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Hidrogênio verde: uma revolução energética em andamento

Estudo analisa como as empresas podem capitalizar as oportunidades criadas por essa fonte de energia limpa

Ticiana Werneck

18 de Setembro

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Artigo Hidrogênio verde: uma revolução energética em andamento

Um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade – reduzir a emissão de carbono a zero para prevenir os efeitos desastrosos do aquecimento global – requer a construção de sistemas de energia baseados em fontes limpas, confiáveis e acessíveis. Essa demanda tem impulsionado organizações pelo mundo a explorar novos modelos e soluções energéticas, como o hidrogênio verde, como é chamado o hidrogênio de baixo carbono.

No final do ano passado, durante a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), COP27, o World Bank Group anunciou a criação da Hydrogen for Development Partnership (H4D), uma nova iniciativa global para impulsionar a implantação de hidrogênio verde em países em desenvolvimento, buscando acelerar sua transição para energia limpa.

Atento a essa questão, o Capgemini Research Institute produziu o relatório Low-carbon Hydrogen: a path to a greener future, em que analisa como as empresas podem capitalizar as oportunidades criadas por essa fonte de energia limpa. O levantamento mostrou que, apoiado por uma mudança global rumo à descarbonização, o hidrogênio verde está ganhando importância como um vetor de energia, sendo considerado pela maioria das organizações ouvidas como o principal contribuinte de longo prazo para alcançar metas de redução de emissões e de sustentabilidade. Se hoje ele corresponde a apenas 1% de todo hidrogênio produzido, os entrevistados disseram esperar que, com a redução dos custos e avanços tecnológicos, o verde chegue a 55% em 2050.

O que é hidrogênio verde?

O hidrogênio é invisível e inodoro, mas no âmbito da energia ganha diferentes cores dependendo de como é produzido. Aquele feito a partir do uso de fontes renováveis, conhecido popularmente como hidrogênio verde, é produzido com eletricidade de fontes eólicas, solares e hídricas, que não emitem gases do efeito estufa. Isso geralmente é feito aplicando uma carga elétrica sobre a água para separar o hidrogênio do oxigênio – processo conhecido como eletrólise. O hidrogênio é então coletado e pode ser utilizado como uma fonte de energia limpa em diversos setores, como transporte, indústria e geração de eletricidade. Devido ao alto custo, a eletrólise realizada com energia hídrica representa hoje menos de 0,1% da produção de hidrogênio mundial.

Já o hidrogênio produzido a partir, ou através, de combustíveis fósseis – como gás e carvão – pode ser chamado de hidrogênio cinza (que representa a maior parte da produção), marrom e azul. Ao contrário desses, o verde não emite carbono durante o processo de produção. Isso o torna uma opção atraente para reduzir as emissões de gases poluentes de efeito estufa e combater as mudanças climáticas.

A transição para o hidrogênio verde poderia evitar, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a emissão anual de 830 milhões de toneladas de CO² atualmente emitidas pelo hidrogênio produzido de forma convencional. O estudo do Capgemini mostrou que a maioria (64%) das organizações de energia e utilities (E&U) planeja investir em iniciativas de hidrogênio de baixo carbono até 2030; e nove em cada dez planejam fazê-lo até 2050.

O relatório Roadmap to Net Zero by 2050, desenvolvido pela AIE, prevê que ao atingir a emissão zero até 2050, o setor de energia mundial daria ao mundo uma boa chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Neste percurso, a produção de hidrogênio verde se expandirá exponencialmente. Com isso, calcula-se que até 2050, mais de 320 milhões de toneladas de hidrogênio terão sido produzidos em todo o mundo com a eletrólise – até hoje, foram produzidas menos de 50 mil toneladas. No entanto, existem desafios importantes na busca por esse rápido aumento.

Os desafios à frente

Atualmente, a produção de hidrogênio de baixo carbono custa de duas a três vezes mais do que a de hidrogênio à base de carbono. Produzir hidrogênio verde custa entre US$ 3 e US$ 8 por quilo – enquanto o hidrogênio cinza custa entre US$ 0,50 e US$ 1,7 por quilo, e o azul entre US$ 1 e US$ 2. Segundo Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), esse custo deve cair num futuro breve na esteira de inovações na área, que irão impactar a tecnologia empregada no processo de eletrólise, assim como a maior produção de eletrolisadores.

