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Diversidade e inclusão

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Por que precisamos incluir mulheres negras nos conselhos das empresas brasileiras?

Atualmente, não chega a 1% a representação de mulheres negras nos conselhos das organizações, apesar de elas formarem o maior grupo populacional do País. Para inovar e se manter relevante, é preciso incluí-las

Colunista Grazi Mendes

Grazi Mendes

24 de Março

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Artigo Por que precisamos incluir mulheres negras nos conselhos das empresas brasileiras?

A cara do Brasil é uma mulher negra.

Essa não é uma mera frase de efeito. De acordo com o IBGE, as mulheres negras formam o maior grupo populacional do País: somos 28%. Enquanto isso, nos conselhos de administração das empresas brasileiras, a nossa representação não chega a 1%.

Ou seja, somos maioria na população e minoria nos direitos e acessos. Como podemos agir para diminuir a distância entre os dois números, ampliando a presença de mulheres negras nesses espaços de poder e liderança?

Como disse Michelle Obama, nenhum país consegue prosperar verdadeiramente sufocando o potencial de grande parte de sua população e se privando das suas contribuições.

Vamos conversar sobre isso?

Ouça um bom conselho

Antes de começar, vale uma breve contextualização sobre o universo dos conselhos. Existem três tipos principais: conselhos fiscais, consultivos e administrativos. Um conselho de administração tem o papel de monitorar o trabalho de gestores e elaborar estratégias para a organização que representa, sendo essencial para uma boa governança corporativa na medida em que deve ser capaz de transmitir credibilidade e confiança aos acionistas e demais stakeholders. Governança é a palavra de onde vem o G da sigla ESG (ambiental, social e governança, em português), que significa um conjunto de práticas empresariais para considerar a proteção ambiental, responsabilidade social e governança corporativa como pilares de sustentabilidade, visando promover impacto positivo.

Nos últimos tempos, o tema ESG tem ganhado destaque na mídia, inclusive no caso do rombo bilionário envolvendo a empresa Americanas. Empresas privadas não são ilhas e se relacionam com pessoas e outras instituições, formando um verdadeiro ecossistema. Assim, se uma empresa de grande porte decreta falência ou entra em recuperação judicial, isso inclui a sociedade e pode impactar negativamente toda uma cadeia produtiva, incluindo investidores, acionistas, fornecedores, trabalhadores e terceirizados.

O caso da Americanas evidenciou as falhas de um modelo de gestão e de uma mentalidade que prioriza exclusivamente o lucro em larga escala, assim como também mostrou a importância de conselhos atuantes, éticos e responsáveis, para que erros e fraudes não passem despercebidos por tanto tempo.

Mais divergência, menos conformidade

Agora que já vimos o papel dos conselhos no contexto da agenda ESG, vamos olhar para a diversidade e a representatividade nesse tipo de espaço. O conselho funciona como um espelho que reflete os valores e a diversidade existente naquela organização, assim como dos clientes que atende e outras partes interessadas. No caso de algumas grandes empresas brasileiras, ainda estamos vendo seus conselhos formados majoritariamente por homens brancos, héteros, cis e acima dos 50 anos, refletindo uma cultura corporativa do século passado.

Mas essa realidade está mudando?

Dados da pesquisa Diversidade nos conselhos das empresas brasileiras, publicada pelo IBDEE em 2021, mostram que o atual percentual de mulheres em conselhos é de 17%. Quando consideramos o percentual de pessoas negras nesses espaços, a representatividade é ainda menor, quase ínfima: 2%. E quando olhamos para a representatividade de mulheres negras, o cenário é ainda pior. É um traço. Nem 1%, nem 2%. Um traço, como mostra o manifesto criado pela Women On Board (WOB) junto com o Conselheira 101.

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Como podemos e por que devemos acelerar a mudança desse cenário? Por que precisamos de mais mulheres negras nos conselhos das empresas?

A representatividade nesses espaços significa termos a chance de romper com pactos silenciosos - como o pacto da branquitude proposto pela autora Cida Bento, que nos ilumina com o seu farol de lucidez. Nas relações entre pessoas semelhantes em um grupo, há uma tendência de conformidade ao invés da divergência. Entre votar com o relator ou ser a única voz a levantar perguntas incômodas e discordar, muitos tendem a optar pelo silêncio confortável.

Essa dinâmica homogênea nos conselhos de grandes empresas é especialmente perigosa, já que, como vimos, tais organizações possuem enormes poderes e responsabilidades nas mãos.

Por outro lado, o potencial de impacto positivo também pode escalar em ondas: boas práticas de ESG e inovação estão diretamente relacionadas, o que tem resultado inclusive em melhores performances financeiras: a consultoria internacional McKinsey ouviu 279 companhias de vários países e identificou que as empresas que investiram em diversidade em seus times tiveram 36% mais lucratividade.

Um bom conselho, como o próprio nome já sugere, deve ser como uma bússola que ajuda a empresa a tomar melhores decisões e navegar por mares turbulentos. Considerando a pluralidade cultural do Brasil e a representatividade de cada grupo populacional, aumentar a proporção de mulheres negras e corpos diversos nos conselhos é essencial para que as empresas se conectem com o espírito do tempo e assim se mantenham relevantes. Não há inovação real sem a ousadia de romper com os antigos modelos que nos trouxeram até aqui.

Não há inovação sem diversidade.

Por isso, listo abaixo possíveis estratégias para o aumento da diversidade nos conselhos de empresas. A chave aqui é adotar uma postura ativa e intencional em relação ao problema:

  1. Não espere virar lei para começar a instituir representatividade de participação em seus conselhos, para mulheres, pessoas negras e outros grupos sub-representados.
  2. Revise os critérios de seleção, de forma que os conselhos possam ser espaços mais inclusivos, retirando as barreiras de entrada. Como exigir experiência prévia se até hoje esses grupos são impedidos de chegar? Que tal investir em oferecer bons treinamentos de formação?
  3. Evite o sistema de indicações ou nomeações como única via de acesso ao conselho, pois isso pode deixar suas opções restritas às redes de relacionamento já existentes e favorecer a conformidade ao invés da divergência, como vimos ao longo do texto.

Ao invés disso, procure headhunters especializados em diversidade e inclusão, peça sugestões de nomes dentro dos perfis de diversidade e faça convites diretos.

  1. Defina metas e métricas a serem acompanhadas, com uma perspectiva de médio e longo prazo, pois mudanças estruturais e significativas levam tempo.

Foi pensando nessa lacuna ainda existente que a Conselheira 101 surgiu, com o objetivo de ampliar as lideranças femininas negras e indígenas nos conselhos de empresas.

Recentemente, tive a oportunidade de fazer parte de uma turma e foi uma experiência potente conhecer dezenas de mulheres negras, com trajetórias profissionais inspiradoras e relevantes em suas áreas de atuação. Nós estamos prontas e preparadas! Aliás, antes de finalizar esse texto eu quero lembrar que as inscrições para a próxima turma estão abertas, caso você queira conferir, participar e/ou divulgar em sua rede.

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Colunista Grazi Mendes

Grazi Mendes

Grazi Mendes está como head of diversity, equity & inclusion na ThoughtWorks Brasil, consultoria global de tecnologia, é professora em programas de desenvolvimento de lideranças e cofundadora da Ponte, hub de diversidade e inclusão. Acumula cerca de 20 anos de experiência em gestão estratégica, branding, design estratégico, liderança e cultura, com atuação em empresas nacionais e multinacionais de segmentos diversos.

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