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Inovação científica

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Por que o ChatGPT pode não funcionar para a área da saúde?

A falta de digitalização e integração dos dados de saúde dificulta o acesso completo ao histórico do paciente e impede que as "large language models" analisem e forneçam informações relevantes para o diagnóstico e tratamento

Colunista Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles

27 de Julho

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Artigo Por que o ChatGPT pode não funcionar para a área da saúde?

Estamos em 2023, em um momento em que a tecnologia possui um potencial de transformação sem precedentes na área da saúde. No entanto, mesmo com a presença de tecnologias disruptivas, ainda engatinhamos em temas básicos, como a integração de dados, a impressão e armazenamento de exames e laudos e a utilização de pedidos e prescrições médicas em papel. É comum testemunhar pacientes carregando sacolas enormes de exames e portando receitas médicas físicas quase indecifráveis em clínicas, farmácias e hospitais.

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Além de dificultar a jornada do paciente e criar uma péssima experiência assistencial, a falta de integração dos dados de saúde entre instituições prejudica a análise eficiente e o uso dos registros para melhorar o atendimento. O histórico fragmentado e a falta de padronização dos dados afetam negativamente a compreensão completa do quadro clínico dos pacientes, limitando a personalização dos cuidados e os avanços na saúde. História que já vem sendo contada há bastante tempo e promove, como outra consequência, obstáculo significativo para o treinamento de algoritmos de inteligência artificial (IA) visando a obtenção de melhores resultados no setor da saúde.

A provocação que fica é: "Onde estão seus dados e histórico de saúde organizados, digitalizados, armazenados e centralizados?".

Integração de dados e eliminação do papel

A utilização de tecnologias como impressoras, scanners, gravação de CDs e reconhecimento óptico de caracteres (OCR) são soluções para problemas que não deveriam mais existir se os sistemas fossem totalmente digitais e integrados. A prescrição digital e os portais eletrônicos para visualização dos resultados de exames são exemplos de tecnologias que já estão disponíveis para apoiar essa transformação, gerando maior segurança, sustentabilidade, redução de custos e aumento da qualidade em comparação com mídias físicas. Prescrições digitais, por exemplo, trazem como grandes benefícios a redução do transporte de papéis, disponibilização dos receituários a qualquer momento e em qualquer lugar e diminuição significativa dos erros de compreensão da prescrição médica feita em papel.

Além disso, sistemas eletrônicos trazem como outra vantagem o armazenamento digital de resultados de exames, imagens, prontuários e prescrições digitais, permitindo que profissionais de saúde e pacientes possam facilmente acessar o histórico do paciente e promovendo maior integração entre profissionais e o sistema de saúde.

Apesar de todas essas vantagens, contudo, ainda se enfrenta uma grande resistência cultural à adoção dessas soluções digitais, seja por desconhecimento dos seus benefícios, aversão à mudança ou receio de sistemas eletrônicos.

Impacto negativo no meio ambiente e financeiro

Além da ineficiência e dos problemas na qualidade do atendimento, devemos considerar o impacto ambiental negativo das tecnologias dependentes de papel ou filmes. A produção em massa de impressões de exames, receituários e outros documentos consome recursos naturais, contribuindo para o desmatamento, poluição do ar e da água e geração de resíduos sólidos.

O uso dos papéis e dos filmes na saúde tem um impacto ambiental significativo. Estudos mostram que a produção de uma folha A4 consome cerca de 10 litros de água, além de resultar em emissões de carbono que contribuem para o aquecimento global. Estima-se que a produção de uma tonelada de papel virgem emita aproximadamente 1,5 toneladas de CO2. Em contrapartida, a transição para soluções digitais reduziria consideravelmente o consumo de papel e de água e a geração de emissões de carbono. Além disso, o armazenamento e processamento de dados digitais consomem menos energia do que a produção e transporte de papel.

A dependência contínua de papel e filmes, envio de documentos físicos e armazenamento de exames têm altos custos operacionais. A aquisição de papel, filme, tinta, impressoras e outros suprimentos, juntamente com os gastos logísticos e de espaço físico para armazenamento, representa uma despesa significativa para instituições de saúde. A transição para soluções digitais não apenas traz benefícios ambientais, mas também pode gerar economia financeira substancial, permitindo alocar esses recursos para áreas mais críticas da saúde.

Em um cenário em que a IA e outras tecnologias avançadas têm o potencial de revolucionar a área da saúde, é fundamental superar a cultura baseada em mídias analógicas e adotar soluções digitais. A integração de dados, a prescrição digital e os portais eletrônicos para resultados de exames são apenas algumas das ferramentas disponíveis para impulsionar essa transformação. Devemos conscientizar os profissionais da saúde, gestores e os pacientes sobre os benefícios da adoção dessas tecnologias, que vão desde a melhoria dos resultados clínicos até a redução do impacto ambiental negativo.

Quem possui, atualmente, seu histórico de saúde organizado, categorizado, estruturado e digital?

A maioria dos pacientes ainda se depara com a falta de integração dos dados de saúde em diferentes instituições e sistemas. Imagine seu histórico de saúde dos últimos dez anos, diferentes exames realizados em instituições diversas, exames de sangue e de imagem e prescrição de medicamentos provavelmente perdidos ou com difícil recuperação.

A falta de digitalização e integração dos dados de saúde dificulta o acesso completo ao seu histórico e impede que as LMMs (large language models, como o ChatGPT e Bard) analisem e forneçam informações relevantes para o diagnóstico e tratamento. A ausência de dados estruturados e digitalizados compromete a capacidade das LMMs de acessar um conjunto completo de informações relevantes, como resultados de exames laboratoriais, imagens médicas, registros clínicos e histórico de prescrição.

Para alcançar um sistema de saúde mais eficiente, sustentável e centrado no paciente, é necessário investir em infraestrutura tecnológica adequada, fornecer treinamento e apoio aos profissionais de saúde e promover uma mudança cultural em direção ao uso de soluções digitais. Somente assim poderemos desfrutar plenamente dos avanços tecnológicos proporcionados pela IA e garantir uma saúde de qualidade para todos, sem comprometer o meio ambiente.

Artigo escrito em parceria com Thiago Julio, médico radiologista, diretor médico da Memed, com mais de dez anos de atuação em saúde digital, e José Venson, mestre em ciência da computação e especialista em tecnologia e inovação em saúde.

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Colunista Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles

É fundador, investidor e conselheiro de startups, principalmente na área da saúde. Médico radiologista, com especialização, doutorado e pós-doutorado no Brasil e no exterior. Tem experiência como executivo de grandes empresas de saúde, com MBA em gestão empresarial. Mais informações em: www.gustavomeirelles.com.

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