Na visão de Emanuel Queiroz, diretor de soluções de nuvem e sustentabilidade da Capgemini Brasil, outro desafio está ligado à eficiência do processo de produção, que hoje é de 60%. “Ou seja, ainda perde-se muito devido à ineficiência do processo atual da eletrólise. Com os avanços em pesquisas, veremos uma produção exponencialmente maior com a mesma matéria-prima”, comenta.

Há ainda desafios ligados ao transporte, à engenharia, à infraestrutura de distribuição e recarga, e à mão de obra especializada. A expectativa é que, com o apoio de políticas governamentais para o aumento do custo da emissão de CO², a redução dos custos de energia renovável, os avanços tecnológicos rápidos e um crescente foco na descarbonização e soluções de energia sustentável, a viabilidade comercial do hidrogênio de baixo carbono cresça junto com sua demanda.

O estudo do Capgmenini Research Institute revelou que os investimentos estão fluindo em toda a cadeia de valor do hidrogênio - especialmente no desenvolvimento de tecnologias de produção com custos efetivos (52% das organizações investem nisso), eletrolisadores e células de combustível (45%), e infraestrutura de hidrogênio (53%) para ajudar a criar fontes de receita alternativas e auxiliar nos esforços de descarbonização. Do lado regulatório, mais de 80 países ao redor do mundo apoiam a produção de hidrogênio limpo, seja por meio de políticas ou planos relacionados a ele, seja fornecendo suporte para projetos de hidrogênio de baixo carbono e P&D por meio de subsídios ou esquemas de comércio de emissões, ou ainda através da aplicação de impostos sobre o hidrogênio intensivo em carbono.

É justamente na área de P&D que estão os maiores investimentos. O levantamento da Capgemini descobriu que 45% das organizações de E&U estão investindo em pesquisa e desenvolvimento para vencer os desafios dessa transição energética, para aprimorar a tecnologia de eletrólise, melhorar a eficiência e aumentar a produção. “Assistimos o mercado se movimentar em direção a pesquisas ligadas a análises de dados das diferentes etapas do processo, simulações em ambiente controlado, inteligência de dados e governança do processo”, comenta Queiroz. O foco na inovação é tido como a chave para escalar a produção. Alguns resultados já podem ser comemorados. Em maio de 2022, a Hysata - uma empresa de tecnologia de eletrólise baseada na Austrália - desenvolveu uma tecnologia de ponta em que a eletrólise opera com eficiência de 95% - distante das atuais 60%.

Onde estão as oportunidades da descarbonização?

Para Tatsumi Igarashi, gerente de negócio liberalizado, da Neoenergia, há grandes oportunidades para o Brasil se posicionar como um agente relevante no processo de descarbonização mundial, atuando como produtor e exportador de hidrogênio verde. “Com sua matriz eletroenergética baseada em fontes renováveis de geração, o País pode ser protagonista na produção de hidrogênio verde e seus derivados”, ressalta. A Neoenergia está investindo em estudos de hidrogênio verde e derivados, pautados pela descarbonização, inovação e desenvolvimento de novas tecnologias para geração de uma energia limpa, segura e confiável.

Na perspectiva de Queiroz, da Capgemini, essa fonte de combustível irá criar novas oportunidades comerciais em toda a cadeia de valor, incluindo novas fontes de receita e modelos de negócios. Setores com aplicações tradicionais de hidrogênio, especialmente refino de petróleo, produtos químicos e fertilizantes, e siderurgia, têm grande potencial para adotar o hidrogênio de baixo carbono. A demanda por hidrogênio em novas aplicações, como mobilidade terrestre de longo alcance (para caminhões pesados e ônibus), aviação de longo curso, especificamente combustível de aviação sustentável (SAF), ou marítima, deverá aumentar.

