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Lei do home office: o que muda de fato e o que é passível de interpretação

De acordo com advogado trabalhista Luís Antônio Ferraz Mendes, do escritório Pinheiro Neto Advogados, legislação é “genérica” em certas situações

Daniel Sanes

14 de Fevereiro

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Artigo Lei do home office: o que muda de fato e o que é passível de interpretação

Quase três anos após o início da pandemia, o home office se tornou a modalidade de trabalho preferida dos brasileiros. De acordo com um estudo da auditoria PwC Brasil em parceria com o PageGroup, 67% dos colaboradores preferem exercer suas tarefas em casa ou em modelo híbrido, com uma ou duas idas ao escritório por semana.

Mas quando se trata da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), flexibilizar a jornada requer atenção a diversos aspectos, desde o controle de horário aos benefícios concedidos aos empregados nesse novo modelo. A Lei 14.442, sancionada em setembro, tem o objetivo de regulamentar esses pontos.

A modalidade é reconhecida desde a reforma trabalhista de 2017, mas agora é entendida não apenas como o exercício da profissão fora das dependências das organizações. Ela também abrange jornadas em que o colaborador visite a empresa para realização de tarefas específicas. Isto é, o fato de comparecer ao escritório da empresa, de modo habitual, como nos modelos híbridos, não descaracteriza o trabalho remoto ou regime de teletrabalho.

Para garantir a inclusão, as vagas devem ser preenchidas preferencialmente por pessoas com deficiência ou que tenham filhos ou crianças sob guarda judicial de até quatro anos de idade. Além disso, a adesão ao teletrabalho pode se estender a estagiários e aprendizes.

O impasse das horas extras

O advogado trabalhista Luís Antônio Ferraz Mendes, do escritório Pinheiro Neto Advogados, entende que a legislação veio em boa hora, para “documentar uma relação que, na maior parte dos casos, começou com a pandemia”. A lei estabelece, de forma expressa, que o teletrabalho deve ser ajustado em contrato específico entre o colaborador e a empresa. Entretanto, diz que ela poderia ser mais específica em determinados trechos.

“Participei de debates em que houve unanimidade sobre qual é a grande contingência do home office: as horas extras”, ressalta Mendes. Ele classifica a redação da nova lei como “infeliz” nesse ponto.

“Essa era uma das poucas situações em que a CLT era clara e objetiva, alegando que, para o teletrabalho, não havia controle de horário. A nova redação traz uma complicação, que é o pagamento por produção ou por tarefa. Se essa situação determina que não há controle, significa que fora dela, há”, explica.

Mendes lembra que o trabalho por demanda está previsto na legislação, mas não é a regra. “O modelo da CLT é baseado em horário para a grande massa dos trabalhadores, e o padrão é o pagamento de um salário fixo. Nesses casos, em uma eventual rescisão, o empregado poderá argumentar que tem um número excessivo de horas não pagas, pois não houve um novo ajuste sobre pagamento de salários por produção ou tarefa”.

O advogado considera um desafio para os empregadores controlar o horário de alguém que está trabalhando remotamente. Ele defende que mecanismos como estabelecer hora de login, logout e pausa para almoço devem ser detalhados no contrato de trabalho.

Outro aspecto que pode gerar problemas futuros é o tíquete alimentação. “Se eu almoço na minha casa, tenho uma despesa que não existia antes. Então, como fica isso? A lei propõe um acordo entre as partes, como se as duas estivessem em igualdade de condições, e na prática não é bem assim”, observa. Para ele, como se trata de uma situação relativamente nova, só será possível saber como a Justiça vai agir quando ocorrerem os primeiros processos trabalhistas sob a nova legislação.

Exemplo português

Para além do fator financeiro, Mendes alerta para um tema que julga pouco levado em conta pelas empresas: a importância da ergonomia no trabalho remoto. “É necessário dar treinamento aos funcionários sobre postura e distância da tela, uso de cadeira adequada. Na empresa, existe uma regulamentação que trata de mobiliário, mas como fazer isso em casa? Isso precisa ser discutido”, avalia. Há previsão na lei que os empregadores deverão instruir seus colaboradores, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções para evitar doenças e acidentes de trabalho.

Como exemplo, o advogado cita a lei do teletrabalho de Portugal, que tem um artigo que permite que o empregador vá até a residência do funcionário para se certificar de que as orientações ergonômicas estão sendo respeitadas. “Eis uma questão delicada, porque entrar na casa de alguém pode configurar invasão de privacidade. Mas percebe-se que é uma legislação muito rica em detalhes para situações que podem surgir no dia a dia”, elogia.

Entre outros pontos, a lei portuguesa proíbe patrões de entrarem em contato com os empregados após o horário de expediente e estabelece que as empresas devem arcar com parte dos custos com energia elétrica e internet quando eles estiverem fora do escritório. “Infelizmente, a nossa lei acabou sendo muito genérica em diversas situações”, afirma Mendes, lembrando que a ajuda de custo para as despesas com internet e equipamentos como notebooks é uma pauta que já vem sendo abordada nas convenções coletivas de sindicatos. A lei brasileira diz apenas que os custos com aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos serão previstos em contrato. Mais uma razão para o ajuste formal do trabalho em home office.

Vetos de Bolsonaro

A legislação teve dois vetos do presidente Jair Bolsonaro. Um deles se refere à possibilidade de restituição, em dinheiro, do saldo do auxílio-alimentação que não tenha sido utilizado pelo trabalhador ao final de 60 dias. Foi vetado ainda um trecho que tornava obrigatório o repasse às centrais sindicais de eventuais saldos residuais das contribuições dos trabalhadores. Ambos ainda serão analisados pelo Congresso Nacional.

Mendes destaca que o fim da contribuição compulsória com sindicatos está alinhada com a reforma de 2017, enquanto a questão do auxílio busca evitar que os recursos sejam utilizados para outras finalidades, indo de acordo com o que determina o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

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Daniel Sanes

Daniel Sanes é colaborador de MIT Sloan Review Brasil.

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