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Direito Digital

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Metaverso impulsiona debate sobre tributação no mundo virtual

Os novos panoramas econômicos trazidos pelo metaverso podem ser um caminho para o Brasil se alinhar às práticas tributárias internacionais

Ana Carolina Carpinetti e Victoria Puperi da Rosa

04 de Outubro

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Artigo Metaverso impulsiona debate sobre tributação no mundo virtual

Uma das palavras mais comentadas em 2022 é, sem dúvida, metaverso. Embora não esteja claro para todos a extensão e as implicações desse conceito (até porque se particulariza pela constante mobilidade), essa nova realidade está adentrando o cotidiano progressivamente, e poderá mudar os hábitos de consumo, profissionais e de lazer.

O metaverso é um ambiente que converge a realidade física aumentada e a realidade digital, proporcionando uma experiência imersiva e multissensorial aos seus usuários. Nele, elementos cotidianos e instituições jurídicas são combinados com tecnologias da web 3.0 (como criptoativos, NFTs e blockchains) para criar uma simulação da “vida analógica” em um espaço aberto, livre e descentralizado na internet.

Uma das principais novidades trazida pelo metaverso – e que faz com que seja considerado como o catalisador da nova era digital – é que o controle da navegação online é devolvido aos usuários. Hoje, navegamos entre plataformas independentes que funcionam como jardins cercados (walled gardens), em que cada uma armazena os dados e delimita como será a experiência do usuário. Em contraste, o metaverso permite que o usuário transite abertamente entre sites concentrados em um espaço, enquanto mantém sua própria identidade.

Por enquanto, as opiniões ainda são divergentes se o metaverso será um tipo de videogame mais desenvolvido, ou se será algo diferente de tudo que já foi visto, como um “universo paralelo” que translada a vida cotidiana para o plano virtual. A linha entre essas classificações dependerá do nível de descentralização que o metaverso irá adquirir conforme seu desenvolvimento nos próximos anos.

Metaverso na economia digital

Ainda que seja considerado por muitos como um universo fictício, o metaverso tem muitas conexões com o mundo real que são um reflexo direto da evolução da economia digital.

Exemplos da sua representatividade econômica são diversificados, e podem ser observados em: (i) shows realizados por Ariana Grande e Travis Scott que, em conjunto, foram assistidos por quase 100 milhões de pessoas em diversos Países, e arrecadaram mais de US$ 20 milhões em venda de mercadorias; (ii) venda de um terreno virtual por US$ 2,43 milhões a um dos desenvolvedores da Atari; e (iii) venda de itens de luxo por marcas como Gucci, Burberry e Dolce & Gabbana, em que usuários podem pagar até US$ 4 mil para vestir seus avatares.

Esses números não apenas não podem ser ignorados, mas tendem a crescer na próxima década, com projeções estimando movimentações anuais globais de mais de US$ 1 trilhão no metaverso, conforme projeções da Grayscale.

A inexistência de um controle concentrado e a diminuição de barreiras impulsiona o crescimento constante do metaverso, e faz com que as suas possibilidades sejam ilimitadas. Entretanto, para evitar que a reversão do controle nas mãos dos usuários desencadeie consequências indesejadas a todos, evidentemente que a elevada movimentação financeira proporcionada pelo metaverso deve atrair o tema da tributação.

Regulamentação à vista

Assim, a regulamentação fiscal do metaverso deverá encontrar um ponto de equilíbrio entre “proteger as bases tributáveis ao mesmo tempo que oferece maior certeza e previsibilidade aos contribuintes”, como pontuado pelo Projeto de erosão de base e transferência de lucros (BEPS), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e adicionalmente dar espaço para que a tecnologia avance sem entraves burocráticos.

No âmbito do BEPS, a OCDE publicou as “Regras modelo de anti-erosão global” no final de 2021, relacionadas aos desafios fiscais da progressiva digitalização da economia. O escopo principal do plano é adequar as regras de alocação de lucros à presença digital das empresas e, paralelamente, instituir limites mínimos de tributação de receitas que instiguem uma cooperação maior entre os países.

Apesar de oferecer soluções cooperativas para mitigar a competitividade fiscal entre os Estados, as soluções propostas no último relatório do BEPS não conferem parâmetros específicos para a abordagem tributária do metaverso.

Pontos de discussão sobre o metaverso

Por todos os desafios inéditos que o tema apresenta, o fato é que, até o momento, nenhum fisco se aventurou em estabelecer um regulamento tributário para essa tecnologia, seja no Brasil, Estados Unidos, União Europeia ou Ásia). Ao nosso ver, considerando que a tributação deve se respaldar em conceitos jurídicos já existentes, o principal ponto será apurar a realidade econômica das operações para definir como serão tributadas.

Sob essa perspectiva, existem alguns pontos que devem ser considerados pelas autoridades fiscais para definir os aspectos tributários do metaverso:

  • Esse ambiente é uma extensão das jurisdições já existentes sobre a internet ou deve ser considerado como uma nova dimensão única, autônoma e segregada de nossa realidade física e corpórea (como os espaços marítimos)?
  • Em que momento a transação no metaverso deve ser tributada? Somente quando há o saque para o câmbio físico ou quando o serviço é prestado e/ou a mercadoria é vendida? E como ocorrerá quando os pagamentos forem feitos em criptoativos e nunca sacados fisicamente?
  • Os bens e serviços oferecidos dentro do metaverso deverão acompanhar a tributação semelhante às suas versões físicas? Ou serão considerados bens digitais totalmente individualizados?
  • Qual será o elemento de conexão entre a renda e a jurisdição competente para tributar no metaverso?

Apesar de haver muitas respostas pendentes (e outras tantas perguntas que ainda não foram feitas), essas são algumas previsões dos problemas fiscais que surgirão no caminho, e que terão de ser enfrentadas por autoridades fiscais de todas as nacionalidades conforme os metaversos ganham relevância.

É um campo ainda livre para contemplar novas estratégias, que possivelmente podem ser mais orientadas conforme os princípios sugeridos pela OCDE no último relatório BEPS, promovendo uma maior sinergia entre as autoridades fiscais e os contribuintes. Isso porque, uma abordagem ampla do metaverso, que considere suas particularidades técnicas, poderá trazer benefícios a todos os envolvidos, além de evitar todos os litígios (domésticos e internacionais) que observamos quando surgiu a web 2.0.

O metaverso no Brasil

No contexto nacional, essa pode ser uma oportunidade ainda maior de se integrar ao cenário tributário internacional, especialmente diante dos esforços contínuos para ingressar na OCDE – em que um dos principais entraves é, sem dúvida, a complexidade do nosso sistema tributário.

Nesse sentido, uma eventual convergência do Brasil com as futuras políticas fiscais internacionais sobre o metaverso pode ajudar a desenvolver positivamente a imagem do País em suas relações internacionais, demonstrando uma postura mais flexível e compatível com o que vem sendo discutido pelos maiores blocos econômicos do mundo.

Portanto, do nosso ponto de vista, o ingresso do metaverso no mercado brasileiro não deve ser recebido com receio de possíveis burocracias e litígios, mas como uma porta de entrada para que seja promovido um diálogo mais alinhado com os objetivos internacionais estabelecidos pelo Brasil.

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Autoria

Ana Carolina Carpinetti e Victoria Puperi da Rosa

Ana Carolina Carpinetti é sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Victoria Puperi da Rosa é advogada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.

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