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Desenvolvimento pessoal

13 min de leitura

O que fazer quando a disrupção do setor ameaça sua carreira

Não espere que as empresas resolvam o problema; enxergue os sinais de mudança o quanto antes, avalie sua exposição a isso e parta para a ação

Boris Groysberg, Whitney Johnson e Eric Lin

29 de Maio

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Artigo O que fazer quando a disrupção do setor ameaça sua carreira

Estudiosos da disrupção contam como empresas de destaque em vários setores de atividade têm fracassado em antecipar seu colapso. Elas definham não porque são sobrepujadas em suas competências, mas por não reconhecerem que aquilo que as distinguia não define mais o que é sucesso. É uma história com um quê de tragédia.

O que pouco se diz é que, quando a volatilidade setorial põe uma empresa em risco, também ameaça as pessoas que trabalham para ela. E que, se as organizações podem mudar rápido ao contratar novos profissionais, os indivíduos não conseguem substituir suas competências afiadas rápido o suficiente para se adequar em tempo. 

Como a teoria do capital humano nos ensina, mesmo quando veem a necessidade de ganhar novas habilidades, as pessoas raramente se ajustam em velocidade. Aprender simplesmente demora. Competências são acumuladas lentamente – é preciso passar por anos de educação formal, treinamento e experiência de trabalho. 

Neste artigo, discutimos como diagnosticar os riscos que as forças de uma indústria em disrupção oferecem e compartilhamos sugestões de como mitigá-los. Baseamos nossas recomendações em uma análise que recentemente fizemos sobre carreiras de indivíduos do setor de serviços profissionais e em observações em ambientes como manutenção de equipamentos, petróleo e gás, saúde e educação. Também levamos em conta insights mais amplos de pesquisas anteriores sobre volatilidade e mobilidade de trajetórias executivas.

O DIAGNÓSTICO

A volatilidade do setor em que você atua afeta diretamente a vulnerabilidade de sua carreira. Quanto mais as coisas mudam em seu setor, mais provavelmente o que você sabe hoje será menos valorizado amanhã. Mas, antes de fazer qualquer mudança drástica, é importante fazer duas perguntas diagnósticas: Quão volátil é minha indústria? E por que há volatilidade?

Quão volátil é seu setor? Um setor pouco volátil, por exemplo, é a indústria de máquinas de grande porte; 80% do mercado é controlado por um punhado de empresas. Custos altos para uma startup – como comprar terrenos, construir a estrutura fabril, estabelecer linhas de fornecimento de matéria-prima e maquinário, e investir muito em design e serviços de engenharia – protege fabricantes estabelecidos de entrantes disruptivos em certa medida. O crescimento estável também é turbinado pela demanda por equipamentos em algumas das maiores economias em desenvolvimento, como China e Índia.

Essa estabilidade afeta o capital humano. O relatório de 2015-2016 do Bureau of Labor Statistics dos EUA, que acompanha a rotatividade de empregos por setor, mostra que bens manufaturados duráveis estavam entre as porcentagens mais baixas de novas contratações e demissões. Então, se você fez sua carreira nesse setor, pode investir tempo em aprofundar sua expertise, pois a demanda por essas habilidades não recuará tão cedo.

Já um setor mais volátil é o de serviços profissionais.As organizações costumavam contratar consultorias de renome, como McKinsey, Bain ou Boston Consulting Group, para projetos abrangentes e customizados de data analytics, projetos que envolviam coleta de dados completa, solução analítica de problemas e especialização, e duravam bastante. Porém, à medida que tais organizações passaram a investir em repositórios próprios de big data, começaram a preferir projetos de consultorias-butique, de menor porte.

Então, nos últimos 15 anos, a McKinsey passou a investir em habilidades para capitalizar os esforços de analytics existentes nas companhias clientes. Suas ofertas estão desafiando o velho modelo de negócio das consultorias – segundo o qual o caminho para se tornar sócio dependia de construir relacionamentos de longo prazo e amplo escopo. Os consultores atuais devem complementar essa abordagem ao desenvolver ofertas minimamente invasivas, orientadas por analytics, que produzam resultados mensuráveis segundo essa mesma análise. Gestores de equipes de consultoria que não abraçarem modelos mais “lean” de envolvimento vão limitar sua capacidade de construir portfólios fortes de serviço ao cliente, pondo em risco sua probabilidade de fazer parcerias. Hoje mais que nunca, a inovação em como os serviços são entregues define a cara de um parceiro de sucesso. 