Segundo o estudo do Capgemini Research Institute, para aproveitar as oportunidades, mitigar custos e expandir rapidamente, as organizações precisarão abordar três aspectos:

  • Estratégico: para aumentar a produção de hidrogênio verde, os investimentos devem ser compartilhados entre atores públicos e privados e a demanda dos clientes deve ser forte. As organizações devem avaliar novos modelos de negócios sob perspectivas de sustentabilidade e custo total de propriedade. Para viabilizar esses modelos, é necessário definir uma estrutura de governança dedicada à produção de hidrogênio de baixo carbono, além de focar na educação e programas de capacitação de mão de obra.
  • Tecnológico: as organizações devem aproveitar o potencial da tecnologia e da engenharia digital para mitigar desafios relacionados à medição do nível de intensidade de carbono, otimização de custos, eficiência, segurança, desempenho, lucratividade e tomada de decisões em tempo real no nível dos ativos. Tecnologias como gêmeos digitais, inteligência artificial (IA), análise de dados e blockchain podem ajudar a lidar com esses desafios de implementação, modelando vários cenários para maximizar o retorno sobre o investimento (ROI) e permitindo tomadas de decisões baseadas em dados ao longo do ciclo de vida e em todo o ecossistema.
  • Ecossistema: para se tornarem parceiros preferenciais das organizações finais e oferecerem o hidrogênio de baixo carbono como uma alternativa viável, as organizações devem estabelecer parcerias com fornecedores de eletrólise, produtores de energia renovável, provedores de armazenamento e entidades da cadeia de suprimentos para facilitar a produção em larga escala.

Algumas iniciativas pelo mundo

De acordo com os dados da pesquisa, nos últimos três anos a demanda por hidrogênio de baixo carbono cresceu mais de 10% em países como França, Índia, Reino Unido, Japão, Estados Unidos, Alemanha e Suécia. No Japão, o Ministério da Economia, Comércio e Indústria propôs alocar cerca de US$ 2,3 bilhões para o desenvolvimento da importação e cadeia de suprimentos de hidrogênio verde.

O governo belga investiu € 95 milhões (cerca de US$100 milhões) na construção de uma rede de dutos de hidrogênio e CO². Além disso, reservou um orçamento anual de € 25 milhões para P&D e € 16 milhões para a criação de um centro de especialização em hidrogênio em 2022. A estratégia de hidrogênio da Bélgica concentra-se em quatro pilares: posicionar o país como um hub de importação e trânsito de energias renováveis na Europa; desenvolver liderança belga em tecnologias de hidrogênio; estabelecer um mercado robusto de hidrogênio; e focar em colaboração e cooperação.

Já o Departamento de Energia dos Estados Unidos iniciou um programa de US$ 8 bilhões para desenvolver uma rede de hubs para a produção de hidrogênio limpo. A rede irá conectar produtores de hidrogênio, consumidores e infraestrutura local. Até novembro de 2022, foram recebidas inscrições para quase US$ 60 bilhões de financiamento federal de organizações dispostas a investir US$ 150 bilhões de capital próprio.

O futuro verde à frente

Para Birol, da AIE, muito pode se esperar daqui para frente em relação ao hidrogênio de baixo carbono. “O hidrogênio verde ainda está em seus primórdios, mas com o apoio necessário ele irá desempenhar um papel crucial para que a transição energética seja bem-sucedida”, assegura.

O hidrogênio já passou por falsos momentos de progresso. Cientistas o isolaram pela primeira vez no século 17, e a General Motors testou um carro a hidrogênio em 1966. “O potencial do hidrogênio, porém, é muito maior hoje, já que o mundo está cada vez mais voltado à necessidade de zerar as emissões o mais rápido possível”, opina Birol. E temos motivos para ser otimistas: muitas tecnologias de energia progrediram mais rápido do que o esperado, como a eólica e a solar, cujos custos despencaram graças ao forte apoio às políticas, à inovação tecnológica e à motivação empresarial.

“À medida que a tecnologia avança e os custos de produção diminuem”, diz Queiroz, “espera-se que o hidrogênio verde desempenhe um papel cada vez mais importante na matriz energética global e possamos colecionar projetos de sucesso nessa área”. Projetos que, aplicados em maior escala, ajudarão o hidrogênio verde a atingir todo o seu potencial colocando o mundo na estrada para a transição para a emissão zero.

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Autoria

Ticiana Werneck

Ticiana Werneck é colaboradora de MIT Sloan Review Brasil.

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