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O papel da tecnologia na regulamentação das apostas esportivas

Novas regras devem passar a vigorar em 2024 e a tecnologia será uma importante aliada nesse processo

Ticiana Werneck

28 de Setembro

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Artigo O papel da tecnologia na regulamentação das apostas esportivas

As empresas operadoras de loteria de quota fixa, conhecidas como bets, vivem um boom no Brasil desde 2018, quando foram liberadas para operar no País. Esses sites de apostas esportivas - que estima-se somem 2 mil em operação - caíram no gosto do brasileiro. Só no primeiro semestre, segundo dados do Banco Central, movimentaram US$ 8 bilhões.

Agora, o setor se prepara para a chegada da regulamentação. O primeiro passo foi dado em julho, com o envio da Medida Provisória (MP) nº 1.182/2023 e de um Projeto de Lei ao Congresso Nacional. Além de tratar da estrutura e dos processos administrativos para fiscalização do mercado de apostas esportivas, permitindo que o governo passe a taxar empresas e apostadores, a esperada regulamentação irá conferir novas ferramentas para coibir a manipulação de apostas e a atuação de sites ilegais. Estão previstas também novas regras para propaganda desses sites e ações de suporte para usuários contra o vício em jogo.

A expectativa é que as mudanças passem a vigorar em 2024 e para que surtam os efeitos esperados, a tecnologia terá um papel preponderante. Para André Santa Ritta, associado da área de tecnologia de Pinheiro Neto Advogados, a tecnologia será fundamental para fazer valer uma série de regras que devem passar a valer, desde a identificação do apostador – excluindo, por exemplo, menores de idade e pessoas que tenham influência no resultado de um evento esportivo, como árbitro ou técnico – como a identidade do recurso usado para a aposta em cada evento ou subevento (como cartões e escanteios no futebol). “Por meio de soluções de reconhecimento facial, inteligência artificial, geolocalização e de monitoramento do volume de recursos será possível identificar padrões suspeitos e organizar os dados coletados de forma a compartilhá-los com as autoridades governamentais”, observa.

Assim como em outras indústrias, o uso da tecnologia irá gerar maior eficiência no processo de coleta e análise de dados, além de comprovar que a distribuição da renda arrecadada está seguindo a destinação previamente estabelecida. “A tecnologia tornará possível dimensionar o tamanho real da arrecadação deste mercado”, comenta Felipe Tricate, professor de gestão de esportes do Insper.

Tecnologia como aliada no combate à manipulação de apostas

A manipulação de apostas, especialmente as focadas em eventos esportivos, é um grande tema de relevância endereçado à tecnologia. Mesmo que o mercado de apostas esportivas seja recente no território nacional, já existem empresas realizando o trabalho de monitoramento da chamada odd (probabilidade de um evento acontecer) em escala mundial, comenta Tricate. “Isso comprova o potencial benéfico da tecnologia para coibir a manipulação”, acrescenta.

A preocupação não é à toa. A manipulação de dados em apostas esportivas tem crescido em todo o mundo. Pela primeira vez desde o lançamento, em 2005, do Sistema Universal de Detecção de Fraudes, da SportsRadar, o número de partidas suspeitas detectadas ultrapassou a marca de 1 mil em um ano. Em 2022, a empresa detectou 1.212 partidas suspeitas em 12 esportes diferentes, abrangendo 92 países – um crescimento de 34% com relação a 2021. No futebol e no basquete, considerados os esportes de maior destaque, uma a cada 171 partidas, e uma a cada 194 partidas, respectivamente, são suspeitas.

A expectativa é que a nova lei brasileira imponha mecanismos de proteção garantindo a integridade dos eventos esportivos e dos apostadores. E aqui, a tecnologia atua como enorme aliada. Ao permitir o monitoramento em tempo real das atividades de apostas, incluindo a detecção de padrões suspeitos, como movimentos de dinheiro incomuns que podem indicar manipulação de resultados. “Sistemas automatizados podem alertar as autoridades reguladoras sobre atividades suspeitas, permitindo uma resposta rápida. Algoritmos avançados podem analisar dados de jogos, como estatísticas de desempenho de equipes e atletas, para identificar possíveis irregularidades”, verifica Santa Ritta.

A lista continua. Como as apostas esportivas são realizadas online, isso cria registros digitais detalhados de todas as transações. Esses registros podem ser auditados pelas autoridades reguladoras para garantir a conformidade com as regras e regulamentos. Além disso, os registros digitais podem ser usados para rastrear lavagem de dinheiro e evasão fiscal.

Desafios para fazer valer as regras da regulamentação

Para Santa Ritta, o maior desafio não é tanto tecnológico, afinal tratam-se de soluções que já existem, mas sim do bom uso delas. “A implementação da tecnologia em si não é a principal barreira. O desafio para as plataformas de bets será integrar os sistemas às suas estruturas operacionais e ter certeza de sua aplicação correta, para aí sim gerar mecanismos de coibição”, complementa. Isso demanda fiscalização, controle e compartilhamento das informações geradas com o órgão responsável no governo. “Quando se fala em prevenção de fraude, a exemplo do que ocorre em outros setores regulados, são necessários mecanismos de controle apurados. A regulamentação trará uma cooperação entre autoridades e a indústria de apostas no compartilhamento de informações. A mágica vem disso”, assegura o advogado. Ele prevê, ainda, que a nova lei trará a exigência de canais diretos de comunicação e a denúncia do usuário à autoridade reguladora. “É preciso haver uma interface tanto da plataforma com o usuário, da plataforma com a autoridade reguladora, e do usuário com a autoridade reguladora. O compartilhamento de informação precisa conectar todos os envolvidos”, acrescenta.

Tricate, do Insper, vê ainda outro grande desafio que a tecnologia terá neste processo: o acesso à informação em eventos esportivos de menor cobertura, como as divisões amadoras. O mesmo relatório da SportsRadar evidencia que os maiores crescimentos de fraudes em níveis percentuais advêm da África (82%) e América do Sul (72%), em jogos com níveis menores de proteção e integridade. “São os eventos em que há dificuldade de acesso tanto na transmissão televisiva como na coleta de dados, tornando-os alvos fáceis e vulneráveis para pessoas ou grupos com o intuito de cometer manipulação”, observa o professor.

Por isso, o esforço conjunto é também facilitar o acesso a informações relevantes para as autoridades reguladoras e para os próprios apostadores, incluindo estatísticas esportivas, histórico de resultados e odds em tempo real. Apostadores informados e protegidos são menos propensos a se envolver em atividades suspeitas, e seu único risco é mesmo apostar no perdedor.

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Autoria

Ticiana Werneck

Ticiana Werneck é colaboradora de MIT Sloan Review Brasil.

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