Assim, as consultorias começaram a diversificar suas fontes de talento. Além dos pools de graduados em escolas de negócios, as empresas também estão atraindo pessoas com formações complementares em áreas como design, serviços criativos, analytics e serviços digitais  E consultorias às vezes adquirem empresas inteiras em busca dessa complementaridade. Em 2015, por exemplo, a McKinsey comprou a empresa de design Lunar. Esse movimento ilustra novas ameaças à carreira e oportunidades que indivíduos no setor de consultoria enfrentam diante da volatilidade.

A PERGUNTA  É:

Como você pode reinventar sua própria carreira antes de ser pego de surpresa?

Eis os achados:

*Você deve analisar sistematicamente se e por que seu setor ou empresa pode estar suscetível a intempéries.

*Quando detectar os primeiros sinais de volatilidade, amplie sua expertise e prepare-se para novos papéis.

*Desenvolva habilidades transferíveis entre empresas ou setores.

E por que há volatilidade? Parte do aumento da volatilidade nas diversas indústrias vem da maior interdependência. Segundo nossa análise de fluxos de comércio entre setores usando dados de entrada e saída de contas do U.S. Bureau of Economic Analysis, o número médio de passos exigidos para conectar um par qualquer de indústrias na economia em geral (os chamados graus de separação) encolheu de 70 para 64 entre 1998 e 2008. Essa maior interconexão significa que os indivíduos estão expostos não só a choques em seu próprio setor, mas também a ondas de volatilidade alheias.

Consideremos petróleo e gás, uma indústria muito volátil nos últimos anos, cujas oscilações de preços sem precedentes foram acompanhadas por volatilidade complementar no emprego. A rotatividade de executivos aumentou de 17% nos anos 1990 para 50% nos anos 2000. E, desde 2015, mais de 200 companhias petrolíferas norte-americanas pediram falência. O impacto do petróleo barato se estendeu para além da indústria petroquímica; o etanol e outros biocombustíveis foram afetados. Tecnologias verdes, como eólica e solar, também precisam de altos preços do petróleo para decolar na disputa como substitutos viáveis. Os produtores de energia verde ilustram bem como a volatilidade muitas vezes se origina fora da própria indústria.

O grau de risco que um funcionário enfrenta nesse cenário depende de onde a volatilidade se origina, se interna ou externamente ao setor.

Com uma empresa de recolocação global, obtivemos dados proprietários de remuneração em 2.034 colocações de executivos, de 2004 a 2011, em várias funções, indústrias, níveis de senioridade e localizações. Usando os anos de experiência no setor como métrica do capital humano acumulado, confirmamos que o retorno desse capital estava ligado à volatilidade da indústria. Especificamente, a maior experiência de emprego na indústria (7,5 anos, considerado o desvio-padrão) foi associada a um aumento relativo de 4% na remuneração de executivos que mudam de emprego em setores cujas principais empresas enfrentam alta volatilidade da concorrência intrassetorial. Em contrapartida, quase não houve aumento salarial relativo para a mesma experiência em indústrias que tinham menos rivalidade interna. Portanto, a volatilidade intrassetorial pode não corroer o valor do capital humano tanto quanto faz com o valor da empresa. Na verdade, à medida que estimula a competição por talentos, ela até pode beneficiar os indivíduos que se concentrarem em aprimorar suas capacidades específicas do setor.

Com a volatilidade impulsionada externamente, em contrapartida, os indivíduos enfrentam riscos semelhantes aos das empresas. As empresas do setor de energia verde podem ter sua proposta de valor corroída pelo petróleo barato, e os indivíduos que trabalham nesse cenário também são ameaçados porque suas capacidades específicas do setor são menos valiosas para as empresas rivais (nesse caso, baseadas no petróleo). Usando os mesmos dados da empresa de recolocação global sobre remuneração de executivos entre os que trocam de emprego, descobrimos que pessoas em indústrias mais isoladas acumulavam um retorno de remuneração adicional de 3,8% em seus anos de experiência no setor. Em contraste, a experiência de pessoas que trabalham em indústrias mais altamente integradas (com maior exposição a choques externos) não gerou um aumento mensurável na remuneração.

SOBRE A ANÁLISE

Os números e caracterizações que sustentam nossa análise vêm de várias fontes:

• Ranking anual de analistas do Institutional Investor.

• Dados proprietários sobre empregos de executivos de uma das cinco maiores empresas de colocação de executivos (cuja identidade protegemos).

• Informações relativas a mais de 2 mil histórias individuais de carreira divulgadas publicamente no LinkedIn.

