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Fórum: Direito Digital - Coprodução MITSMR + Pinheiro Neto

7 min de leitura

Uso de IA pode melhorar produtividade na área jurídica

Segundo especialistas, que discutiram o tema durante o "Fórum Ao Vivo ChatGPT: Qual o impacto da inteligência artificial na área jurídica?", realizado pela MIT Sloan Management Review Brasil em parceria com o Pinheiro Neto Advogados, inovação é relevante e impõe desafios de regulação

Doca de Oliveira

16 de Agosto

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Artigo Uso de IA pode melhorar produtividade na área jurídica

A advocacia não corre risco de extinção com a chegada da inteligência artificial (IA), mas os profissionais do direito terão que, cada vez mais, dominar as ferramentas disponíveis para aproveitar todo o potencial oferecido pela tecnologia para aumentar a produtividade de sua atividade. Na avaliação de especialistas, a disseminação do uso de mecanismos como o ChatGPT abre oportunidades àqueles que souberem usá-lo, assim como a outros modelos de linguagem, sem perder a autonomia e o controle sobre suas tarefas. Essa inovação também carrega desafios, como estabelecer uma regulação adequada, que responda de forma consistente a aspectos como o manejo da propriedade intelectual.

“Trago uma palavra otimista”, diz José Mauro Decoussau Machado, sócio da área de propriedade intelectual e tecnologia do escritório Pinheiro Neto Advogados. “A IA é uma ferramenta a mais para ajudar na profissão, que tem particularidades e é muito dinâmica. Trará excelentes oportunidades para quem estiver atualizado e acompanhando o assunto de perto”, comenta. Na sua avaliação, a inovação trazida por ferramentas de inteligência artificial não esvaziará o fator humano, mas estará cada vez mais presente no desempenho das diversas atividades da área jurídica.

“Não tem como pensar ferramentas como substitutas do pensar e agir de um profissional. Elas são assistentes”, concorda Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio) e professor da faculdade de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “A prática jurídica se tornará mais sofisticada e rápida. É preciso acompanhar e entender a evolução para não ser tomado de surpresa”, acrescenta. Segundo ele, a inteligência artificial estará embarcada em número cada vez maior de aplicações, construindo novos modelos de linguagem que poderão revolucionar a prática jurídica. Os dois especialistas discutiram o tema durante o Fórum Ao Vivo ChatGPT: Qual o impacto da inteligência artificial na área jurídica?, realizado pela MIT Sloan Management Review Brasil em parceria com o Pinheiro Neto Advogados no início de agosto.

Transparência e ética

Os efeitos da inteligência artificial sobre a produção humana é um dos temas mais relevantes da atualidade, um debate estimulado pela chegada do sistema criado pela OpenAI. O ChatGPT desencadeou uma verdadeira corrida por modelos de linguagem, mobilizando as bigtechs no desenvolvimento de ferramentas inovadoras.

Em artigo publicado pela MIT Sloan Management Review, Christian Stadler, professor de gestão estratégica na Warwick Business School, e Martin Reeves, presidente do BCG Henderson Institute, destacam que “a empolgação com as oportunidades decorrentes dos grandes modelos de linguagem (LLMs) e sua velocidade de adoção não têm precedentes”, sintetizando o cenário atual. Os especialistas brasileiros endossam essa visão e apontam potenciais desdobramentos: para além do entusiasmo, o uso de tais mecanismos exige cuidado redobrado para mitigar riscos, especialmente na área jurídica.

“Esse é o assunto do momento para a advocacia”, diz Machado. “Quem não experimentou a ferramenta deve experimentar, é realmente algo impressionante e, ao usá-la, entendemos por que as pessoas dizem que ela vai mudar o mundo”, afirma. No dia a dia do direito, o advogado aponta como uma das principais preocupações a garantia da confidencialidade de informações. “O advogado tem acesso a informações sensíveis e não conhecemos o nível de risco dessas plataformas. Não existe garantia de confidencialidade da informação inserida”, alerta.

Outra questão trazida pelo especialista é o manejo da propriedade intelectual: todo advogado produz conteúdo para seus clientes e a inserção de tais peças de forma indiscriminada nas plataformas abre esse conhecimento e técnica para qualquer pessoa que as acesse, inclusive a concorrência. “Esta é a vantagem competitiva do trabalho, entregar ao cliente algo que seja original”, diz o sócio do Pinheiro Neto Advogados. “Não dá para trabalhar com IA e entregar ao cliente algo como se tivesse sido feito por mim”, pontuou, trazendo para o debate questões de ética profissional.

Segundo ele, o escritório permite o uso do ChatGPT pela equipe, mas estabeleceu uma política que contempla tais preocupações: sempre que fizer uso, o colaborador deve dar transparência, informando ter produzido com o auxílio da ferramenta, assim como não pode introduzir informações sensíveis na plataforma para proteger a privacidade dos clientes. “No nosso escritório, o ChatGPT tem sido usado com ganho de produtividade, de forma pontual”, afirma Machado. A ferramenta tem sido útil para a inserção de citações ou no aprimoramento da redação de aspectos específicos, por exemplo.

