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Direito Digital

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A influência da IA no entretenimento

As questões legais para o uso da inteligência artificial nessa indústria

Cristiane Marsola

14 de Dezembro

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Artigo A influência da IA no entretenimento

Quando o assunto é inteligência artificial (IA), ainda existem muito mais perguntas do que respostas, principalmente quando o tema ganhou os holofotes com a popularização da IA generativa. Um dos segmentos que tem questionado os limites dessa ferramenta é a indústria do entretenimento. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sindicato dos roteiristas entrou em greve contra serviços de streaming pela remuneração dos roteiristas de cinema e TV, mas também exigiu que as produtoras “regulamentem o uso de material produzido a partir de IA ou tecnologias afins”.

Thomas H. Davenport, membro da iniciativa MIT sobre economia digital, e Randy Bean, CEO da NewVantage Partners, comentam em artigo de MIT Sloan Management Review Brasil (LEIA AQUI) que essa é uma preocupação óbvia porque a inteligência artificial generativa é capaz de produzir os insumos dessa indústria: texto (na forma de histórias, scripts, anúncios e resenhas), campanhas de marketing e imagens, sejam móveis ou estáticas. Os autores citam que a IA generativa foi usada como parte da produção de “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, filme vencedor do Oscar de 2023, e isso foi divulgado.

No Brasil, recentemente um filme publicitário gerou polêmica ao usar imagem e voz de uma cantora que já faleceu. "O mercado de entretenimento vem sofrendo várias mudanças nas últimas décadas, desde o surgimento da Internet, com a disponibilização de obras sem autorização, o que fez o mercado se modernizar", explica o advogado André Giacchetta, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

"A IA vem também quebrar paradigmas e fazer com que haja novo impulso no mercado de entretenimento. Isso não acontecerá sem certa dose de fricção. Haverá problemas, situações de estresse, mas também essa indústria irá se valer da IA na transformação dos negócios”, afirma Giacchetta.

Ele acredita que o debate agora girará em torno de que tipo de regulação é a mais adequada e quais os impactos poderão ser mitigados com a utilização da inteligência artificial. “O que me preocupa em relação a esse tema é a questão da ética. A sociedade deve escolher quais são os comportamentos e as condutas que nós não desejamos que sejam impactados pela IA e quais são os resultados da utilização de sistemas de IA que não desejamos ter como sociedade”, comenta Giacchetta.

O advogado cita o caso da publicidade para exemplificar como a autorregulamentação pode ser feita. Ele lembra que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), fundado em 1980, surgiu a partir da organização de anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação para estabelecer as regras do setor, evitando a imposição do governo sobre o assunto. "É preciso ter muita cautela. Qualquer tipo de regulação que seja feita de maneira açodada corre o risco de não ser equilibrada e acabar inibindo a inovação e o próprio desenvolvimento dos sistemas de IA”, afirma.

Para Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-RIO) e professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as mudanças no entretenimento vão preceder a legislação. "O entretenimento sempre viveu com certa flexibilidade. Muito dos avanços vêm das dinâmicas contratuais e do desenvolvimento das tecnologias. As leis federais, em si, tendem a ser um pouco mais lentas. A inovação acontecerá na prática antes de ser regulamentada", comenta.

Questões legais para IA

Atualmente, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2238/2023, que dispõe sobre o uso de inteligência artificial no País. O PL tem "o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico". Até que essa legislação seja discutida e aprovada, as regras que valem são as que estão em outras leis.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, por exemplo, diz que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas". O mesmo artigo prevê que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar" e que "são assegurados, nos termos da lei, (...) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas".

Giacchetta destaca que a Lei dos Direitos Autorais (lei 9.610/1998) define como "obras intelectuais protegidas as criações do espírito" e, por isso, precisará ser atualizada para dar conta dessa nova tecnologia. "Aí entra naquela discussão: qual o grau de intervenção dos sistemas de IA que vamos admitir nas obras protegidas por direitos autorais? Eu não tenho dúvida que temos que admitir, sim, a utilização da IA como ferramenta para criação de novas obras protegidas por direito autoral. Mas uma obra que é criada integralmente por IA ou com mínima intervenção humana deve ser protegida por direitos autorais? Me parece que a lei brasileira não permitiria", diz.

Os questionamentos não param por aí. “Quando pensamos sobre IA, é um debate que precisa analisar diversas dimensões. É ético trazer de volta à vida artificialmente um artista falecido? É ético treinar uma aplicação de IA tomando como base obras de um determinado autor para que essa IA reproduza o estilo dele? Ao mesmo tempo, me parece que o entretenimento vai passar por uma mesma reflexão que o debate sobre big data proporcionou nos últimos dez anos. Com a digitalização do entretenimento, passamos a ter dados mais precisos sobre a maneira que as pessoas consomem obras culturais. Com IA, temos uma segunda onda. A criação dessas obras começa a ser automatizada em cima desses padrões descobertos na década passada”, explica Souza.

O professor afirma que um dos aprendizados que deve ser alcançado é entender o que realmente precisa de nova legislação e o que pode ser atendido com as regras existentes.

“A grande lição que tiramos desse debate é o que efetivamente precisa de uma nova lei. O desenvolvimento tecnológico já é, e será, cada vez mais, parte tão presente do nosso dia a dia que não é plausível de se imaginar que passará pelo processo legislativo, que é demorado, uma lei para cada nova onda de desenvolvimento tecnológico. É preciso que consigamos aplicar a legislação geral e que caiba ao Judiciário fazer os devidos ajustes para aplicar uma lei geral a um caso concreto que envolve tecnologia”, conclui Souza.

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Autoria

Cristiane Marsola

Cristiane Marsola é colaboradora da MIT Sloan Management Review Brasil.

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