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IA generativa chegou em Hollywood e na indústria do entretenimento. E agora?

As opiniões dos especialistas sobre o uso da tecnologia na TV e no cinema divergem, mas eles podem estar corretos em relação aos impactos. Alguns setores da indústria tendem a adotar essas novas ferramentas, o que levará a mudanças dramáticas na produção e pós-produção, distribuição e propriedade intelectual

Thomas Davenport e Randy Bean

04 de Julho

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Artigo IA generativa chegou em Hollywood e na indústria do entretenimento. E agora?

Um dos muitos temas envolvendo a inteligência artificial (IA) generativa que vem sendo muito comentado é o efeito que esta pode ter sobre Hollywood e sobre a indústria do entretenimento em geral. É uma preocupação óbvia porque a IA generativa é capaz de produzir os insumos dessa indústria: texto (na forma de histórias, scripts, anúncios e resenhas), campanhas de marketing e imagens, sejam móveis ou estáticas. Muitos dentro desse segmento estão enfrentando pressões econômicas, o que aumenta a demanda por produtividade e por "produtos" mais baratos. E atualmente uma grande parcela do entretenimento é derivada de conteúdo passado, o que o torna adequado para tecnologias generativas que são treinadas em conteúdo passado.

Ainda é cedo para que o entretenimento seja realmente criado por IA, mas está claro que algo grande está acontecendo. Um artigo recente no Wall Street Journal publicou sobre ferramentas de IA disponíveis que podem sugerir histórias, arcos de personagens e diálogos. O texto ainda traz um módulo interativo que permite que os leitores vejam por si mesmos como o ChatGPT pode escrever um script básico quando damos algumas indicações. O artigo também levanta questões sobre propriedade intelectual de imagem: "Se um usuário pede a uma ferramenta de IA para construir um novo personagem influenciado por, digamos, Bob Esponja, os criadores originais devem conceder permissão? Quem é o dono? A nova obra em si pode ser protegida por direitos autorais?".

A IA generativa foi usada como parte da produção de Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo, filme vencedor do Oscar de 2023, e isso foi divulgado. Tom escreveu recentemente sobre o uso de IA generativa para geração de imagens de fundo em cinema e TV. Já existem sistemas desse tipo que podem criar vídeos, ainda que curtos e relativamente simples. IA já está sendo usada para dar previsões baseadas em dados sobre como a audiência reagirá a enredos incomuns.

Então, o que isso significa para o setor? Há muitos componentes diferentes nessa questão, como sugere um novo relatório da Variety Intelligence Platform. Em maio, o sindicato dos roteiristas dos Estados Unidos (WGA) entrou em greve contra serviços de streaming pela remuneração dos roteiristas de cinema e TV, mas também exigiu que as produtoras “regulamentem o uso de material produzido a partir de IA ou tecnologias afins”. Como há muitas incertezas sobre o quê, quando e como acontecerá com a tecnologia, conversamos com dois especialistas no tema. Ambos estão baseados em Los Angeles, o que não chega a surpreender, e estão envolvidos com centros da University of Southern California (USC), na Califórnia, Estados Unidos. No entanto, eles não trabalham juntos e têm visões muito diferentes em relação à tecnologia.

Definitivamente contra a IA generativa

Jonathan Taplin é diretor emérito do Annenberg Innovation Lab da USC. Ele teve uma longa carreira na indústria do entretenimento e já geriu turnês de músicos, incluindo Bob Dylan e The Band. Além disso, foi produtor de cinema, banqueiro e escritor. Seu último livro, The End of Reality: how four billionaires are selling a fantasy future of the metaverse, Mars and crypto, será lançado em setembro. Como se pode observar sobre o título, ele não é um fã de como as ferramentas de IA generativa das grandes empresas de tecnologia estão sendo desenvolvidas ou apresentadas.

"A maneira como os modelos são treinados é devorando tudo na internet, sem preocupação com direitos autorais", disse Taplin. "O Google tem uma IA de geração de música treinada em cada arquivo de áudio no YouTube. Você pode pedir algo como 'faça para mim uma música que soe como Taylor Swift, final triste, compasso como o dela', e o resultado soa um pouco como ela. Alguém poderia incluí-lo em um videogame ou fazer uma cena de bar como parte de um filme sem gastar nada." Da mesma forma, a IA generativa poderia reutilizar o conteúdo de vídeo de propriedade dos estúdios, acrescentou.

A principal preocupação de Taplin é que a IA generativa substitua parte do trabalho que hoje é feito por escritores, artistas, fotógrafos e outros profissionais criativos na indústria das artes e do entretenimento. Ele também acredita que isso agravará problemas que já estão prejudicando a indústria de cinema e TV. "O maior problema nos filmes é o excesso de fórmulas. Falta originalidade e é por isso que essa indústria tem tido resultados piores", disse. A IA generativa, acrescentou, só é capaz de produzir ainda mais conteúdo estereotipado e intensificará a previsibilidade. "O entretenimento depende de novas ideias, e essa tecnologia não pode produzi-las", acrescentou Taplin.