• Entrevistas em profundidade feitas com 10 indivíduos que fizeram mudanças de carreira.

A AÇÃO

Para muita gente, refugiar-se em uma indústria estável não é uma opção. Mas qualquer um pode cuidar da sua carreira. Pode perceber os primeiros sinais de volatilidade da indústria e superá-los em sua própria empresa. Pode identificar outras empresas nas quais suas habilidades continuam em alta, no mesmo setor ou em setores distintos. Pode desenvolver habilidades portáteis, transferíveis, que ultrapassem os limites entre setores.

Identifique os sinais de mudança e antecipe-se. Apresentaremos dois exemplos reais desse movimento. Comecemos pela história de Ken, analista de ações de telecom que atuava na divisão de pesquisas de um banco de investimentos de Wall Street. Os principais clientes desse banco são investidores institucionais com carteiras de bilhões de dólares. Em 2001, Ken entendeu que a era das pontocom tinha chegado ao fim e pediu para deixar de cobrir o setor de telecom. Mudanças assim eram incomuns e, inicialmente, o banco foi refratário à ideia. Mas acabou permitindo que Ken mudasse para o setor de frete aéreo e transporte de superfície no início de 2002 – e forneceu os recursos e o espaço necessários para que ele crescesse na nova função.

Nossa análise dos dados dessa época reforça a sabedoria da decisão de Ken. Estudamos especificamente a pesquisa anual Institutional Investor, da All-America Research Team, que mapeia o universo dos analistas de mercado dos Estados Unidos. Mudanças notáveis no número de analistas de um setor constituem um termômetro de sua saúde ou volatilidade, revelando potencialmente onde pessoas talentosas podem estar em risco. Comparamos, por setor, o número de analistas ranqueados em 2000 e 2010, procurando sinais de reviravolta. Os dois setores com as maiores mudanças foram telecom (maior queda no número de analistas) e hardware de TI (menor número de premiações repetidas). O declínio no número de analistas ranqueados (de 72%) e o dos premiados sequenciais (menos de 6%) se deviam à volatilidade da indústria externa e interna. O setor de telecom fracassou com o colapso das empresas pontocom e a crise financeira de 2008-2009, e ficou especialmente desequilibrado quando o mundo passou das comunicações analógicas para as digitais.

A maioria das empresas de telecom cujos preços de ações tiveram melhor desempenho em 2000 foram compradas ou faliram até 2010. E, conforme as empresas do setor colapsaram, analistas associados a elas também sofreram. Ken e seu empregador claramente fizeram a coisa certa ao trocar de setor.

É claro que uma mudança de carreira como a de Ken é um desafio, tanto para o indivíduo em transição quanto para a empresa que o emprega – isso significa deslocar talentos e exercitar a paciência à medida que a pessoa vive sua curva de aprendizado. Por isso, é mais provável que as empresas entrem em tais movimentos apenas com seus melhores quadros.

Nosso segundo exemplo é o de David, analista de ações de outro banco de investimentos de Wall Street. Em 2002, David saiu da área de tecnologia de healthcare para focar produtos farmacêuticos porque, como nos disse na entrevista, “queria assumir um novo desafio e cobrir um setor de maior valor de mercado”. O banco de investimentos tinha uma vaga em farmas e queria preenchê-la internamente, então facilitou a mudança de David, dando-lhe apoio enquanto ele aprendia sobre o novo setor. E como foi a curva de aprendizado? David a descreve como muito íngreme, com um risco genuíno de fracasso, mas também como fonte de “estímulo intelectual”. Porém a medida provou ser vantajosa para ele e seu empregador, apesar de a volatilidade da indústria nova ser maior do que a prevista – segundo David, “apesar do significativo subdesempenho do setor farmacêutico durante o período de 2002-2009 ”. Sua atuação em healthcare lhe permitiu alavancar seu histórico de bom desempenho no banco.

Dos milhares de analistas do ranking Institutional Investor de Wall Street, de 2000 a 2010, Ken e David são dois dos poucos que conseguiram fazer a transição de uma posição alta em uma indústria para uma situação similar em outra. (Ken ocupava o segundo lugar em telecom e permaneceu em segundo em transportes aéreos e de superfície; David ficava em segundo lugar em tecnologia de healthcare e subiu para primeiro ao mudar para grandes produtos farmacêuticos.) As experiências de transição desses profissionais de alta performance não foram radicais, mas revelam como disrupções autoprovocadas e antecipadas podem dar bons resultados, apesar dos riscos.

