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Fórum: Governança 4.0 - Coprodução MITSMR + Bravo GRC

8 min de leitura

Governança na era da inteligência artificial

IA gera conhecimento em escala tornando possível melhores decisões para questões complexas em governança. O fundador e CEO da Bravo GRC, Claudinei Elias, explica os principais temas que guiam as discussões sobre os impactos da governança nessa ferramenta tecnológica

Ticiana Werneck

05 de Julho

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Artigo Governança na era da inteligência artificial

Boa parte dos executivos costuma pensar na inteligência artificial (IA) como uma questão de tecnologia. O conceito, no entanto, passa por uma mudança de paradigma. Na MIT Sloan Management Review, o tema é tratado como uma nova dimensão dos negócios. Para o desempenho destes, os benefícios são inegáveis. Mas e quanto ao compromisso ético, os riscos e as implicações práticas desse sistema?

Passa a ser difundido o conceito de inteligência artificial responsável (RAI), que conecta a tecnologia à governança corporativa, incluindo estruturas, processos e ferramentas que ajudem a garantir que seus sistemas sigam princípios éticos e promovam bem-estar ao transformar os negócios. Entretanto, essa não é uma prática padrão.

Um levantamento feito pela MIT Sloan Management Review aponta que 52% dos entrevistados relatam que suas organizações têm um programa de inteligência artificial responsável em vigor. Destes, a maioria, 79%, apontam que a implementação do programa é limitada em escala e/ou escopo. Já outra pesquisa, feita pelo BCG, revela que 55% dos executivos superestimam a maturidade de seus programas internos de RAI.

Em tempos em que tecnologias emergentes trazem incertezas e colocam as organizações diante de grandes desafios para a tomada de decisão nos negócios, como a governança permeia todo esse cenário? Nesta entrevista, Claudinei Elias, fundador e CEO da Bravo GRC, consultoria tecnológica voltada a GRC e ESG, explica os principais temas que guiam as discussões sobre os impactos da governança na IA e, também o contrário, numa poderosa relação simbiótica de ganha-ganha. Acompanhe a seguir.

MIT Sloan Review Brasil: Como usar a inteligência artificial como instrumento de governança?

Claudinei Elias: A IA pode ser usada de inúmeras maneiras: para monitorar questões regulatórias, avaliar questões políticas internas, identificar potenciais riscos e violações de forma preventiva e preditiva, e gerar informações segundo a linha de raciocínio atribuída a ela. Ou seja, ela ajuda a tomar decisões para questões complexas. Isso porque quanto mais dados a IA absorve, mais claro é o conhecimento que ela desenvolve, até que passa a apresentar características “humanas” no sentido de seguir uma linha de raciocínio e trazer respostas com o tom de voz ou estilo de escrita de quem a comanda, por exemplo. Além disso, a IA aumenta a velocidade e eficiência dos trabalhos repetitivos ao automatizar processos de governança.

Como a estrutura de GRC (governança, risco e compliance) ajuda nesse processo?

Quando atua de forma robusta e transversal em toda a organização, a governança garante que a IA seja usada de forma responsável. Com base em políticas internas, ela permite criar processos inteligentes de avaliação de risco em relação à utilização e à adoção dos dados gerados. E também cria correlação de riscos associados à utilização de IA, especialmente riscos éticos e legais, de segurança da informação, riscos reputacionais e de vieses negativos.

Compliance, por sua vez, terá um papel significativo nessa evolução. Ter conformidade em relação a regulamentações referentes à utilização de IA irá garantir que sua aplicação seja feita de forma mais responsável dentro da organização. É importante mencionar, ainda, a retroalimentação proporcionada por uma boa estrutura de GRC no cenário da IA. Quanto mais a empresa estiver estruturada em GRC, mais fácil entenderá as transformações.

As áreas da segunda linha de defesa – como as de risco, compliance, controles e riscos de tecnologia – e as da terceira linha de defesa – como auditoria – quando bem estruturadas têm um conhecimento profundo da organização e de seu entorno. E essas áreas se transformarão profundamente com IA. Isso significa dizer que terão uma capacidade bem maior de trazer conhecimento para a organização e entender os impactos de seus processos na cadeia de valor e na teia de stakeholders. Isso impacta inclusive sua performance em um cenário de capitalismo consciente.

Quais são os tópicos de governança que estão relacionados à inteligência artificial?

O mais relevante deles é a transparência. É preciso que a organização saiba, de forma clara, como a IA está sendo utilizada, quais decisões são tomadas por seu intermédio e se existe revisão humana posterior, por exemplo. Em segundo, listo a responsabilidade: de quem é a accountability pelas decisões tomadas pela IA? Em terceiro, privacidade, é preciso responder, de forma precisa, como os dados serão utilizados. E, por fim, os aspectos legais e de justiça. É imperativo garantir que essa tecnologia não seja usada de forma discriminatória ou que seja influenciada por vieses negativos, como preconceito e discriminação, sem contar que os vieses dos modelos e seus algoritmos também podem levar à avaliação de cenários e decisões incorretas; isso é um risco em si. Sabemos que nós, humanos, há milênios somos regidos por vieses inconscientes, ou seja, generalizações baseadas em estereótipos de raça, classe, etnia, idade, gênero, orientação sexual e outros. Elas existem porque, ao pensar, fazemos julgamentos automáticos que derivam de associações armazenadas na nossa memória, que por sua vez estão ligados à forma como fomos criados, nossa educação, enfim, a tudo a que fomos expostos.

