de uma educação acadêmica abrangente e de longo prazo com foco em ciência e tecnologia. Mas há amplo espaço para aproveitar ao máximo os cursos de curta duração, que ajudam na formação dos profissionais e lhes permitem exercer diferentes funções nessa área. A realidade é que precisamos dos dois”, afirmou em conversa conosco Luís Lamb, secretário de inovação, ciência e tecnologia do Rio Grande do Sul, no Brasil.

As oportunidades de adquirir conhecimento técnico em IA a um custo cada vez menor se multiplicam. Combiná-las com uma formação acadêmica aprofundada deve ser uma prioridade para o setor privado, a sociedade civil, a academia e os governos. Além disso, como algumas multinacionais já notaram, os melhores profissionais de IA da América Latina unem excelência técnica e uma flexibilidade operacional ímpar, muitas vezes desenvolvida para superar obstáculos burocráticos e outras dificuldades que seus pares em outros mercados enfrentam menos. É uma vantagem competitiva para a região.

No entanto, o aumento do número de treinadores, explicadores e sustentadores na América Latina resolveria apenas parte do problema. A região precisa urgentemente encontrar maneiras de melhorar o letramento digital de toda a sua população.

O aprendizado contínuo é parte crucial da resposta em um contexto de mudança tecnológica acelerada. Nesse ponto, há dois desafios estruturais:

  • O primeiro é que a região parte de um nível baixo de competências. Trata-se de um problema que há muito atrapalha o desenvolvimento da região e é especialmente grave no contexto atual porque, como recentes pesquisas em neurociência destacam, o conhecimento anterior desempenha papel-chave no aprendizado adicional das pessoas.

  • O segundo desafio é que mais da metade dos empregos da América Latina é informal (inclusive parte daqueles em empresas formais). O choque econômico associado à Covid-19 deve aumentar ainda mais a fração de empregos informais na região. Esses empregos oferecem aos trabalhadores pouquíssimas oportunidades de requalificação.

O que pode ser feito? A diversidade de obstáculos nessa área exige uma abordagem multifacetada e de longo prazo. Nos próximos anos, os governos buscarão reconstruir as finanças públicas após o impacto de suas respostas à pandemia. Mesmo nesse contexto, é fundamental que os orçamentos para a área da educação sejam preservados e, na medida do possível, até mesmo expandidos.

O investimento em educação por estudante em todos os níveis de ensino na América Latina já é significativamente mais baixo do que na maioria das economias avançadas. E todos os níveis de educação são importantes. As crianças do jardim de infância, por exemplo, estão desenvolvendo em suas brincadeiras muitas das competências sociais e cognitivas cruciais para o novo mundo do trabalho.

A tecnologia pode e deve ser usada para ajudar na requalificação da força de trabalho, na formação de novos profissionais e na aprendizagem contínua. Na Argentina, pesquisadores do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica (Conicet) e da Universidad Austral desenvolveram uma ferramenta online gamificada que se mostrou extremamente bem-sucedida no ensino de empatia a adolescentes de entre 12 e 15 anos e também foi adotada na Colômbia, no México e no Uruguai.

A tecnologia também pode ser usada para apoiar adultos em busca de desenvolver competências “humanas” e técnicas. Por exemplo, a própria IA é capaz de adaptar programas de estudo e testes às necessidades de cada pessoa, e chatbots podem servir como especialistas em um determinado assunto disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana.

3. Ecossistemas de dados deficientes

Embora empresas, governos e sociedades da América Latina tenham avançado significativamente em suas jornadas de digitalização nos últimos anos, o progresso da região nesta área está ocorrendo muito mais lentamente do que em outras economias emergentes, como as da Ásia-Pacífico. Uma boa ilustração de onde as empresas da região estão em termos de seus processos de digitalização é o fato de que, embora raras não tenham acesso à internet, nem todas acessam serviços bancários online (apenas 34,2% no Peru e 47,1% no Equador) e, na maioria dos países, menos da metade usa a rede em seus processos de compras (o nível chega a ser de apenas 13,5% no México).

Níveis de digitalização relativamente baixos significam que menos dados são gerados. Isso se traduz em um desempenho inferior de IA. Duas causas inter-relacionadas estão na raiz do problema.

Uma é o abismo digital da América Latina, que reflete as grandes disparidades características das sociedades altamente desiguais da região. Existem grandes diferenças nas taxas de acesso à internet não apenas dentro de cada sociedade latino-americana, mas também entre os países relativamente prósperos e aqueles mais pobres da região. Por exemplo, no Chile, 82% da população tinham acesso à internet em 2018; na Argentina e na Costa Rica, esse número chegava a 74%, enquanto na Bolívia ele era de 44% e no Haiti, de 33%.

A segunda causa é a infraestrutura deficiente de tecnologia da informação e comunicação (TIC). Essa deficiência fica clara quando destacamos que, em 2018, 91% da população de América do Norte e Europa estavam cobertas por pelo menos uma rede móvel 4G (ou LTE), enquanto na América Latina esse número ficava em 79%. A qualidade da infraestrutura existente também varia bastante em toda a região.

Como resumiu em conversa conosco Gonzalo Arauz, do BID, “ter uma indústria de IA requer a disponibilidade e a geração constante de grandes quantidades de dados. Em partes da América Latina, a infraestrutura fica muito aquém da necessária”.

