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ESG em novas normas do Banco Central

Novas regras propostas pelo regulador incorporam as mais recentes discussões internacionais em ESG aos normativos aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional

José Carlos Junqueira S. Meirelles, Tiago A. D. Themudo Lessa e Stephanie Sung A Hong

12 de Maio

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Artigo ESG em novas normas do Banco Central

Temas ambientais, sociais e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance – ESG) ganharam mais e mais espaço nas discussões e reflexões a medida em que diversas discussões sobre desigualdade, diversidade e meio ambiente tornam-se mais relevantes para a sociedade. O setor financeiro não poderia ficar – e certamente não ficou – alheio a esse movimento: finanças sustentáveis buscam otimizar retorno financeiro e incorporam critérios ESG no processo de tomada de decisão. Com a demanda, há um boom de produtos ESG no mercado.

Nesse contexto, o Banco Central recentemente submeteu à consulta pública propostas normativas para (i) aprimorar as regras de gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional e (ii) aumentar a transparência acerca desses riscos.

Apesar das diferenças, pode-se dizer que o Banco Central se inspirou no marco regulatório europeu aprovado no âmbito do “Plano de Ação: Financiar um crescimento sustentável”, que visava (1) reorientar os fluxos de capitais para investimentos sustentáveis, a fim de assegurar um crescimento sustentável e inclusivo, (2) gerir os riscos financeiros decorrentes das alterações climáticas, do esgotamento dos recursos, da degradação do ambiente e das questões sociais, e (3) promover a transparência e visão a longo prazo nas atividades econômicas e financeiras.

Gerenciamento de riscos social, ambiental e climático

Em meados da década de 2010, o Banco Central já havia regulamentado a preocupação de que instituições financeiras considerassem, para fins de ponderação de riscos de suas operações, o chamado, àquela época, risco socioambiental.

No Edital de Consulta 85/2021, o Banco Central redefine os riscos social e ambiental anteriormente previstos na Resolução CMN 4.327/2014 como sendo aqueles relativos à proteção dos direitos fundamentais e interesses coletivos e à prevenção ou reparação do meio ambiente, respectivamente.

Além disso, a norma proposta introduz o conceito de risco climático, que pode ser de transição (se associado ao processo de transição para uma economia de baixo carbono) ou físico (quando relacionado a intempéries ou condições ambientais mais adversas), e estabelece que tais riscos sociais, ambientais e climáticos devem ser integrados ao gerenciamento dos demais riscos (crédito, mercado, liquidez e operacional).

O objetivo é que as instituições financeiras tenham plena compreensão dos riscos, inclusive sociais, ambientais e climáticos, a que estão expostos e, com isso, sejam adotadas medidas prudenciais à altura para assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Assim, as instituições financeiras passariam a gerenciar a possiblidade de perdas e ponderar o impacto financeiro também dos riscos sociais, ambientais e climáticos a que estão sujeitas – riscos estes que, hoje em dia, nem sempre são devidamente levados em consideração.

Transparência

Em complemento ao gerenciamento destes riscos, o Edital de Consulta Pública 86/2021 exige uma estrutura de governança robusta e prevê a divulgação de informações sobre os riscos social, ambiental e climático, e as oportunidades de negócios relacionadas ao tema. A divulgação deve ser realizada pelo Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC), publicado anualmente em formato padronizado.

Ainda, nos termos do Edital de Consulta Pública 85/2021, a instituição deve divulgar sua Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), formalizando os princípios e diretrizes observados em suas atividades. A elaboração e a implementação desta política visam promover o engajamento da instituição financeira à agenda sustentável bem como orientar seus negócios e seu relacionamento com a comunidade interna, clientes, fornecedores, prestadores de serviço e outros stakeholders em temas relativos a ESG.

As normas propostas buscam ampliar a transparência, contribuindo para a redução de assimetria de informação sobre os riscos social, ambiental e climático. O próprio mercado, sem prejuízo da supervisão do Banco Central, também passa a monitorar as instituições financeiras em matéria de ESG. Na outra ponta, uma maior transparência confere aos cidadãos os meios para comparar o desempenho sustentável das instituições financeiras.

Uma economia sustentável

Equilibrar desempenho econômico e desenvolvimento sustentável é um dos grandes desafios enfrentados pelo mercado, e o setor financeiro é um dos mais afetados por essa discussão por ser fonte de financiamento para as mais diversas atividades econômicas, potencialmente geradoras de riscos ESG.

O Banco Central propõe um caminho, dividido em três momentos: (1) inserir os riscos sociais, ambientais e climáticos na pauta de riscos prudenciais, utilizando critérios ESG na análise de solidez financeira das instituições, (2) tornar as instituições financeiras responsáveis por seus negócios também sob a perspectiva ESG, atendendo a uma demanda social de longa data, e (3) dar à sociedade as ferramentas para acompanhar de perto as práticas sustentáveis das instituições financeiras e fiscalizar sua atuação.

Ao percorrê-lo, as instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional precisarão otimizar ainda mais a utilização do capital disponível, buscando a melhor relação risco x retorno à luz da capacidade de gerenciamento de riscos (agora incluindo riscos sociais, ambientais e climáticos) e restrições relativas às exigências mínimas de capital e reservas para absorver aumentos nos níveis de risco.

Dessa forma, as normas propostas criam mecanismos econômicos que incentivam práticas ESG no setor financeiro, fomentando (a criação de) produtos e serviços que unam retorno financeiro com impacto socioambiental e climático positivo.

A consciência da sociedade, especialmente investidores e partes envolvidas em operações do mercado financeiro e de capitais, continua sendo determinante para o avanço das pautas sustentáveis. O desenvolvimento legal e regulatório é igualmente relevante para a criação de um ambiente jurídico favorável ao mercado ESG. O Banco Central, por sua vez, vem desempenhando seu papel ao construir um novo arcabouço jurídico que impulsione uma economia mais sustentável.

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Autoria

José Carlos Junqueira S. Meirelles, Tiago A. D. Themudo Lessa e Stephanie Sung A Hong

José Carlos Junqueira S. Meirelles é sócio de mercado de capitais de Pinheiro Neto Advogados. Tiago A. D. Themudo Lessa é sócio de mercado de capitais de Pinheiro Neto Advogados. Stephanie Sung A Hong é associada de mercado de capitais de Pinheiro Neto Advogados.

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