Para mim, o futuro da governança está fortemente ligado a esses vieses. E reside aí o maior desafio, afinal somos nós, humanos, quem programamos a IA. Logo, à medida que nos tornamos cada vez mais dependentes de algoritmos e outras formas de IA, há um maior risco de que esses sistemas reflitam e perpetuem os preconceitos existentes na sociedade. Há consequências diretas para a justiça e imparcialidade de nossos sistemas de governança, bem como para os direitos e oportunidades de indivíduos e comunidades marginalizadas ou sub-representadas, por exemplo.

Sabemos que falhas de inteligência artificial expõem empresas e clientes a riscos. Queria que falasse um pouco mais sobre como a governança colabora para mitigar riscos.

É inegável afirmar que uma governança estruturada mitiga e minimiza riscos ligados à IA. Esses riscos dependem do setor em que a empresa está inserida, do quanto esse ambiente é regulado e de como os dados são usados. Cada setor tem seu nível de exposição e dados sensíveis. Uma empresa do setor aeroespacial tem um grau de exposição e ameaça diferente de outra de seguros, por exemplo, mesmo que todas estejam usando IA com o mesmo objetivo e o mesmo rigor de governança.

Para garantir que a utilização da IA seja responsável e ética a governança é fundamental. Isso permeia a criação de políticas de orientação e utilização, a conformidade delas, e o monitoramento de uso. Nesse contexto, deve existir a atualização e revisão contínua dessas políticas, já que elas precisam ser dinâmicas para acompanhar a evolução tecnológica. O que definirá a frequência e tamanho das revisões é o ambiente interno da organização e seu nível de exposição. Vale lembrar que os modelos revisados de forma contínua aprendem com base nos inputs de dados disponibilizados, outro benefício.

Como colocar a empresa toda na mesma página – não só a área de tecnologia – quando se fala de IA? Qual o papel da liderança nesse processo?

A utilização de IA é um processo transversal na organização, assim como ESG. Significa afirmar que ambas impactam de forma sistêmica toda a organização. Assim, é natural que a discussão sobre IA chegue até a questão da cultura e engajamento – que atinge todas as outras ciências da gestão. Então, de fato, para que ela faça parte da cultura da empresa, primeiro é preciso haver clareza quanto ao seu uso e objetivos. Os aspectos preponderantes da adoção da IA devem envolver todos os stakeholders – para isso, devem ser feitos treinamentos, encontros para gerar conhecimento, workshops. É preciso que a empresa faça o exercício de pensar como funcionários de diferentes áreas irão aprender, entender e aplicar IA. É fundamental o papel da alta liderança nessa jornada. Trabalhar a comunicação e seus desdobramentos para dentro da organização requer a criação de um roadmap de implementação. Nesse processo é preciso estar claro o que se espera alcançar com IA e esse objetivo deve fazer sentido para todos, assim como as diretrizes do uso. O grande objetivo, especialmente nesse momento em que a IA está em franco desenvolvimento e ainda não temos clareza sobre todas as suas implicações, é ter o empoderamento humano com o auxílio dela. No entanto, o humano é quem terá a capacidade de validar, supervisionar e melhorar os modelos. Logo, é uma relação simbiótica e ao mesmo tempo um paradoxo.

Como você avalia o futuro da IA no âmbito de GRC e de ESG?

Cada vez mais precisamos nos perguntar como a inteligência artificial vai trabalhar de maneira a empoderar os humanos e não os destruir. A boa utilização da tecnologia irá ajudar a chegar a uma resposta. São indiscutíveis os grandes benefícios da IA tanto para GRC como para aspectos de ESG. Por exemplo, pondero que a capacidade da IA em capturar dados e transformá-los em conhecimento trará respostas para perguntas que não sabemos sobre impacto socioambiental. Imagina a IA aplicada para minimizar o impacto ambiental de toda cadeia de produção? O maior desafio é ter pessoas suficientemente educadas para entender, com capacidade analítica, os impactos dessa transformação tecnológica. Como comentei, é um enorme paradoxo: há riscos, mas também há grandes oportunidades; mais uma vez, observamos a ciência da gestão de riscos podendo ser aplicada de forma madura para resolver um dos grandes dilemas da humanidade.

No que diz respeito ao futuro, veremos uma mudança em direção a estruturas de governança mais transparentes e participativas, que nos tragam uma tomada de consciência profunda sobre os problemas aos quais as nossas sociedades estão expostas. Mudanças impulsionadas pelos avanços da tecnologia. Isso nos levará a uma evolução humana exponencial. É fato que teremos cada vez mais empresas com governance by design, risk by design, assim como sabemos que esses processos, métodos e tecnologias serão cada vez mais absorvidos como parte de processos transacionais. Será normal termos os cenários corrigidos por riscos (risk-adjusted scenarios) em muitos níveis, com o aumento da capacidade de acessarmos dados relevantes; isso será uma prática. O humano precisa estar preparado para ter uma relação simbiótica e crescente com a máquina, em uma relação de empoderamento mútuo, diferente de uma relação conflituosa.

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Autoria

Ticiana Werneck

Ticiana Werneck é colaboradora de MIT Sloan Review Brasil.

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