Souza trouxe para o debate sua experiência em sala de aula. O professor tem observado o uso do ChatGPT por seus alunos e enxerga a ferramenta como instrumento de aperfeiçoamento de conteúdos. “Não devemos demonizar o ChatGPT. “É preciso entender como usar ferramentas de apoio à escrita, elas auxiliam na melhoria do que já está feito, sugere alternativas”, aponta. Segundo ele, sua experiência de uso tem se restringido àquilo que é descritivo. “Não é um oráculo ou um sabe tudo, nem substitui o que fazemos. Funciona como se fosse um assistente”, observa. Para ele, naquilo que seja inédito ou envolva análises, a ferramenta ainda falha.

Regulação

Outro aspecto no radar dos especialistas é a regulação do uso da inteligência artificial: avançada em países da Europa e nos Estados Unidos, a regulamentação dessa inovação começa a ganhar contornos mais nítidos no Brasil com a tramitação de um projeto de lei pelo Congresso Nacional. O desafio, indicam, é construir uma legislação que previna abusos e proteja o cidadão sem impor limites que impeçam a inovação.

O diretor do ITS traçou um panorama demonstrando o acúmulo dos últimos dez anos na Europa: uma sucessão de cartas éticas e de princípios, publicadas por entidades do terceiro setor, iniciativa privada e governos, assim como estratégias nacionais em diferentes países buscando incluir a inteligência artificial como vetor estratégico no posicionamento geopolítico. “O plano plurianual chinês diz que a China quer ser líder mundial até 2030. Os Estados Unidos têm diversos planejamentos setoriais para IA”, menciona Souza.

Segundo ele, os países europeus sinalizam para o mundo uma proposta de regulação ancorada no manejo dos riscos, sinalizando as obrigações das empresas. “O Brasil segue essa trilha com o PL que está no Congresso”, avalia. “Em geral, a preocupação é com uma regulação para que não haja excessos e perigo para a sociedade, assim como para que tenhamos incentivo à inovação”, acrescenta Machado. Para o sócio do Pinheiro Neto Advogados, criar uma equação jurídica que permita a inovação sem criar riscos para a população é uma questão estratégica nesse quesito. “Existe uma ambivalência”.

Souza enfatiza que um dos desafios brasileiros, que conquistou a vanguarda com o marco civil da internet, é atualizar a legislação contemplando as complexidades impostas pela inteligência artificial. “A tecnologia não é uma questão setorial e secundária, está no centro do debate político e econômico”, apontou. Na sua avaliação, o Projeto de Lei nº 2338 – apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, estabelecendo o marco regulatório da inteligência artificial no Brasil – deve ser aperfeiçoado.

“Na LGPD, o protagonista é o titular de dados. Quando se fala em IA esse ponto não está claro”, comenta, comparando a proposta com a Lei Geral de Proteção de Dados. “O PL fala em pessoas afetadas por IA. Parece que é uma exceção, aparece aqui e ali, mas não é. A IA não é um desastre natural excepcional de enorme grandeza, é cotidiana”, argumenta. Para ele, é essencial que a legislação tenha uma aplicação fluida. “Não cabe trazer para a lei direitos cuja implementação se torne complexa e ter uma lei que não pegue. A última coisa que desejamos é uma lei que planeje regular e não emplaque”.

O sócio do Pinheiro Neto Advogados aponta outra demanda para a regulação: o reconhecimento da propriedade intelectual. “A nossa legislação não está preparada para isso. Terá de haver uma revisão para incorporar o funcionamento da inteligência artificial na criação de conteúdo”, diz Machado. Segundo ele, essa discussão já acontece nos Estados Unidos, em busca de uma solução para definir se autores teriam seus direitos violados na medida em que o algoritmo é treinado a partir de tudo o que está disponível na internet.

“Se sairmos da escrita e pensarmos em imagem, já sabemos que imagens são tratadas instantaneamente pelo próprio dispositivo. A questão autoral é um dos temas jurídicos mais instigantes”, endossa Souza. Ele menciona o que acontece no Japão, onde o Ministério de Cultura e Tecnologia dividiu a inteligência artificial em duas fases: (1) aquela que alimenta uma base de dados com obras e conteúdos que geram resultado na aplicação; e a (2) o conteúdo fruto do uso das ferramentas. O governo japonês entende que na primeira fase não cabe questionamento, mas na segunda sim. “Há uma discussão global e estamos longe de encontrar solução para o direito autoral”, conclui o diretor do ITS-Rio.

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Autoria

Doca de Oliveira

Colaboradora da MIT Sloan Management Review Brasil.

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