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4 min de leitura

Tributação de herança de bens digitais ainda é um desafio mundial

Ana Carolina Carpinetti, sócia de área tributária da Pinheiro Neto Advogados, responde principais dúvidas sobre o tema

Paula Chidiac

14 de Março

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Artigo Tributação de herança de bens digitais ainda é um desafio mundial

Criptomoedas, NFTs e até avatares: ao mesmo tempo em que deram mais liberdade ao usuário, as inovações também trouxeram problemas e desafios aos governos. Entre eles, um bastante específico: a regulamentação e tributação da herança de bens digitais.

Entende-se como herança o conjunto de bens, direitos e obrigações transmitidos aos herdeiros após a morte de uma pessoa. No mundo virtual, a herança trata da transmissão dos bens como produtos comprados no metaverso, além de criptomoedas, skins (usados para customizar avatares) e NFTs. Muitos desses itens são valiosos – custam milhares ou até milhões de reais.

A morte do proprietário original de bens digitais geralmente leva a uma transmissão hereditária silenciosa e bem longe dos olhos do Fisco. Já os ativos tradicionais (físicos) são tributados pelo Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cuja base de cálculo é o valor de mercado do bem. A alíquota varia até 8%, conforme cada lei estadual.

Para Ana Carolina Carpinetti, sócia da área tributária da Pinheiro Neto Advogados, é possível (e até desejável) que a mesma legislação se aplique às criptomoedas. Ela ressalta, contudo, que por ora não há lei oficial e específica sobre o tema – embora haja criptoativos que enfrentam barreiras ainda maiores, como no caso daqueles em que não há documentos oficiais para atestar sua propriedade.

Soma-se a isso a falta de rastreabilidade de transações realizadas diretamente via wallet. Sem resolver questões como essas, qualquer pauta sobre regulação de herança digital está limitada às negociações em exchanges, como previsto em instrução normativa de 2019 da Receita Federal. É o que explica Carpinetti na entrevista a seguir.

MIT Sloan Review Brasil: Como deveria ser a regulamentação da herança de criptomoedas?

Ana Carolina Carpinetti: Acredito que a tributação dos criptoativos deve seguir as mesmas regras dos ativos financeiros com o ITCMD, imaginando que o herdeiro teria de fazer registro para informar à Receita Federal. O que vai dificultar na hora da venda é que o custo de aquisição dele é zero se for provindo originalmente de uma mineração. Ou seja: a variável delta (sobre o ganho de patrimônio) para cobrança da tributação será maior. Mas, por enquanto, não temos manifestação do Fisco sobre o assunto.

A volatilidade das criptomoedas não pode se revelar um problema? Afinal, é possível que o ativo desvalorize entre o momento da abertura da sucessão, na data da morte do proprietário original, e o efetivo pagamento do imposto.

Acho que tem esse lado, e para cripto faz todo sentido esse raciocínio. Mas não tem o que fazer. Quando juridicamente for configurada a transferência, tem que recolher o imposto sobre aquele valor. Se pararmos para pensar, apesar de menos volátil, o imóvel ou carro também podem ter uma desvalorização.

No caso de outros bens digitais, como imóveis no metaverso, como funciona a tributação atualmente?

Não existe a obrigação de reporte para esses outros bens. Terreno eu realmente acho que as pessoas não registram, até porque ele não é um bem declarável. Se quiser recolher uma guia de ITCMD e pagar você pode, mas isso não te regulariza em relação à propriedade daquele bem, servirá de prova de que você é realmente proprietário.

Para criptomoedas, falamos apenas de ITCMD. Mas em relação aos imóveis digitais, o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IBTI) também se aplicaria?

Quando pensamos em apartamentos ou carros, você precisa de registros. O Brasil é muito formalista nesse processo, é preciso ir no cartório, Detran… esses são momentos em que a fiscalização consegue acessar a informação e exige o recolhimento do imposto antes da transferência do documento. Nas regras de transferência, tanto o ITBI quanto o ITCMD se aplicariam. Mas como isso será feito no metaverso, onde não há documento propriamente, é muito difícil de dizer. Temos alguns anos pela frente em que ainda vai se operar na informalidade.

Se já existe dificuldade em fiscalizar ativos nacionais, os internacionais devem ser mais complicados ainda, certo?

Uma exchange com operação no Brasil tem a obrigação de reportar para a Receita e quem não faz o reporte casado vai sofrer questionamentos. Agora, se é o caso de uma pessoa negociando na própria wallet fora do Brasil, ela deveria informar porque a tributação dela é toda daqui.

Por que o metaverso é considerado uma barreira para a fiscalização desde a sua concepção?

O metaverso se basta em si próprio, começa e termina ali. Você vai exigir essa burocracia adicional de quem? Tirando o blockchain, que comprova que você é dono daquele terreno, não tem nem como bater essas informações. Não existe um dono do metaverso.

Toda essa questão de regulamentação e impostos não é um balde de água fria para quem acreditou na “web livre”?

É um balde de água fria, sim, mas acho que ninguém tinha a ilusão de que seria essa terra de ninguém para sempre. Essa liberdade toda e operações não rastreáveis permitem uma série de movimentações não necessariamente dentro da lei. É ruim fiscalizar, mas ele limita a lavagem de dinheiro ou mesmo de aquisição de bens que as pessoas não querem declarar. Tem os dois lados da balança.

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Autoria

Paula Chidiac

Paula Chidiac é colaboradora MIT Sloan Management Review Brasil.

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