Os dois problemas estruturais só podem ser resolvidos com crescimento econômico, políticas para impulsionar a inclusão social e digital, e investimento em infraestrutura no médio e no longos prazos. A corrida para construir infraestrutura 5G é uma oportunidade.

Isso não significa, no entanto, que a América Latina deva esperar para começar a aumentar suas capacidades de IA. A região daria um grande passo se desenvolvesse sistemas colaborativos que permitissem às suas organizações compartilhar dados de boa qualidade. Isso seria particularmente importante para mercados menores, bem como aqueles com ecossistemas digitais menos desenvolvidos.

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Estratégias abrangentes

A experiência de países e regiões no mundo todo que avançaram significativamente no desenvolvimento bem-sucedido de seus ecossistemas de IA indica que estratégias abrangentes costumam desempenhar um papel importante nessas jornadas. Elas precisam prever medidas bem direcionadas e fazê-lo numa ampla gama de aspectos, como:

  • O desenvolvimento de áreas essenciais para a criação, implementação e aprimoramento contínuo de tecnologias de IA, como o conhecimento técnico e a infraestrutura de qualidade.

  • A disseminação de competências de letramento digital entre a população em geral.

  • A atração de talentos e investimentos em IA.

  • A existência de oportunidades para um diálogo contínuo, colaborativo e efetivo entre todas as partes interessadas.

  • A inserção de players locais em ecossistemas de IA globais.

A América Latina já tem algumas histórias de sucesso em estratégia. Uma é a do estado mexicano de Jalisco, que colaborou de perto durante anos com o setor privado para desenvolver planos que estabeleceram as bases para uma economia digital dinâmica. Hoje, Jalisco tem um ambiente no qual há disponibilidade de capital semente para startups, apoio do Estado, forte investimento internacional e um sistema universitário que produz um fluxo robusto de profissionais de engenharia e ciência de dados. A secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia estadual tem um escritório focado na promoção de IA.

Diferentes países trabalham em estratégias nacionais de IA. O Uruguai possivelmente seja o mais avançado da região neste aspecto. A abordagem uruguaia é baseada em políticas públicas para criar uma governança de dados para uma transformação digital responsável do governo, fortalecer o uso de IA na administração pública e promover a pesquisa, o desenvolvimento e a adoção de machine learning e ciência de dados em todos os setores da economia.

O Uruguai oferece pelo menos duas grandes lições. A primeira é que o país se baseou em conhecimento existente, buscando inspiração em países que já estavam mais avançados em suas estratégias, como o Canadá e a Itália, além de alavancar seu próprio trabalho anterior, sobretudo na área de governo digital. A segunda lição é que o Uruguai entendeu desde cedo que é fundamental construir a confiança de todos os stakeholder.

A pandemia criou uma oportunidade para a América Latina: a de dar um salto em sua transformação digital e de IA. Também evidenciou os obstáculos a superar. Os exemplos aqui oferecidos podem inspirar os diversos players da região a usar a IA para aumentar sua prosperidade e o bem-estar de seus cidadãos.

MODOS DE COLABORAÇÃO PESSOAS-MÁQUINAS

Fundamentalmente, a inteligência artificial aumenta o potencial das pessoas em seus trabalhos – ou mais especificamente, nas diferentes tarefas que compõem os trabalhos humanos – de três formas:

  • Permite que as pessoas deixem o trabalho físico de rotina com os robôs, assim como faziam tecnologias de automação anteriores.

  • Lida com o trabalho cognitivo repetitivo.

  • Assume o trabalho cognitivo de baixo valor.

Essas são, de fato, as formas mais fáceis que as organizações têm de colher os frutos oferecidos pela IA sem alterar drasticamente suas operações. No entanto, o grande diferencial oferecido pela IA é seu uso na potencialização do trabalho cognitivo de alto valor. Nesse caso, os humanos permanecem no comando, mas sua produtividade e seu desempenho recebem um grande empurrão da tecnologia.

O sistema que usa aprendizado automático supervisionado, clustering e outras técnicas de IA desenvolvido pela Accenture para a SulAmérica Seguros, maior seguradora independente do Brasil, ilustra essa potencialização do trabalho de alto valor. O sistema elevou a detecção de desvios e desperdício muito acima de níveis ao alcance de operadores humanos.

Outro exemplo é o da Prometea, sistema de IA preditiva desenvolvido pelo Ministério Público da Argentina, que, ao agilizar tarefas parcial e totalmente automatizáveis com técnicas de IA, oferece assistência inteligente a funcionários do Poder Judiciário e gera documentos com pouca ou nenhuma intervenção humana. Importante: o Prometea é um sistema “caixa branca” – cujas decisões são rastreáveis e auditáveis. Com ele, a Universidad de Buenos Aires ajudou dezenas de organizações da região a adotar um novo paradigma de trabalho no setor público. Com base nele, a Corte Constitucional da Colômbia desenvolveu o sistema PretorIA – e o tempo necessário para selecionar os casos urgentes, entre os milhares recebidos diariamente, caiu de 96 dias para até dois minutos.



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Autoria

Eduardo Plastino, H. James Wilson e Robert Duque-Ribeiro

Eduardo Plastino é diretor sênior e líder de pesquisa para a América Latina da Accenture. H. James Wilson é diretor global de pesquisa em tecnologia e negócios da consultoria e Robert Duque-Ribeiro é seu diretor e líder de inteligência aplicada para a América Latina.

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