Ele disse que está preocupado que a IA generativa continue a reduzir o número de artistas que podem ganhar a vida no segmento. A maior parte da receita do entretenimento já vai para um número muito pequeno de artistas. Essa é a realidade dos músicos, em particular nos streamings, e se confirma em Hollywood nas enormes receitas de bilheteria geradas por alguns de atores importantes em filmes de grande sucesso. Quando você tem uma "economia algorítmica", disse Taplin, "os algoritmos estreitam o funil, com pagamentos descomunais para poucos". Ele está esperançoso de que um regime de licenciamento coletivo - semelhante ao que está em vigor para amostragem de música - surja para proteger os artistas quando seu conteúdo for usado para treinar IA generativa.

Encarando a IA generativa, mas com algumas preocupações

Yves Bergquist é diretor do AI & Neuroscience in Media Project no Entertainment Technology Center da USC, que é financiado por estúdios de Hollywood. Você pode imaginar que a opinião dele sobre IA generativa é provavelmente muito mais favorável do que a de Taplin. E é, apesar de ele ter dito que tem algumas preocupações sobre os potenciais efeitos da tecnologia sobre a indústria de mídia e entretenimento: "É uma tecnologia completamente revolucionária", caracterizada por desinformação e "alguma insanidade".

Perguntamos a Bergquist se os estúdios de cinema adotariam a IA generativa. Parte deles já está fazendo isso, disse ele. "Alguns grupos dentro dos estúdios são muito experientes desse ponto de vista, como os diretores de tecnologia e todos os artistas e técnicos de efeitos visuais. Eles são muito sofisticados e já estão trabalhando com recursos de IA generativa. Os estúdios fazem muito do trabalho de pós-produção em filmes – especialmente em animação – e há muita pressão para reduzir os custos. As empresas de pós-produção têm uma cultura de desenvolvimento de software, então tenderão a adotar a IA generativa."

Ele também acredita que muitas produtoras adotarão a tecnologia porque já estão fotografando em grandes telas baseadas em LED e precisarão de imagens generativas para elas. Bergquist disse esperar que as ferramentas que oferecem atores virtuais e síntese de voz sejam adotadas de forma mais agressiva por criadores de formato curto que distribuem seu trabalho no TikTok ou YouTube e por produtores de videogames. "Canais de streaming, anúncios digitais, jogos, é isso que as crianças assistem hoje em dia", observou. "A indústria de mídia não tem mais o monopólio do entretenimento." Os fabricantes de hardware (como câmeras) também estão experimentando efeitos visuais generativos na câmera.

O lado comercial dos estúdios de cinema tradicionais às vezes é mais relutante em adotar a IA, observou Bergquist, simplesmente porque eles não têm o mesmo tipo de cultura de dados ou software. "A IA está sendo introduzida em organizações e pessoas que não estão prontas", disse ele. Mesmo os novos estúdios de streaming, como Netflix e Prime Video, vivenciaram muitas dores de crescimento em suas jornadas de IA.

Bergquist disse que, antes da greve do WGA começar em maio, muitos roteiristas lhe disseram que veem o ChatGPT como uma "grande ferramenta de assistência criativa", mas não algo que substituirá os escritores humanos. "É bom em fazer brainstorming de ideias, mas produzirá apenas conteúdo médio", afirmou Bergquist. "Não é nem de longe capaz da abstração simbólica necessária para o desenvolvimento do roteiro, e não consegue produzir um roteiro com estrutura narrativa e arcos de personagens." Pelo menos não agora. Futuros modelos de linguagem com níveis mais altos de inteligência e novos paradigmas para IA podem vir a ser capazes de fazê-lo.

Bergquist acredita que a IA generativa terá enormes efeitos não apenas no entretenimento, mas também na educação. Ele acredita que as escolas, incluindo a School of Cinematic Arts da USC, precisam atualizar rapidamente seus conteúdos para acompanhar o frenesi de novas ferramentas de IA generativa que são lançadas quase todas as semanas. Bergquist está preparando cursos sobre tecnologia para a Society of motion pictures and television engineers, uma organização que representa tecnólogos em mídia.

Estarão ambos certos?

Embora Taplin e Bergquist pareçam ter visões muito diferentes sobre IA generativa, ambos podem estar certos sobre seus impactos. As pressões econômicas podem levar a indústria, ou pelo menos alguns de seus setores, a adotar essas novas ferramentas. A IA generativa levará a mudanças dramáticas na produção e pós-produção, distribuição e propriedade intelectual. A tecnologia pode não ser boa para os artistas tradicionais e as empresas que os empregam, mas é provável que leve a mudanças significativas na indústria nos próximos anos - esperamos que algumas sejam para melhor e outras para pior. Talvez a única notícia exclusivamente boa seja que nenhum especialista tem a expectativa de que os humanos sejam totalmente substituídos tão cedo.

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Autoria

Thomas Davenport e Randy Bean

Thomas H. Davenport é professor de tecnologia da informação e gestão do Babson College, professor visitante na Saïd Business School de Oxford e membro da iniciativa MIT sobre economia digital. Randy Bean é CEO da NewVantage Partners e autor do livro Fail fast, learn faster: Lessons in data-driven leadership in an age of disruption, big data, and AI (Wiley, 2021).

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