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Diversidade e inclusão

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Em briga de marido e mulher, a empresa mete a colher

Pesquisa revela que 68% das empresas acreditam que casos de violência doméstica e assédio devem ser tratados internamente; contudo, estudo mostra que as organizações não possuem políticas e ações de apoio às vítimas

Colunista Margareth Goldenberg

Margareth Goldenberg

21 de Outubro

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Artigo Em briga de marido e mulher, a empresa mete a colher

A violência doméstica e o assédio causam danos físicos e psicológicos às vítimas, isso é um fato. Na realidade corporativa, o que acontece nas relações com abusadores ou abusadoras traz impacto negativo nos fluxos e nos resultados das equipes de trabalho.

A Universidade Federal do Ceará se debruçou sobre o tema e, por meio de um estudo, descobriu que o mundo corporativo perde cerca de R$ 1 bilhão por ano por conta dessa realidade absurda que ainda aterroriza muitas de nós.

Por um lado, a boa notícia é que, segundo outra pesquisa, desta vez realizada pela Talenses Group em parceria com o Movimento Mulher 360 e com a Rota VCM, 68% das empresas acreditam que esse problema deva ser encaminhado internamente. Por outro lado – e é aí que está o nó -, essa mesma porcentagem não possui políticas e ações para apoiar as colaboradoras.

Três perguntas que não querem calar

A fim de inspirar as corporações para que comecem a trabalhar essa questão de uma maneira mais articulada e intencional, proponho algumas reflexões antes de as empresas darem os primeiros passos na construção de um plano de apoio às vítimas:

1. Qual é o papel das empresas?

As companhias têm papel fundamental na discussão sobre assédio e violência. Primeiro porque o tema é um dos mais importantes no escopo dos direitos humanos. Segundo porque uma a cada cinco abstenções no trabalho tem como causa a violência doméstica. E mais: vítimas de agressão produzem até 30% menos nos seus postos de trabalho. Outro dado a ser considerado: o índice de pessoas acometidas pela síndrome de burnout é muito maior entre mulheres que sofreram algum tipo de assédio ou violência.

O melhor é começar “em casa”, ou seja, a empresa deve ser guardiã das práticas compliance, tornando o ambiente corporativo saudável, livre de assédio moral e sexual.

Usar o poder da marca para comunicar a causa, fazer campanhas e, também, mobilizar internamente os colaboradores, levando informação e formação sobre o tema, são iniciativas que ajudam a conscientizar e diminuir assédios e violência.

Em outra linha de frente, a companhia também pode exercer um papel voluntário de alavancar a causa das mulheres, já que elas são maioria na hora de decidir o que comprar (70%, para ser mais exata). Assumindo essa bandeira, a conexão com as clientes será fortalecida.

2. Como as empresas podem trabalhar o tema?

Compartilho aqui seis sugestões que, pela minha experiência, têm dado certo e trouxeram avanços em diferentes corporações:

1. Garantir o engajamento da alta liderança para que se viabilizem instrumentos de implementação das ações e materiais de informação e capacitação das equipes;

2. Tornar a empresa signatária dos WEPs – princípios de empoderamento das mulheres (da ONU Mulheres e Pacto Global), associar-se ao Movimento Mulher 360 e Coalização Empresarial pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas;

3. Ter uma política interna de acolhimento às colaboradoras e aos familiares que sofrem violência, reconhecendo o fardo econômico da falta de proteção às mulheres;

4. Trabalhar em rede com outras empresas para trocar experiências sobre o que dá certo para prevenir o assédio, a violência e proteger as vítimas;

5. Criar ações, de acordo com o momento e a realidade da empresa, para três eixos estratégicos: prevenção; intervenção e suporte ao assédio, além de suporte à violência contra as mulheres;

6. Envolver e engajar os homens nesse debate.

3. Quais cuidados as empresas devem ter ao trabalhar com o tema?

A primeira questão para a qual chamo a atenção é a linguagem que será usada nas comunicações e formações sobre o assédio e a violência doméstica. Ela precisa estar pautada em uma comunicação humanizada, que não promova mais violência. Portanto, o time que dará atendimento às vítimas tem de ser devidamente preparado.

Para que o tema seja bem abordado e as vítimas amparadas, é importante que se crie uma rede de proteção multissetorial. Em outras palavras, é preciso envolver as equipes do departamento jurídico, assistência social, psicólogos, compliance, dentre outros.

Devido à complexidade do tema, é essencial que a empresa procure seus pares, faça parceria com organizações da sociedade civil que atuam pela causa das mulheres, acesse o poder público, além de seguir políticas já existentes que podem servir de apoio às vítimas. Contudo, nunca, absolutamente nunca, a companhia deve assumir o papel do sistema público. Cada caso é único e precisa ser endereçado aos órgãos responsáveis (Ministério Público, Secretarias de Proteção à Mulher, dentre outros).

Como já dito, o olhar para a realidade interna da empresa é o primeiro passo antes de qualquer ação além dos muros. Não adianta pregar a justiça pelas mulheres e não se ater ao ambiente, garantindo que seja seguro para elas. Criar um canal interno para as denúncias é uma ótima iniciativa, por exemplo.

As ações a serem traçadas precisam estar de acordo com as realidades onde a empresa está inserida. Atender às necessidades das mulheres locais e atuar para que as equipes tenham um olhar afinado com o tema são aspectos imprescindíveis.

Violência no home office

Com a pandemia, que levou à adoção do trabalho home office, as agressões aumentaram. Só em 2020, foram 106 mil denúncias feitas por meio dos canais oficiais. Dados de 2019 (IBGE) indicam que companheiros, ex-companheiros ou parentes são os principais agressores das mulheres que sofreram violência física (52,4%), psicológica (32,0%) e violência sexual (53,3%).

O domicílio é o principal local da agressão sofrida por elas. As empresas podem atuar para que esses índices sejam mitigados, pensando em ações de proteção, mas, também, que promovam mudanças de comportamento. É difícil? Talvez, mas tão necessário que, na minha opinião, você devia começar a mobilizar sua empresa agora.

E mais: na nossa próxima conversa, vamos falar sobre a baixa representatividade das mulheres nas áreas STEM. Trata-se de assunto necessário e urgente. Então, vem comigo.

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Autoria

Colunista Margareth Goldenberg

Margareth Goldenberg

Psicóloga e psicopedagoga, especialista em direitos humanos e mundo corporativo. Há 27 anos atua nos temas de responsabilidade social, educação, diversidade e equidade de gênero em grandes corporações. Gestora Executiva do Movimento Mulher 360 e CEO na Goldenberg Responsabilidade Social e Diversidade, atua ainda como consultora estratégica e tática em diversidade e inclusão em várias empresas como Santander, Vivo, Roche, Eurofarma, Magazine Luiza, Globo, Suzano, Raia Drogasil, Fiat Chrysler, Gol , DPSP e Comgás, dentre outras.

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