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Tecnologia e inovação

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Acessibilidade digital não é problema, é oportunidade

Pesquisa recente mostra que menos de 1% dos sites da web brasileira têm sucesso em todos os testes de acessibilidade aplicados. Mas ter sites e outras aplicações de internet acessíveis a pessoas com deficiência pode gerar vantagens para as empresas

Ciro Torres Freitas

05 de Agosto

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Artigo Acessibilidade digital não é problema, é oportunidade

Tratar de acessibilidade digital é tabu em grande parte das empresas no Brasil. Eliminar barreiras que impeçam ou limitem a plena utilização da Internet por pessoas com deficiência é algo ainda distante do dia a dia de inúmeras corporações – mesmo aquelas com presença online relevante. Matéria que muitos simplesmente evitam.

Essa incômoda falta de engajamento contrasta com a importância dispensada ao tema pela legislação brasileira e, de modo ainda mais significativo, com os proveitos potencialmente proporcionados às empresas que se dispõem a tratar a questão da acessibilidade digital como política integrada à sua estrutura de governança.

Panorama legal

No ordenamento jurídico brasileiro, a acessibilidade – em termos amplos – é assegurada em nível constitucional. O constituinte originário houve por bem atribuir à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência para legislarem, de forma concorrente, sobre a proteção e a integração social da pessoa com deficiência.

A Constituição Federal não deixa dúvida; manda que esses entes estatais editem normas legais capazes de assegurar os direitos da pessoa com deficiência, o que inclui – mesmo implicitamente – a garantia de acessibilidade. A concretização desse mandamento constitucional, contudo, levou mais de uma década para ser levada a termo pela União.

Em dezembro de 2000, entrou em vigor a Lei nº 10.098/2000, destinada a estabelecer normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade da pessoa com deficiência, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Até por uma razão histórica, a Lei nº 10.098/2000 não abordava a acessibilidade digital, compreendida como a eliminação de barreiras para pessoas com deficiência na Web. Ao tempo de sua entrada em vigor, a abertura da Internet comercial no Brasil era recente e a popularização da rede ainda não havia atingido as camadas mais numerosas da sociedade.

Foi em 2004 que a acessibilidade digital efetivamente ganhou espaço na legislação brasileira. Ao regulamentar a Lei nº 10.098/2000, o Decreto nº 5.296/2004 tornou obrigatória a acessibilidade nos portais de Internet e sites da administração pública, para garantir o pleno acesso das pessoas com deficiência visual ao respectivo conteúdo.

Em 2009, foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York. Entre outras obrigações, a Convenção impõe aos Estados signatários a adoção de medidas para promover o acesso da pessoa com deficiência à Internet.

O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) reconheceu a acessibilidade como direito de todos usuários da Internet, consideradas as suas características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais. E estabeleceu que as aplicações de Internet de entes do poder público devem buscar a acessibilidade para todos os usuários interessados.

Finalmente, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) trouxe um conjunto amplo e robusto de normas assecuratórias dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, contendo princípios e regras sobre acessibilidade em suas diferentes dimensões, incluindo a digital.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência tornou obrigatória a acessibilidade em todos os sites mantidos por empresas com sede ou representação comercial no Brasil ou por órgãos de governo, para uso de toda pessoa com deficiência, “conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente”.

Por que falhamos?

Publicado em 20 de maio de 2020, um estudo sobre a experiência de navegação das pessoas com deficiência conduzido pela BigData Corp e pelo Movimento Web para Todos nos 14,65 milhões de sites (privados e governamentais) ativos da web brasileira apurou que apenas 0,74% deles tiveram sucesso em todos os testes de acessibilidade aplicados.

O número traz à tona uma relevante indagação: se a implementação da acessibilidade é, há pelo menos cinco anos, obrigatória em todos os sites mantidos por empresas com sede ou representação comercial no Brasil ou por órgãos de governo brasileiro, por que, em sua esmagadora maioria, esses sites ainda não são acessíveis a pessoas com deficiência?

Há diversas respostas possíveis para essa questão, em parte relacionadas à própria legislação brasileira, como a dificuldade de implementação em razão do conceito aberto da norma vigente, que, em vez de fornecer critérios objetivos de acessibilidade para sites, os obriga a seguir “as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente”.

Mas certamente há motivos adicionais, extrajurídicos, para o baixíssimo percentual de sites acessíveis a pessoas com deficiência operando no Brasil. E uma reflexão sobre esses motivos denota que falhamos, também, pela incapacidade de antever os proveitos – inclusive comerciais – proporcionados às empresas que adotam a acessibilidade digital.

Win-win situation

Tornar uma aplicação de internet – seja um site ou um app – acessível a pessoas com deficiência representa mais que cumprir a lei. Significa, sobretudo, respeitar um direito humano, como tal reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), e contribuir para o acesso efetivo de milhões de pessoas à informação e demais recursos disponíveis na Internet.

Trata-se de uma ação de responsabilidade social, capaz de fortalecer perante o público a reputação e o bom nome da empresa que a promove, valorizando a sua marca. A certificação de aplicações de Internet acessíveis, mediante concessão de selos por entes públicos e privados, reforça o potencial de ganho de imagem para as empresas que cumprem a lei.

Há, ainda, o proveito econômico direto. Sites e apps acessíveis tornam-se atraentes para pessoas com deficiência – e também para outras pessoas menos familiarizadas com o uso da Internet, por apresentarem navegação mais amigável. Isso aumenta a audiência, impulsiona as vendas online e valoriza a aplicação enquanto espaço de veiculação de publicidade.

Como se não bastasse, a implementação dos padrões técnicos inerentes ao desenvolvimento de aplicações de Internet acessíveis tende a melhorar o seu funcionamento e desempenho, inclusive por meio da redução do tempo de carregamento de páginas, e até a aumentar a sua visibilidade pelas ferramentas de busca na web.

A implementação da acessibilidade digital gera, portanto, impactos positivos tanto para as pessoas com deficiência quanto para as empresas que adequam as suas aplicações de Internet – e ainda representa campo fértil para a inovação ao impulsionar o desenvolvimento de tecnologias capazes de auxiliar nesse processo de eliminação de barreiras.

Em um cenário de contínua expansão dos serviços online e de sólido crescimento do mercado de internet no Brasil, investir em acessibilidade digital é não só recomendável, mas premente para qualquer empresa seriamente disposta a diferenciar-se da concorrência, estabelecendo com o seu público um vínculo virtuoso, uma relação em que todos ganham.

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Autoria

Ciro Torres Freitas

Sócio do Pinheiro Neto Advogados e escreveu este artigo com exclusividade para o Fórum SMR de Direito digital.

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