Use as mesmas habilidades em outras empresas. Alguns casos são óbvios. Por exemplo, os auditores da Arthur Andersen foram trabalhar em outras empresas de auditora quando ela encolheu por conta do caso Enron – suas habilidades, aliás, foram ainda mais valorizadas, por conta de novos requisitos legais derivados do escândalo. Outros casos são mais sutis. Veja, por exemplo, a história de Brigitte, hoje CEO de uma seguradora de saúde, que investe em um conjunto de habilidades na interseção de análise financeira quantitativa e assistência médica. “Eu considerava essa combinação específica o suficiente para ser reconhecida como uma especialização distinta, e geral o suficiente para ser valorizada em vários contextos relacionados com a assistência médica”, diz ela. Brigitte fez vários movimentos entre o espaço do prestador de serviços de saúde e organizações que fornecem seguro de saúde, uma indústria em que a volatilidade é comum.

“Antes de ir para a escola de negócios, decidi deixar minha posição em gestão em uma distribuidora de medicamentos controlados cuja liderança contemplava várias estratégias de aquisição”, explica. “Eu não tinha certeza de que direção a empresa estava tomando e qual seria meu papel. E descobri que minha expertise em análise financeira em saúde poderia ser valorizada em muitos contextos, incluindo consultoria em healthcare e seguradoras.”

Hoje, Brigitte enfrenta de novo a incerteza, já que os controladores de sua seguradora de saúde estão considerando a fusão com uma grande rede de drogarias. “As funções que assumi aqui me ajudaram a aprender mais profundamente sobre healthcare, e esse conhecimento não serve só ao meu atual empregador”, afirma ela. “Sentir que seu valor como funcionário está ligado a apenas um empregador é perigoso. Vi muitas pessoas tomarem decisões erradas quando seu futuro profissional é posto em risco por uma reorganização. Estou feliz de saber que tenho outras opções.”

Reforce habilidades que o tornem atraente para múltiplos setores. Voltemos ao exemplo dos analistas de mercado. Além de contratar muitos analistas com conhecimento específico do setor e da empresa, as companhias de Wall Street também buscam profissionais com experiência em áreas que vão além de categorias – pessoas que focam tendências regulatórias, pequenas empresas, know-how quantitativo, gestão de portfólio, economia ou contabilidade. Os rankings de analistas da Institutional Investor mostram que, em cinco dessas seis áreas, as taxas de retenção em 2010 foram pelo menos 25% maiores do que em 2000 (só o setor de contabilidade não foi tão bem). E quatro das seis áreas experimentaram aumentos no número bruto de analistas classificados.

O que torna esses tipos de analistas imunes à volatilidade da indústria é que sua expertise é amplamente aplicável a um conjunto diverso de companhias não relacionadas entre si. Por exemplo, um analista que se concentra em economia e gestão de portfólio seria capaz de aplicar essa expertise em vários setores, de mercados de câmbio a empresas de serviços públicos, as utilities. 

O conjunto de habilidades dos analistas generalistas não é o mais bem pago do mercado, porque é menos raro que a expertise bem-cultivada em uma indústria específica. Porém é, sem dúvida, algo mais resistente aos caprichos da volatilidade do setor. Essa avenida não servirá a todos, mas é uma opção quando você quer se proteger das forças da disrupção. Só pode exigir um pouco de criatividade e reorganização.

A VOLATILIDADE SETORIAL costuma aparecer no debate sobre a sobrevivência das empresas, mas tem implicações igualmente significativas para os gestores que trabalham para elas. Os indivíduos também podem se tornar complacentes com seus pontos fortes tanto quanto as organizações. Deitar-se sobre os louros é sempre arriscado.

É preciso diagnosticar a volatilidade da indústria, analisar quais forças internas ou externas se explicam  e agir. Presumir que a volatilidade da indústria é algo para a empresa se preocupar, não você, é a abordagem ingênua.

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Autoria

Boris Groysberg, Whitney Johnson e Eric Lin

Boris Groysberg é dono da cadeira Richard P. Chapman de gestão de empresas da Harvard Business School, membro da iniciativa de gênero da HBS e coautor, com Michael Slind, do livro Talk Inc. Whitney Johnson é autora do best-seller Build an A-Team e de Disrupt Yourself. Como analista de mercado, foi ranqueada no Institutional Investor por oito anos. Eric Lin é professor-assistente do departamento de ciências do comportamento e liderança da Academia Militar dos EUA, com foco em gestão de talentos.

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